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sábado, 25 de outubro de 2025

Japão tem uma inédita primeira-ministra e ela é mais reacionária do que a gente imaginava

Desde o início de outubro, quando noticiaram que Sanae Takaichi havia vencido as eleições dentro do Partido Liberal Democrata (PLD), partido dominante da política japonesa desde a sua fundação em 1955, estava meio que evidente que ela seria a nova primeira-ministra.  Sendo mulher, seria algo inédito.  O PLD só não foi governo em dois momentos da história recente japonesa, 1993-1996 e 2009-2012.  Trata-se de um partido de direita e, em nossos dias, com setores cada vez mais à extrema-direita.  Takaichi é exatamente dessa ala mais à direita do partido. 

 Talvez sua eleição tenha sido impulsionada por algo que ocorreu em julho, quando o PLD perdeu maioria no Senado e viu a extrema-direita assumida avançar dentro da casa.  Eles precisavam de 50 cadeiras para dominar a câmara alta superior e conseguiram, com o apoio de partidos aliados de centro-direita e direita, 44 cadeiras.  Já a extrema-direita pulou de 10 para 22 cadeiras, um avanço de fato significativo.  Estabelecido isso, os caciques do PLD devem ter feito os cálculos e escolhido um quadro reacionário para primeiro-ministro, mesmo inovando ao selecionarem uma mulher.

Takaichi, que sucederá a Shigeru Ishiba, trabalhou nos Estados Unidos nos anos 1980 e é da ala do partido próxima do finado Shinzo Abe.  Segundo O Globo: "Takaichi não é vista como defensora dos direitos das mulheres. Ela se opõe à mudança da lei que impede que mulheres ascendam ao trono como imperadoras e já se manifestou contra a revisão da norma centenária que exige que casais compartilhem o mesmo sobrenome legal, alegando que a mudança poderia levar a divórcios ou casos extraconjugais. Takaichi também se posiciona contra o casamento entre pessoas do mesmo sexo.".  Muito promissor, não é mesmo?  

Ficando somente com a questão do trono, a proibição para que mulheres ocupassem o trono é de 1889, confirmada em 1947, ou seja, é mais um retrocesso fruto do processo de modernização da Era Meiji (1868-1912).  O mesmo vale para a política dos sobrenomes, que é coisa da Era Meiji, também.  Agora, imaginem alguém acreditar que uma mulher pode governar de fato o país, mas não ocupar o trono.  Como foram quarenta anos sem o nascimento de nenhum homem na Família Imperial, houve a discussão sobre a mudança na lei.  O PLD votou contra em massa, imagino que Takaichi tenha dado um dos votos.  Daí, vocês tiram a coisa toda.

Por outro lado, Takaichi prometeu "(...) montar um ministério com equilíbrio de gênero, inspirado nos países nórdicos, onde a participação feminina costuma se aproximar de 50%. Mas Mieko Nakabayashi, professora de ciência política na Universidade Waseda, em Tóquio, afirmou que Takaichi frequentemente atuou como um “obstáculo” para pautas feministas."  Atualmente, as mulheres representam 1/5 da Dieta, o Parlamento japonês, e ocupam somente dois ministérios.  O Japão ocupa o 118º lugar entre 148 no relatório de 2025 do Fórum Econômico Mundial sobre a disparidade de gênero.  Para se ter uma ideia, o Brasil ocupa a 72ª posição.  E ninguém espera que Takaichi faça nada de positivo pelas mulheres, afinal, ela é apontada como a Margaret Thatcher japonesa, o que não quer dizer que ela irá durar no cargo, como explicarei a seguir.

Uma matéria da BBC, intitulada Por que imigrantes brasileiros no Japão estão preocupados com nova primeira-ministra, tocou na questão da fragilização do PLD.  Takaichi será o quarto primeiro-ministro em cinco anos e o PLD não tem maioria em nenhuma das duas câmaras, mas nenhum outro partido tem, então, é preciso compor uma maioria.  Como ela é uma guinada à extrema-direita, o que fez com que o partido Komeito, aliado do PLD por 26 anos, rompesse a aliança, adotou um discurso contra imigrantes e turistas em um momento no qual há um aumento significativo de residentes estrangeiros no país e o número de visitantes aumentou.  Durante a campanha, assim como fez Trump, ela reproduziu informações "não verificadas", vulgo fake news, com acusações a ambos os grupos.  A oposição acusa a nova primeira-ministra de xenofobia.  Já Trump, a elogiou.  

Para fechar essa exposição do reacionarismo de Takaichi, antes mesmo de ser confirmada como primeira-ministra, no dia 17 de outubro, ela visitou o polêmico templo Yasukuni.  Criado em memória dos mortos de guerra do Japão desde a Guerra Boshin (1868-69), o templo "(...) lista os nomes, origens, datas de nascimento e locais de morte de 2.466.532 pessoas. Entre elas estão 1.066 criminosos de guerra condenados da Guerra do Pacífico, doze dos quais foram acusados ​​de crimes de Classe A (o planejamento, a preparação, o início ou a condução da guerra).".  O último primeiro-ministro japonês a visitar o templo foi Shinzo Abe.  Toda vez que esse tipo de visita acontece, China e Coreia do Sul costumam reclamar e com razão, mas Takaichi não deve estar se importando com isso.

Mas quem é Sanae Takaichi?  Takaichi nasceu em 7 de março de 1961, na província de Nara.  Seu pai trabalhava numa empresa automotiva ligada à Toyota e a mãe serviu na polícia da prefeitura de Nara. Graduou-se em Administração de Empresas pela Universidade de Kobe em março de 1984.  Segundo a Wikipedia, "Embora tivesse se qualificado para ingressar nas universidades Keio e Waseda em Tokyo, não pôde frequentá-las, pois seus pais se recusaram a arcar com as mensalidades caso ela deixasse a casa ou escolhesse uma universidade particular por ser mulher.".  Ela viajava seis horas todos os dias para ir e vir da universidade, que era subsidiada com recursos governamentais. E, ainda assim, ela não é sensível às discussões sobre desigualdade de gênero.

Durante seus anos na universidade, tocou bateria em uma banda de heavy metal e seus hobbies incluem mergulho, motocicletas e rock pesado.  Olha só que ousada! Depois de se formar, teve experiências variadas: trabalhou como assistente parlamentar, fez estágio nos EUA como fellow no Congresso americano e também teve atuação na TV.  Entrou para a política em 1993, quando foi eleita para a Câmara dos Representantes como candidata independente; mais tarde, em 1996, filiou-se ao PLD, ocupando vários cargos no partido e no governo como ministra.  E ela tem pelo menos duas fotos com Margaret Thatcher, na época, Takaichi tinha 36 anos.

Entre suas propostas estão a revisão da Constituição japonesa para reforçar o papel das Forças de Autodefesa, afinal, ela é da ala "nacionalista" (*militarista*) do PLD; restrição da imigração e das leis que garantem a permanência de estrangeiros (*isso quando o Japão enfrenta uma queda de natalidade que se agrava ano a ano*); críticas ao casamento entre pessoas do mesmo sexo (*que é garantido em algumas províncias e prefeituras, mas não conta com uma legislação nacional*) e à adoção de sobrenome separado por casais, pois é alinhada aos valores tradicionais.  E, como todo reacionário que se preze, ela é divorciada, porque essa preocupação com família tradicional é sempre em relação aos outros.  Ah, mas ela defende mais creches e escolas maternais para que as mulheres que trabalham possam ter mais apoio.  É alguma coisa, não é mesmo?

Para terminar, é preciso falar de representatividade, a quantitativa e a qualitativa.  Há quem não considera a representatividade quantitativa, mas ela tem seu valor, também.  Uma menina que vê uma mulher em uma posição de poder ou destaque pode tirar dessa imagem a força para lutar para chegar lá, pode rever suas crenças a respeito do "lugar das mulheres" ou do que é ser uma "verdadeira mulher", ou pode simplesmente olhar para aquela mulher fazendo tanto estrago e pensar que, no lugar dela faria diferente, faria melhor.  Obviamente, se houver um homem melhor para ocupar o cargo, ele deveria passar à frente.

Já a representatividade qualitativa é a que mais importa.  É colocar no poder mulheres que façam a diferença para melhorar a vida das outras mulheres e trabalhar para o bem-estar da coletividade como um todo.   No entanto, como bem colocou o professor Sadafumi Kawato, professor emérito da Universidade de Tokyo, para a AFP, essa mulher não será Sanae Takaichi, pois "A sua eleição seria um passo em frente para a participação das mulheres na política, mas ela demonstrou pouca inclinação para lutar contra as normas patriarcais.”.  Então, é isso, a eleição de Takaichi é um marco, ser  uma mulher é importante, mas ela é uma agente do patriarcado e do capitalismo, também, além de ser uma militarista de extrema-direita.

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