Me perguntaram no Twitter hoje se eu tinha feito resenha de Fire! (ファイヤー!) para o Shoujo Café. Disse que não tinha feito. Ele lembrou, então, do meu primeiro site, o Shoujo House, criado lá em 2002. Achei que tinha feito resenha pra lá, mas, na verdade, não tinha, mas acabei tropeçando, graças ao Wayback Machine, na minha resenha de Juuichinin Iru! (11人いる!), They were eleven!, mangá que será o cartão de Hagio Moto no Brasil. Eu comprei a edição norte-americana e a resenha foi feita com base nessa edição. Dou detalhes no texto. Achei que valeria a pena publicá-lo aqui, ele é de 2005, exatos vinte anos atrás.
No Brasil, Juuichinin Iru! irá se chamar o 11º Tripulante. É um bom título e tenta visivelmente fazer uma ponte com Alien: o 8º Passageiro. Espero que dê certo, já está em pré-venda, o volume sai no dia 20 de janeiro. Achei o preço, R$109,90, muito alto. Alguém veio me dizer que era uma edição de luxo. Sem querer ser pessimista, acho que não será, mas só terei o que dizer quando o meu volume estiver em mãos. Enfim, para quem quiser, 11º Tripulante está com um bom desconto na Black Friday do Amazon, está saindo por R$87,92. Se você comprar por este link, ajuda o Shoujo Café. Segue o texto, as únicas correções relevantes foram gramaticais e ortográficas.
"Hagio Moto, uma das maiores mangakas japonesas, provou com They Were Eleven (Desculpe usar o título em língua inglesa, mas é que estou mais acostumado com ele) que shoujo e ficção científica podem combinar maravilhosamente bem. Se hoje, é comum ver muita gente afirmando que a revista Asuka (e sua irmã Asuka Deluxe) não seria uma revista shoujo mas, sim, mista porque teria como forte histórias de ficção científica (Cowboy Bebop), ação e fantasia (X da CLAMP), é porque traço do mangáas pessoas não têm noção de que os quadrinhos femininos não se limitam aos romances colegiais e ao tradicional mahou shoujo. Já nos anos 70, mais precisamente em 1975, Hagio Moto publicava na revista Bessatsu Shoujo uma história que se tornaria um clássico da ficção científica japonesa e arrebataria o Shogakukan Award.
They Were Eleven é uma história que tem na tensão psicológica um dos seus traços mais marcantes, ao mesmo tempo que discute as questões relativas aos papéis de gênero e ao peso das convenções sobre os indivíduos. A história, que tem somente um volume, começa resumindo o futuro da humanidade: depois da descoberta da propulsão de dobra e do fenômeno da antigravidade, os terráqueos se espalharam pela Galáxia e fundaram colônias em cinquenta e um planetas. Tudo isso em dois séculos. Com o tempo a harmonia entre a Terra e as suas colônias deixa de existir, mas a descoberta de ruínas alienígenas em um planeta faz com que as desavenças sejam superadas e se forme o Governo Pan-Terrano (o termo é esse mesmo).
Não podendo negar a existência e força dos vizinhos que encontrou, a Terra entra em uma aliança com três superpotências estelares, Lota, Segul, Saba e outras espécies menores e forma a Aliança Interestelar. Com esse novo acordo os Terranos continuam sua expansão e nos próximos quatro séculos competem com os Sabans pela supremacia. Ao fim desse período, os terranos se tornam a espécie mais populosa, seguida pelos Sabans, Seguls e Lotas. Os casamentos interespécies são comuns, pois todos são humanóides, exceto com os Lotas que se mantêm à margem dessas trocas devido à sua religião.
E chegamos então ao início da história. Dia de exame final para o acesso na Cosmo Academy, os aprovados Tada, versão animenos testes preliminares, serão alocados em grupos de dez e submetidos ao último desafio. Só que um dos grupos tem 11 componentes e não 10, como deveria ser. A partir daí, um desconfia do outro e coisas estranhas acontecem. Não há dúvida de que o 11º tripulante tem como objetivo fazer com que os outros dez fracassem. Mas como conseguir neutralizá-lo?
They Were Eleven tem duas personagens principais: Tada (Tadatos Lane), um órfão que tem poderes telepáticos, e Froll (Frolbericheri Frol), um andrógino de beleza estonteante. Ambos são as principais vítimas da suspeita dos demais. Os poderes de Tada (**que não é o único capaz de fazer coisas incomuns**) fazem com que todos desconfiem dele. Já Froll por causa de seu comportamento e aparência (**à princípio os outros o tomam por uma mulher**) acaba atraindo atenção "negativa" por assim dizer.
Hagio Moto usa Froll para discutir questões sobre as convenções entre masculino e feminino. Froll vem de um planeta onde todas as crianças nascem sem sexo definido. Até a puberdade, têm os mesmos privilégios e crescem livres, mas na adolescência se dá a intervenção: todas as famílias só desejam um filho homem, os demais serão mulheres. Admite-se também a poligamia e os homens não trabalham, deixando toda a carga para suas esposas. Froll é o caçula da família e teve tempo para ver como seu irmão e irmãs mais velhas foram tratados. Não tem por que desejar ser mulher, mas por tradição, não tem escolha. O máximo que consegue é fazer com que seu pai o deixe tentar a prova da academia. Se falhar, seu destino está traçado e se tornará uma das esposas de um velho nobre de sua terra. Mas mesmo Froll desejando ser homem e ela não tenha percebido, seu corpo já optou, sem necessidade de nenhuma intervenção indutora. Para completar, Froll e Tada se apaixonam.
As outras personagens da história não conseguem ter tanta relevância quanto a dupla, mas também não fazem feio. Alguns vêm dos mesmos planetas, outros são os primeiros de sua raça a conseguirem chegar tão longe no processo de admissão. Há um príncipe cheio de orgulho, aristócratas que acreditam na superioridade de seu sangue ou religião, alguns que querem ser cientistas e um interessante hermafrodita com aparência reptiliana. Knu (Vidmenir Knume) é a voz da razão do grupo quando as coisas começam a ficar feias. Ele vem de um planeta parecido com o de Froll, só que seu povo não induz seus habitantes a se tornarem homens ou mulheres. A coisa acontece naturalmente na adolescência, mas alguns permanecem reptilianos e sem sexo definido. Azar? Talvez, em troca, vivam muito mais do que os outros.
A ambientação do mangá de Hagio Moto é claustrofóbica e angustiante. O começo, mostrando as cápsulas individuais onde os futuros cadetes ficam confinados para o exame, já diz tudo. A autora é sempre muito competente na definição do tom de suas histórias, mesmo que não deixe o leitor esperar pelo óbvio em termos de roteiro.Em 1986, They Were Eleven virou filme e manteve basicamente a mesma estrutura do mangá. Aliás, como só tem um volume, nada se perdeu. A mudança considerável fica por conta do character design que tornou Froll "uma moça" lindíssima e deu a Tada traços bem menos andróginos. [Estava escrito "mais" e, não, "menos", porém acredito que havia trocado as palavras.]
Não vou me prolongar falando da autora, porque já há bastante informação da autora e sua obra na seção dedicada ao Coração de Thomas. De qualquer forma, vale lembrar que o que temos de Hagio Moto publicado no Ocidente são suas histórias curtas de ficção científica. A VIZ teve o mérito de perceber o potencial da autora e escalar Rachel Thorn como tradutor [Thorn transicionou e modifiquei o texto para eliminar seu nome morto. Infelizmente, não tenho como fazer isso em todos os textos nos quais já a citei.], fora isso, ainda lançou o filme. Infelizmente, parece que a editora não tem mais os direitos da obra e ela não pode ser republicada em formato mangá. Minha edição de They Were Eleven, por exemplo, é em formato americano, espelhado e partido em quatro revistas. Já procurei no E-Bay, lugar onde se pode encontrar as edições já esgotadas, mas não encontrei ainda o mangá em formato Graphic Novel e devo comprar a edição japonesa mesmo. Aliás, é por isso que não tenho imagens melhores. Minha esperança é que alguma editora olhe para Hagio Moto e perceba o que está perdendo. É muito injusto que seus trabalhos sejam quase restritos ao público japonês."
Quando o volume da JBC for lançado e estiver em minhas mãos, provavelmente, em fevereiro, farei outra resenha. Acredito que se nada mudar nas minhas opiniões sobre a história, terei o que pontuar sobre a edição nacional.

Obrigado por compartilhar a resenha. Eu quem questionei no twitter, e agradeço pelo link que mandou, não me encontrei muito no site ainda mas tentarei localizar as resenhas que lembro que li no Shoujo House e gostava muito. Ansioso para ler 11º Tripulante.
ResponderExcluirEu sei, Matt. E, como constatei, dá para visualizar todo o Shoujo House usando o Wayback Machine.
ExcluirAchei bacana essa forma de trabalhar gênero como algo imposto numa sociedade futurista
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