terça-feira, 30 de setembro de 2008

Lost in Translation



Hoje no ANN havia link para essa matéria que saiu no site Advocate.com, que é de notícias LGBT (Lésbicas-Gays-Bissexuais-Transgêneros), explicando o que é yuri. Trata-se de um artigo introdutório com todas as limitações e problemas que algo assim possui. A autora acerta em muitos pontos, como no fato da experiência homossexual feminina ser subestimada nos mangás ou em alguns deles, mas falha, também. Oscar não é uma garota (girl), ela é uma mulher (woman) durante boa parte do mangá. Merecia ser tratada como tal. Riyoko Ikeda madrinha do yuri, eu não sei. Aliás, Ikeda não cruza a linha na Rosa de Versalhes. Ela flerta, mas não concretiza nada. E quando o faz, como em Claudine, a protagonista se mata com um tiro na cabeça. Yuri feliz é raro, especialmente nos anos 70, mas eu escolheria Paros no Ken se quisesse mostrar algo de realmente revolucionário.
Lost in Translation

O que não é gay nos quadrinhos com romances entre garotas? No Japão, tudo. Caroline Ryder explora o esquivo mundo dos mangás lésbicos.

By Caroline Ryder

O apetite da América por tudo o que é japonês é voraz – sushi, karaokê, Hello Kitty. Nos últimos sete anos a fixação nipônica se virou para os mangás, quadrinhos que têm uma estética asiática diferente e são publicados em incontáveis gêneros, incluindo romance, ação-aventura, horror – mesmo sexualidade.

Em 2007 as vendas de mangás representaram 56% dos lucros de todas as graphic novels vendidas nos Estados Unidos. E as coisas têm estado particularmente boas para os mangás no cinema ultimamente: a Warner Bros. lançou Speed Racer no início do ano, e a 20th Century Fox está adaptando Dragon Ball para 2009. As editoras americanas Harper Collins e Random House associaram-se a editoras de mangá.

Os gêneros de mangá são tão amplos que existe um inteiro subgênero que retrata o amor entre garotas. Yuri – que pode ser traduzido como lírio – gira em torno de qualquer coisa desde sexo hardcore entre impossíveis garotas pneumáticas[1] até contos adocicados sobre a atração entre colegiais onde andar de mãos dadas é o máximo a que se vai chegar. E apesar de você poder ser perdoada por pensar que yuri são histórias com enfoque gay escritas para uma audiência gay, os japoneses provavelmente vão discordar. Em um país no qual a sexualidade ainda tem muito de tabu, mesmo os mais conservadores pais e mães japoneses não se importam que suas filhas leiam mangás yuri, porque os quadrinhos não são vistos como “material gay”. (Só para constar, há também mangás com histórias de amor entre garotos, chamadas de yaoi. Cruas em sua representação dos romances e relações sexuais entre rapazes, elas são lidas principalmente por mulheres heterossexuais no Japão.)

Este pudor cultural pode ser atribuído ao conceito de tatemono honmono, um termo que se aplica ao espaço entre o que as coisas parecem ser e o que elas realmente são, diz Erica Friedman, fundadora da ALC Publishing, a única editora totalmente Yuri do mundo. “No Japão existe uma grande pressão da sociedade para que as pessoas vivam como heterossexuais, mais do que qualquer ocidental possa imaginar,” diz Friedman, que também é presidente do Yuricon, uma convenção dedicada a tudo o que é yuri nos animes e mangás. Yuri é aceito – contanto que seja percebido como parte de um mundo de fantasia.”

Para a mente occidental contemporânea, esta nuance pode causar perplexidade. No seu livro Japanamerica, Roland Kelts explica que “os códigos estritos de etiqueta que governam a vida cotidiana no Japão também permitem um extraordinário grau de criatividade e permissividade social: a liberdade de explorar outras identidades.” Então enquanto uma mulher casada pode ser capaz de explorar sua sexualidade livremente sem nenhuma censura lendo yuri no metrô, esta liberdade termina tão logo ela chegue na última página.

Pegue First Love Sisters, um classic mangá doce e inocente que, como muitas histórias Yuri, se passa em uma escola. A história gira em torno de Kizaki Haruna, uma misteriosa adolescente morena, e Chika Matsuzato, uma aluna mais jovem que desenvolve uma atração um tanto obsessiva por ela. “No momento em que encontrei Haruna-san,” Matsuzato diz emocionada, “pareceu fazer calor de repente, a própria atmosfera mudou.” É matéria romântica, que culmina com Kizaki lambendo o sorvete que sujou o rosto de Chika. Mas isso não significa que se trata de uma história lésbica, diz a ilustradora Mizuo Shinonome. “O sexo feminino... é delicado, e muda muito com experiências como o casamento e o parto,” ela escreve no final de First Love Sisters. “O amor entre mulheres deve ser visto como efêmero, luminoso e gentil.” Luminoso e gentil ele pode ser, mas efêmero? A concepção de que os relacionamentos lésbicos são coisa de colegiais, algo transitório, é clara.

First Love Sisters é publicada nos EUA pela Seven Seas Entertainment, uma das editoras mais importantes de mangá mainstream traduzindo títulos yuri japoneses para o mercado americano. O crescimento estável da demanda por material yuri reflete o boom maior do manga no país. Enquanto não existem estatísticas para os títulos Yuri, a venda de mangas nos EUA em 2007 chegou a 220 milhões de dólares, segundo a Publishers Weekly. Teóricos da cultura como Eoland Kelts dizem que o interesse pelos mangás foram estimulados depois do 11 de setembro, quando os leitores americanos se tornaram capazes de se relacionarem com as narrativas pós-apocalípticas que os mangás freqüentemente contém.[2] Qualquer que seja a motivação, a fascinação parece ter fôlego para continuar, particularmente porque os estúdios de Hollywood parecem famintos por um novo suprimento de heróis de ação, e se viram para os japoneses em busca de inspiração.

“Eu adoraria ver mais material yuri lançado,” diz Lillian Diaz-Przybyl, uma editora sênior na Tokyopop, a segunda maior editora de mangás traduzidos dos EUA. Tokyopop publicou 12 Days, uma sombria, e profundamente sentimental graphic novel da artista expatriada sul coreana June Kim sobre uma mulher que lamenta a morte de sua amante consumindo suas cinzas dentro de milk-shake por 12 dias.[3] O Yaoi estabeleceu um consistente público leitor nos EUA, Diaz diz, possivelmente porque existe uma maior demanda por temas relacionados ao masculino mas, também, por conta de um contínuo mal entendido sobre o que Yuri realmente significa. “Algumas pessoas pensam que se trata de pornografia lésbica para o público masculino – e este tipo de mangá existe – mas há muito mais do que isso,” ela diz.

Riyoko Ikeda, que é considerada por muitos como a madrinha do yuri nos círculos de mangá, criou em 1972 A Rosa de Versalhes, um dos primeiros mangas que apresenta temáticas ligadas ao relacionamento entre garotas e foi o primeiro mangá traduzido disponível comercialmente nos EUA. Ele conta a história de Oscar, uma bela menina que se veste de garoto e serve como líder dos guardas do palácio de Maria Antonieta.[4] A maioria das mulheres da corte se sentiam atraídas pela elegante Oscar e ficavam com ciúmes sempre que ela era vista em companhia feminina. A Rosa de Versalhes foi adaptada para o palco pelo Teatro Takarazuka, um teatro regional do Japão no qual as mulheres fazem tanto os papéis femininos quanto masculinos. As fãs do Takarazuka são conhecidas pela sua devoção às atrizes, e assim como acontece com o Yuri, os pais e mães vêem isso como fantasia segura, que nada tem a ver com ser gay de verdade.
[1] Deve estar falando dos seios enormes.
[2] Olha só a idéia! O crescimento do shoujo mangá explicado por suas tramas pós-apocalípticas?! Dos que saem nos EUA, só lembro de um que se enquadra de cara que é Basara. Algum outro? Olha só a explicação canhestra e excludente.
[3] OK, isso é muito doentio!!!!
[4] Oscar não é “a girl”, caramba! Ela é “a woman”, “a grown up and full woman”. :P

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