terça-feira, 16 de outubro de 2012

Comentando Wide Sargasso Sea (BBC, 2006)




Na virada do sábado para domingo, assisti finalmente um filme que estava no meu HD faz tempo: Wide Sargasso Sea. Para quem não tem idéia do que seja isso, trata-se da segunda filmagem de um aclamado livro que é uma prequel de Jane Eyre. Este filme foi exibido na época da última adaptação de Jane Eyre para a TV inglesa, a excelente versão com Tobby Stephens e Ruth Wilson (*que essa cretina que escreve, nunca resenhou aqui...*). Pois bem, em Wide Sargasso Sea, Bertha, a esposa louca de Rochester, ganha voz e conta a sua história. Sua vida na Jamaica antes de Rochester, seu casamento desastrado e seu processo de enlouquecimento. Curiosamente, eu já tinha apagado e baixado de novo o filme... Daí, nem sei se a versão anterior, a que nunca vi, era a primeira filmagem (1993), ou já esta segunda.

Na verdade, eu tenho uma relação meio que de aversão por Wide Sargasso Sea. O motivo é simples, Mr. Rochester é minha personagem masculina favorita da literatura inglesa. Já disse isso antes. Sei que ele não é santo, Jane Eyre, o original, está aí para provar, mas ele não é o vilão que é pintado em Wide Sargasso Sea. Quer dizer, mal pintado, pelo menos nessa versão que assisti, porque o livro, eu não li, e nem tenho intenção, mas algumas resenhas reclamam disso. Só leria wide Sargasso Sea se encontrasse alguém que me convencesse ou uma resenha que despertasse minha curiosidade.

Mas, enfim, o que me fez pegar para assistir mesmo? A Lina me perguntou se eu conhecia e ao procurar informações para ela, descobri que esta versão que tenho no meu HD era protagonizada pela excelente Rebecca Hall, a Sylvia de Parade’s End. Queria ver a moça atuando em outras produções. O outro motivo é que Wide Sargasso Sea – o livro – é considerado um livro brilhante dentro do campo da literatura pós-colonial, isto é, aquela que questiona a visão que o colonizador Europeu lançou sobre os conquistados. E, bem, Jane Eyre de certa forma é um olhar colonizador. E, por fim, a autora do livro, Jean Rhys, e Fox Madox Fox – autor de Parade’s End (*estou quase terminando os livros*) – foram amantes e ela escreveu em suas memórias que foi ele que a incentivou a começar a escrever. Então, lá fui eu ver Wide Saragasso Sea. Já escrevi, escrevi, e nada falei do filme... Vamos lá...



Wide Sargasso Sea começa com a famosa seqüência na qual Bertha (Rebecca Hall), escapa do sótão e coloca fogo em Thornfield. Rochester (Rafe Spall) não consegue impedi-la nem de destruir a mansão, nem de se atirar para a morte. Daí, o filme retorna para 1833 e a chegada do jovem Rochester na Jamaica, seu estranhamento, o encontro com Antonietta Cosway, irmã de seu amigo Richard Mason. O breve noivado e o casamento arranjado pelos pais dos noivos, com grande lucro financeiro para Rochester, que como filho caçula precisava fazer a vida, por assim dizer. Tudo parece ir bem, até que Rochester começa a desconfiar, já na lua de mel, que sua noiva, família e escravos escondem alguma coisa. Quando histórias sobre a loucura da mãe de Antonietta, suspeitas de que a jovem herdou a mesma enfermidade e da vida promiscua pregressa da esposa chegam até ele, a relação dos dois rapidamente desmorona. Antonietta, apaixonada, acaba sendo arrastada pelos acontecimentos e abraça seu “destino”, enlouquecer como a mãe.

Que eu tenho a dizer sobre Wide Sargasso Sea? O filme é fraco. Não posso julgar o livro, mas esta versão de 2006 tem muitos problemas. O começo já é a escalação do rechonchudo Rafe Spall como Rochester. Ator muito branquinho, de olhos claros, ele está muito longe da imagem de Rochester desenhada nos livros. Falta-lhe também o carisma de um Fassbender para que a gente possa relevar um pouco o fato do ator ser tão diferente fisicamente da personagem. Na verdade, Rafe Spall, grandão e pesado de corpo, poderia ter dado um bom Christopher Tietjens, já como Rochester é um fiasco.  Aliás, a outra coisa que assisti com Spall foi Desperate Romantics e só posso dizer que ele era o menos interessante dos artistas.



Outro problema é o roteiro e a forma como os acontecimentos se concatenam no filme. O livro, pelo que me informei, tem três partes, sem se fiar em uma narradora onisciente, mas se utilizando dos olhares dos vários personagens, daí ser uma obra também considerada pós-moderna. Pois bem, a primeira parte, a infância e adolescência de Antoinette não existe. O que Rochester vem a saber é pelo fofoqueiro que aparece do nada e pela própria Antonietta. O problema é que Rochester neste filme acredita em um sujeito qualquer e a partir daí passa a hostilizar e maltratar a pobre esposa. Mas é algo tão do nada, tipo, da paixão carnal e algum afeto para a total aversão. Que não há como não se perguntar se o louco não é ele. Fora, claro, que fazer sexo selvagem com uma escrava ao alcance dos ouvidos da esposa e na lua de mel não é uma coisa lá muito sensata nem colaboraria para a sanidade mental da moça.

O que eu quero dizer é que a virada de Rochester é muito rápida e brusca. Trata-se da vilanização pela vilanização. O filme é muito curto, também. Talvez isso o tenha prejudicado, mas faltou muita competência na escolha do Rochester, no roteiro e na direção. Mesmo discussões importantes terminaram perdendo o impacto. Citando um exemplo, o sujeito, o fofoqueiro que se diz filho bastardo do pai de Antonietta com uma escrava, insinua que a moça tinha tida uma vida sexual ativa antes do casamento. Não se volta mais ao assunto, Antonietta em nenhum momento é mostrada deitando olhares sobre qualquer outro homem. Só que, ao que parece, a coisa é desenvolvida no livro. No filme, as palavras são jogadas e, bem, Rochester já estava se comportando como um ogro com a esposa mesmo.



As questões mais importantes do filme, as discussões de ordem feminista e pós-colonial, também são muito mal desenvolvidas. Por exemplo, Antonietta é uma rica herdeira, o que, aliás, não se justifica dentro do filme, já que seu pai nada tinha deixado e seu padrasto não precisava lhe dar um dote tão grande. Enfim, o pai de Rochester combina o casamento e empurra o filho para o enlace. Ele sabia dos precedentes de loucura na família, Rochester é inocente nesse aspecto. Mas a questão é que a tia de Antonietta chama a atenção da sobrinha para o fato de Rochester ser um desconhecido e de que pelas leis inglesas todo o seu dinheiro passaria para o marido. Ela nada teria de seu, seria dependente e ficaria à mercê dele. Há uma tênue discussão sobre a condição feminina e a injustiça da legislação, além da ficção que é a história de que é a história de que “tudo o que você precisa, mulher, é ter um homem que a proteja. Confie cegamente nele!”. Enfim, dá para fazer alguma reflexão, mas nada muito profundo.

Outra situação que remete às discussões pós-coloniais e feministas é quando Rochester – assim, do nada – diz que não gosta do nome Antonietta, de que ele era muito grande, muito exótico, e que ele iria “rebatizar” a esposa de Bertha. Dar nome é tomar posse, colonizar. A confusão de Antonietta – e Rebecca Hall estava muito bem nessa cena – é tocante. Como assim mudar seu nome? E ela, já mentalmente abalada, começa a repetir “Eu sou Antonietta, esse é meu nome.” Trata-se de uma questão de identidade e autonomia, algo que o marido e senhor está tirando dela. Mais adiante, a questão do caráter mestiço da moça vem à tona. Ela não é branca como os ingleses; ela não é negra; ela não tem lugar naquela sociedade. Essa, acredito eu, deve ser uma questão chave no livro, mas, no filme, é só rascunhada. Antes mesmo, quando Rochester ainda estava “de bem” com a esposa, ele tenta controlar a forma como ela se veste, arruma o cabelo... Isso, que poderia parecer um ato de um amante apaixonado, depois se revela como um prenúncio desse ato de posse e tentativa de controle. Talvez uma refilmagem em dois ou três capítulos pudesse fazer uma grande diferença.

De resto, eu detestei todas as mudanças feitas no original. Não me importo com fanfics – e é isso que Wide Sargasso Sea é, afinal – desde que bem escritos e que não traiam a essência das personagens. Nessa adaptação, tornam Rochester um monstro insensível, além de mexerem na própria origem de Antonietta. Vejam só, três questões estão firmemente marcadas em Jane Eyre: Rochester e Antonietta não ficaram sozinhos antes de casarem e ele não teve como imaginar o quadro mental da moça; Antonietta era uma Mason e Rochester diz que ela tinha a mãe louca, um irmão menor que sofria de algum retardo mental, ambos institucionalizados, e que Richard Mason já mostrava sintomas de problemas mentais; Antonietta era dada a surtos de violência e era promíscua.



A partir daí poderia se discutir muita coisa. O que era considerado como doença mental na época? Uma moça rebelde ou sonhadora poderia ser dada como louca e internada. Tive uma colega de faculdade, no Rio, que estudava mulheres institucionalizadas no início da República e era algo chocante, o nível de desrespeito e de misoginia. Se a pobre não era louca, ficava. Rochester, jovem e ambicioso, poderia ter contribuído para o colapso mental da esposa? Claro que, sim! Mas pintá-lo como um vilão, sem coração, e que acredita no primeiro mestiço que aparece na sua porta, é absurdo. E o caso dele com a escrava poderia até vir como resultado de um longo desgaste na relação coma esposa, mas da forma como aconteceu...

Você não precisa forçar a barra, pois Rochester nunca foi um santo. No filme, assim como em um livro ruim que resenhei no início do ano, ele e Antonietta conversam livremente antes do casamento. Ora, o que é descrito no livro, com a moça sempre com alguém a escolta-la era muito mais coerente. Fora isso, Rochester é pintado como um vitoriano, isto é, sexualmente reprimido (*e sei lá como é isso, já que as cenas de sexo e nudez foram muitas...*). E essa é uma coisa que veio do livro, pois está em todas as resenhas que encontrei. Olha, mesmo lendo Jane Eyre, eu imagino tudo, menos um Rochester sexualmente frio... Aliás, o povo deveria ler Foucault, a autora original não tinha como, mas nos dias de hoje não há desculpar. Em 1833, Vitória nem era rainha! Olha a loucura. O pessoal quer impor um modelo de sexualidade continente a todo o século XIX sem parar para perceber que houve rupturas, transformações nas formas de externar sentimentos, e que a moral burguesa esposada por Albert & Vitória não era hegemônica – se é que um dia foi – antes de eles chegarem ao poder. Enfim, um fiasco essa situação, fora que o mesmo reprimido vitoriano, se atraca com a escrava sem problema, enquanto a esposa chora no outro cômodo ouvindo os gemidos...



De resto, o filme cumpre a Bechdel Rule? Sim, cumpre. Aliás, que material da BBC não consegue? Não lembro de nenhum... Temos Antonietta; Grace Poole (*personagem que cuida da louca no sótão em Jane Eyre*); tia Cora (Victoria Hamilton), que não entendi de quem era irmã; a ama da moça, a altiva, linda e sensata feiticeira Christophine (Nina Sosanya); e a escrava atrevida, Amelie (Lorraine Burroughs). Todas as personagens tem algum tipo de conversa entre si e, nem sempre, sobre um homem, no caso, Rochester. Falando em Rebecca Hall, sua interpretação aqui é totalmente diferente da Sylvia. Antoinette é contida, fala baixo, talvez tateando nas palavras, como se inglês não fosse sua língua materna. Com certeza, é um trabalho menor da atriz, mas vale vê-la atuando sempre. Em Wide Sargasso Sea, Rebecca Hall está com os cabelos escuros, ela fica muito melhor ruiva.

Eu sinceramente não recomendo Wide Sargasso Sea (2006) para quem não é fã de Jane Eyre ou de Rebecca Hall. Aliás, não recomendo para quem é fã de Jane Eyre, porque, enfim, não faz justiça ao original. Perde-se a chance de se discutir como a louca do sótão tornou-se o que era no livro e qual o papel real de Rochester na deterioração da saúde da esposa. Do jeito que colocaram no filme, não há justiça com ninguém... Muito fraco, realmente.  E eu suspeito que a versão de 1993, talvez tenha menos defeito que essa.  Se encontrar para baixar, resenho, também.

6 pessoas comentaram:

A Rebeca Hall também fez este filme: https://www.youtube.com/watch?v=6WUd3qbFrKE
Particularmente gostei muito dele! E a atriz está excelente nele!

O Despertar - The Awakening:
http://www.imdb.com/title/tt1687901/
Ela está ótima e linda no filme! Curti bastante, espero que você também goste, baixei daqui: http://morrison-funzone.blogspot.pt/2012/09/the-awakening-2011.html
Abraços e parabéns pelo ótimo blog!

Olá! Eu gostei da sua crítica,mas apesar de tudo gostaria de assistir Wide Sargasso Sea,você se lembra onde baixou?
Beijos

Anna, acho que peguei o torrent ou no Pirate Bay, ou no isohunt.com

onde posso assistir wide sargaço sea legendado?

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