quarta-feira, 1 de maio de 2019

Hagio Moto: Uma Longa Entrevista - Parte 3 (Final)


Na época do aniversário do Shoujo Café, mais de um mês atrás, o Luiz deu um presente para o blog e seu público.  Ele traduzir uma das maiores entrevistas já dadas por Hagio Moto, uma das grandes mangá-kas de todos os tempos, e que está no livro Bungei Bessatsu Hagio Moto~Shoujo Mangakai no Idainaru Haha (文藝別冊 萩尾望都~少女マンガ界の偉大なる母~).  Nesta última parte, Hagio Moto fala das vezes que ela teve vontade de deixar a profissão e de como sempre terminou voltando (😁).  A entrevistadora pede que Hagio Moto diga quais seriam as marcas do shoujo, o que distingue essa demografia do shounen, e ela o faz lindamente.  

Yamada Tomoko fala, também, como 11 nin Iru! (They were eleven!) foi importante para ela em um momento em que ela estava odiando o fato de ser uma mulher.  E, aqui, cabe uma reflexão, e peço que não me tomem como transfóbica, há quem levante essa questão, por motivos diversos, boa parte das meninas em algum momento tende a detestar o fato de ser mulher, a pressão estética, o machismo estrutural, a misoginia até, podem fazer com que algumas meninas, talvez lésbicas, terminem se identificando como homens.  Isso pode, mais lá na frente, resultar em destransição.  E escrevo isso sem ódio, sem nenhum impulso em desqualificar as pessoas transexuais, ou seu sofrimento, mas que é possível que a razão da angústia esteja em outro lugar, nas imposições de gênero (*papéis*) e, não, na questão do sexo biológico mesmo.  Fim da breve reflexão.  De resto, queria que, se lançassem Hagio Moto por aqui, começassem exatamente por 11 nin Iru! .


Demorei tanto a publicar, porque, bem, é muito grande mesmo e eu não sabia onde fazer os cortes.   Então, talvez tenhamos três partes, ou até cinco.  A entrevistadora se chama Yamada Tomoko e a primeira parte está aqui e a segunda aqui.  E o Luiz já tem o Messenger!  E eu sou muito grata pelo trabalho e pelo carinho que ele teve, porque imagino o quão trabalhoso é traduzir uma entrevista desse tamanho.  Obrigada!


~ Continuando com a vida de mangaká
Período de 1974 até o atual
Hagio Moto, dos 25 anos em diante ~

Uma vez a cada quatro anos, quer desistir de ser mangaká.

- Poderia nos contar sobre as lembranças divertidas que guardou até aqui?

Hagio: A Suzuki Mitsuaki-sensei, que faleceu recentemente, costumava dar aulas sobre mangá e era interessante ir até lá pois havia várias mestras. Um dia soube que a Aoike-sensei daria aula e fui um pouco mais cedo para poder ouvir. Na época em que ela estava desenhando obras com batalhas marítimas, como Trafalgar (1979). Ela estava falando sobre os materiais de consulta que havia utilizado e escrevendo com letras latinas no quadro negro. Eu fiquei impressionada por ela ter conseguido memorizar daquela forma os nomes. A Miuchi-sensei também dava aulas.

- Você e a Miuchi-sensei já se conheciam nessa época?

Hagio: Não lembro como isso aconteceu, mas tenho recordação de ter ido ser assistente dela algumas vezes. Ela estava fazendo Glass no Kamen (1976 em diante). Talvez nós tenhamos nos conhecido em uma festa da editora ou algum outro lugar e eu tenha ido à casa dela fazer uma visita. Nisso ela me disse que não conseguia achar uma assistente. Eu disse que iria se fosse só pra fazer os preenchimentos em negro dos quadros (risos). Eu também fui ajudar a Tadatsu Yôko-san quando ela estava com o prazo de entrega apertado, assim como também fui ajudar a Ôshima Yumiko-san pelo mesmo motivo. Como esperado eu ia, fazia esses preenchimentos e voltava para casa (risos). Eu também recebi o favor de a Ôshima Yumiko-sensei fazer a mesma coisa por mim uma vez.

- Você tem alguma recordação divertida de viagem?

Hagio: Tenho várias. Eu fui em uma viagem para a Amazônia com o Matsumoto Leiji-sensei e o Chiba Tetsuya-sensei (1979). Fui cheia de energia para acompanhá-los e todos os dias foram realmente divertidos. Eu fiquei pensando em como passear era bom. E também em como passeios e aventuras eram divertidos.

- Até aqui, você pensou alguma vez em parar de ser mangaká?

Hagio: Então, parece que eu quero parar uma vez a cada quatro anos.

- Olimpíadas?

Hagio: Isso (risos). Parece que algo se acumula em mim a cada quatro anos. Por isso de repente eu resolvo fazer uma viagem, ou fico com vontade de fazer outra coisa.

- Falando nisso, você fez umas viagens de forma bem audaciosa, não é?

Hagio: Foi na época em que eu havia mudado para o interior, onde estou agora, por ter tido problema de saúde causado por smog fotoquímico. Mudei-me para um lugar em que o aluguel era mais barato e também tinha um pouco de dinheiro guardado. Eu tinha que trabalhar, mas estava aborrecida de tudo. Então fui para a Inglaterra por meio ano… fazer intercâmbio (1973-1974).

- O que fez você tomar essa decisão?

Hagio: Foi alguma razão qualquer. Estava cansada pela repetição sistemática dos dias. Por isso quis ao menos uma vez jogar tudo para o alto.

- O motivo do seu intercâmbio na Inglaterra foi essa mudança de endereço, então?

Hagio: Aconteceram várias coisas, como meu editor ter sido mudado, mas no geral estava só cansada das coisas. Ah, quando fui para a Amazônia, foi pelo mesmo motivo.

- Não aconteceu nada antes disso?

Hagio: Hum… Minha briga com meus pais foi antes disso. Antes de Mesh.

- Por isso você se divertiu em excesso na Amazônia.

Hagio: Talvez tenha sido por isso.

- Quando foi o mais recente que você sentiu vontade de parar de trabalhar?

Hagio: Por volta de quando terminei Zankoku na Kami ga Shihai Suru (2001). Eu fiquei completamente exausta e quis parar de trabalhar por um tempo. Mas quando parei de trabalhar por um ano, percebi algo terrível. Leva tempo para você pegar o jeito de fazer as coisas novamente (risos).

- Você chegou a parar por um ano inteiro?

Hagio: Eu já tinha parado anteriormente por um ano por causa de um acidente de trânsito que sofri (1982-1983). Antes, mesmo que eu parasse, até que conseguia retomar o ritmo bem na hora de voltar ao trabalho. Mas após passar dos cinquenta anos, percebi que não conseguiria fazer esse tipo de coisa novamente. Não poderia me dar ao luxo de parar por um ano. Como decidi manter o trabalho com uma frequência, de alguma forma tenho me mantido trabalhando.

- Com certeza essas longas férias que você tira nos intervalos das obras são o segredo para continuar trabalhando mantendo um nível alto constante.

A forma de preservar a motivação para continuar desenhando mangás.

- Após terminar uma obra longa, você tem que dar várias entrevistas e palestras, mas, em certo sentido, acaba se renovando também, não é?

Hagio: Encontrar com as pessoas é algo bom, de fato. Como o número de pessoas as quais encontro enquanto somente estou trabalhando é limitado, é muito bom encontrar gente diferente, como estou fazendo agora. Ainda que, falando sinceramente, tenha uma parte de mim que não goste disso… Em relação a esse livro comemorativo também, houve uma conversa com meu editor dois anos atrás. Eu cheguei a recusar uma vez, mas como ele ficou insistindo calorosamente várias vezes, achei que pudesse estar destinada a fazer isso (risos). Mas recentemente eu passei a conseguir achar que esse tipo de coleta de dados é algo que me faz relaxar.

- Ah, é mesmo? E tem algo que você faça conscientemente para manter a motivação em continuar a desenhar?

Hagio: Sim, tem. Basicamente eu faço leituras, vou a exposições de arte, assisto a filmes. Além disso, eu viajo. De qualquer forma, algo que me dê vigor.

- Desde quando você começou a fazer isso?

Hagio: A primeira vez que senti necessidade de me renovar foi quando entrei nos meus trinta anos. Aquilo que você desenha até a casa dos seus vinte anos é, no geral, aquilo que se acomodou em você na casa dos dez. O momento em que a sua motivação está mais alta é na casa dos dez, vinte anos. Você consegue colocar no papel tudo aquilo que queria desenhar. Por isso que até esse período minha motivação estava alta.

- Havia muitas coisas que você queria desenhar.

Hagio: Exato. Mas ao passar dos trinta anos acabei percebendo. A distância que havia entre mim e as leitoras. Até ali eu realmente sentia que elas estavam muito próximas a mim, e que nós percorríamos o mesmo caminho, mas quando me dei conta, havia envelhecido. Também surgiram autoras novas uma atrás da outra. Chegou a época em que eu senti que havia ficado velha. Quando isso aconteceu, as coisas que eu havia desejado desenhar até ali esmoreceram.

- Isso aconteceu na época de qual obra?

Hagio: Acho que foi exatamente antes de começar Mesh (1980). Na época em que briguei com meu pai e fechei minha empresa. Então eu percebi que esse período chegava. Quando eu comecei a achar que iria perder o emprego, a Petit Flower foi lançada e o Yamamoto-san me disse que ele seria o editor e perguntou se eu não poderia desenhar algo para eles. Por isso eu desenhei, começando com Hômonsha e fazendo depois a série Mesh.

- Foi um momento crítico que definiu se você conseguiria desenhar ou não Hômonsha, não é? É uma obra-prima.

Hagio: Talvez isso seja algo que aconteça não só comigo, mas que qualquer autor que tenha desenhado por um longo tempo consiga dizer para as pessoas. Embora eu esteja desenhando o mesmo que o ano passado, este ano isso já me parece algo velho. Isso já aconteceu bastante. E acho que seja algo ruim, tanto para mim, quanto para os outros. O período em que você consegue desenhar coisas para crianças com base apenas no seu vigor e nas suas emoções é inesperadamente curto. Eu pensei várias coisas desse tipo.

- Ainda que você compreenda isso, não há como se renovar de uma hora para outra, não é?

Hagio: As coisas que você coloca dentro de si de fato não saem tão rapidamente. Como esperado, demora um ou dois invernos para desabrochar. Eu crio gatos há bastante tempo, mas só recentemente desenhei finalmente um mangá sobre gatos (risos). Não dá para saber quando vai sair algo de você.

- Fora gatos, há algum outro exemplo concreto de um processo de criação como esse?

Hagio: Não, bem, se eu conseguir colocar algo para fora de forma sistemática assim, consigo produzir sem sofrimento.

- É mesmo (risos). Então, há algo que você entendeu posteriormente? Algo do tipo “isso aqui vai ser assim a partir de agora”.

Hagio: Hum… Ah! Falando de forma concreta, posso citar o Édipo da mitologia grega. Eu fui ver o Édipo Rei de Nomura Mansai-san (N. T.: ator japonês). Eu fiquei com muito dó da personagem. Foi muito chocante ver o sangue escorrendo dos olhos do Mansai-san. Por um tempo aquilo não saía da minha cabeça. Eu queria que alguém estivesse ao lado dele para pará-lo quando estivesse a ponto de esmagar os próprios olhos (risos). Foi assim que acabei desenhando Édipo (2007). Mais ou menos nesse período acabei fazendo também Sphinx (2009), porque havia sentido necessidade de desenhar.

- É a série Koko de wa Nai, Dokoka, não é?

Hagio: Originalmente, eu queria ver a encenação da peça Shigosen no Matsuri (primeira apresentação em 1999). Eu havia lido essa peça, de Kinoshita Junji (N. T.: o mais importante dramaturgo japonês de teatro moderno no Japão pós-guerra), e achado muito interessante. Ela havia sido encenada alguma vezes, mas eu não conseguia tempo para ir ver. Quando o Mansai-san foi escalado, eu finalmente consegui ir ver e achei a performance dele maravilhosa. Depois disso, virei uma espécie de stalker dele por um tempo (risos). Por isso acabei chegando a Édipo Rei. Eu havia lido essa peça também, mas aquela cena em que escorre sangue dos olhos dele… Foi algo que mexeu muito comigo.

- Entre ter visto essa peça e ter desenhado Édipo, passaram-se alguns anos. Talvez haja algo bom em você ter encontrado esse enredo.

Hagio: Entre ver a peça Édipo Rei e desenhar o one-shot Édipo, passaram-se aproximadamente dois anos. Enquanto estava desenhando ele, fiquei pensando que a esfinge era um ser realmente estranho. Por isso levei mais dois anos para conseguir fazer Sphinx.

- Quando era pequena, eu li Édipo e pensei “que história é essa?!”. Mesmo ele não tendo feito nada ruim... Ao contrário, embora ele estivesse fazendo coisas boas... Por quê? Assim como nesta obra-prima da tragédia grega, eu não estava entendendo o que me estava sendo dito.

Hagio: Não é? Se ao menos ele não tivesse ido até Tebas, não teria encontrado sua mãe. Ao consultar o oráculo de Delfos, é-lhe dito que ele vai matar o pai e casar com a própria mãe, por isso ele fica surpreso e não consegue voltar para casa. Ao andar sem rumo por aí, ele acaba indo parar no caminho para Tebas. Como a cidade está sendo atacada por uma esfinge, ele diz que vai exterminá-la. Então, ao ter seu enigma solucionado, a esfinge admite sua derrota e acaba se matando jogando-se do precipício. Eu achei que, para um monstro que estava comendo crianças, ele foi muito fácil de derrotar. Fiquei pensando que talvez o Édipo não tivesse ido para Tebas caso a Esfinge não estivesse lá. Parecia que a mãe dele o estava chamando através da esfinge. Passei a me perguntar se não era o ressentimento da mãe dele agindo.

- Verdade. Mas ler a sua obra é interessante. Hoje em dia eu consigo achar que é uma obra que permanece conosco porque tem espaço para interpretação (risos).

Hagio: Porque ela permite que várias idéias malucas se desenvolvam.

A distância entre a realidade e a ficção.

- Até Zankoku na Kami ga Shihai Suru, havia muitas obras que se passavam no exterior, mas depois dela você passou a usar mais o Japão como cenário. Aconteceu alguma mudança no seu estado mental?

Hagio: Isso aconteceu porque após desenhar Zankoku na Kami ga ~, eu passei a conseguir me afastar dos meus pais. Escrevendo histórias que se passavam no Japão, eu acabava envolvendo os meus pais ao levantar questões sobre famílias. Quando me dava conta do que estava fazendo, perdia a vontade de desenhar. Mas consegui superar isso. Passei a conseguir desenhar a geração dos meus pais, os adultos. Por isso Barbara Ikai virou uma história entre um pai e um filho.

- Eu acho que, quando uma história tem uma essência, você não desenha se aproximando dela rapidamente, mas toma uma distância temporária. Para desenhar o que mais quer, você se distancia. Não é que você não esteja olhando o problema, nem que você esteja forçando a entrada nele, mas sim desviando um pouco ao colocar o exterior como cenário. Acho que você tenta diminuir a distância dessa essência aos poucos.

Hagio: Talvez seja isso, não é? (Risos)

- Na época de Thomas no Shinzô também. Você disse que fez a história com meninos porque se fosse com meninas, seria algo muito vívido. O que eu achei muito interessante em 11 nin Iru! foi a ideia de que o Frol só teria seu sexo definido após tornar-se adulto. Como eu estava sentindo o lado triste de ser uma menina, ao ver isso transformado em ficção científica, pensei que essa transformação dele era uma possibilidade e fiquei com o coração mais leve. Mas não foi só isso que achei interessante. Também gostei da história estar em um lugar e tempo que não são os nossos. Talvez todos os autores façam isso, mas como você faz isso de forma completa e elegantemente, o leitor consegue ler sem sofrer muito e refletir sobre o que leu. Mas em relação ao cenário, você conseguiu se aproximar do Japão, não é?

Hagio: Muito obrigada (risos).

- Você não pensa em fazer uma obra que se passe em sua terra natal?

Hagio: Em relação a minha terra natal… Eu ainda preciso superar algumas coisas antes de desenhar. Já me foi pedido para fazer palestras lá também, mas como ainda não estou preparada, recusei.

- Quando você estava falando sobre as suas recordações, sobre as plantações ao redor e as coisas interessantes que viu na época, eu fiquei com a impressão de que você não tem uma grande aversão pela lugar em si.

Hagio: É de se esperar, considerando ser o lugar em que cresci. Eu gostava porque havia paisagens bonitas, o ar era limpo, mas aconteceram muitas coisas desagradáveis… Desculpe.

- Há algo que você sentiu tendo sido criada em uma cidade que possui minas de carvão?

Hagio: Há, sim. Estranhei o fato de sempre morar nas casas da empresa. Após o carvão ter acabado, todas as casas foram destruídas e no geral o local virou um terreno baldio. Naquela época, vários tipos de crianças frequentavam o mesmo ensino primário. Os filhos dos trabalhadores que nós chamaríamos hoje em dia de colarinho azul e branco iam para o mesmo lugar. Mas quando as crianças faziam amizade, os pais perguntavam onde o amigo morava e se fosse nesses bairros pobres, eles proibiam a criança de continuar a amizade. Coisas assim aconteciam. Minha época como criança foi difícil.

- Se você passa por esse tipo de experiência quando pequena, acaba pensando várias coisas, não é?

Hagio: Na época do ginasial e do colegial, eu também frequentei o clube de teatro escondida dos meus pais e era comum que os grupos fizessem várias peças com temáticas iluministas. Dentre elas, havia histórias como uma em que um casal, mesmo após ter se tornado mineiros, ainda levava uma vida difícil. Em resumo, eram histórias em que no final se passava a mensagem do quanto a vida dos proletários era difícil. Mas mesmo que gritássemos aquilo… não havia como sentir-se aliviado.

- Talvez seja difícil digerir essas questões em uma peça de teatro.

Hagio: Uma experiência amarga não se resolve apenas por você colocar ela em palavras. Já que era assim, era melhor ter uma peça mais escapista. Se fosse eu, escolheria Cinderela. Mas de um viés feminista essa história também é problemática.

- É mesmo. Ou melhor, é difícil.

Hagio: É difícil, não é? Também houve coreanos que foram trazidos após o Tratado de Anexação Japão-Coréia e morreram nas minas de carvão.

- Por que na verdade é diferente você fazer uma reportagem sobre isso, informando como aconteceu e registrando o fato, de criar uma obra artística que quer transmitir uma mensagem.

Hagio: Por isso que ao ler a obra Hachi-gatsu no Hate (2004) da escritora Yu Miri-san, em que ela escreve a história de um maratonista de ascendência coreana da época desse tratado, fiquei emocionada. Eu achei que ela conseguiu escrever muito bem… O conteúdo do livro é muito pesado e é difícil de ler. Porém uma vez que você termine, consegue sentir a existência total do personagem. É pesado mesmo, mas você consegue pegar essa totalidade. É uma verdadeira obra literária.

A análise das emoções.
Sobre o segredo do ato de expressar.

- Qual foi o mangá que você mais releu até agora?

Hagio: Como é de se esperar, foi Shinsengumi do Tezuka-sensei. Para tentar entender porque essa obra me faz sentir o que sinto. Será que não há alguma, alguma, alguma armadilha? Ou melhor, algum artifício? (Risos)

- Você acha que talvez possa descobrir algo novo?

Hagio: Mais do que descobrir, é mais o fato de os mangás por si mesmos terem uma gramática própria. Por exemplo, na música há o momento certo para bater os pratos de forma a tocar o coração das pessoas. Enquanto realiza uma leitura, há as cenas certas para prender você. Composições, falas. Ao reler, você percebe quais foram os pontos em que o autor a prendeu. Mas como no caso do Tezuka-sensei isso está espalhado por caminhos bem variados, ainda há coisas para perceber.

- Os segredos ainda não foram elucidados.

Hagio: Isso. Porque eles estão espalhados. “Aquele enredo no fim nos trouxe até essa parte?” “O quanto de trama é preciso ter para trazer a história até aqui?” Por algum motivo eu acabo analisando as obras. Mesmo com filmes que me emocionaram muito, eu começo a fazer a análise das minhas emoções para saber por que eu fiquei emocionada. Para conseguir fazer isso, eu escrevo a história inteira, desde o início.

- Poderia nos dar um exemplo de qual filme você acabou fazendo uma análise assim?

Hagio: O que eu mais me lembro é um filme chamado They Came to Rob Las Vegas (1968). É um filme B, mas eu acabei me emocionando muito.

- Para você, quais são as características e o poder que os mangás têm? No sentido de qual o fascínio que eles exercem como forma de expressão.

Hagio: O fascínio dos mangás está ligado à grande força que eles têm de tocar as pessoas. Com música e cinema também é assim. Você não pensa em nada enquanto está lendo um mangá. No caso dos romances, às vezes você volta a ler um trecho e fica refletindo sobre várias coisas; mas com mangás, enquanto a leitura avança, a parte dentro de você que faz reflexões não está trabalhando. Se você me perguntasse “então, que parte está trabalhando?”, eu diria que tenho a impressão que, assim como quando se ouve músicas, é a parte emocional que está trabalhando constantemente durante a leitura. Por isso o que eu acho mais chato ao ler um mangá é a parte em que há explicações as quais não têm relação com o drama. Mas nos romances, ainda que haja explicações, eu não me importo.

- Então, qual você acha que são as características do mangá shôjo?

Hagio: O mangá shôjo é mais detalhado psicologicamente quando comparado com o mangá shônen. Claro, também há mangás shônen que fazem uma descrição detalhada do psicológico, mas, relativamente, nele é mais importante que o drama tenha altos e baixos e aconteçam incidentes. Mas se a mentalidade não estiver detalhada, as meninas não leem. Por isso, mesmo autores que desenham coisas realmente comuns do cotidiano, como a mangaká Kuramochi Fusako-san, conseguem ser aceitas de forma adequada nos mangás shôjo.

- Mesmo que você só desenhe alguém indo de um lugar para o outro, se você perseguir os sentimentos de forma meticulosa, será interessante. Você entende isso quando lê um mangá shôjo de qualidade.

Hagio: Isso. Talvez eles se pareçam com um poema, com um haiku ou um waka.

- Porque é importante neles que se transmita um sentimento de forma curta e bela, não é? Muito, muito obrigada pelo longo tempo que você gastou conosco hoje.

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