domingo, 28 de agosto de 2022

Os doramas BL tailandeses estão mudando a maneira como muitas pessoas veem o romance gay (Artigo Traduzido)

A revista Time publicou uma excelente matéria sobre a ascensão dos doramas BL tailandeses e sua exportação para o mundo.  Como yaoi surgiu dentro do shoujo, antes de virar uma demografia à parte com o nome de BL, é material totalmente on topic.  Agradeçam Hagio Moto, Takemiya Keiko e outras mangá-kas japonesas profissionais e amadoras pelo cenário do BL como produto internacional.

Enfim, o artigo discute a sociedade local e a importância da representatividade positiva como uma forma de erodir preconceitos e dar visibilidade à comunidade LGBTQIA+ em um país que é socialmente conservador e conhecido por sua censura aos meios de comunicação.  O boom dentro e fora do país dos doramas BL tailandeses é associado, também, à pandemia de COVID-19.  As restrições sociais impostas fizeram com que muita gente fosse atrás de sonho, coisas agradáveis em um momento de desespero.  Outro ponto central na matéria é que o governo tailandês, conhecido por seu conservadorismo, percebeu o potencial econômico dos dorama BL e, assim como a Coreia do Sul faz, e o Japão de vez em quando tenta, decidiu promover esse tipo de seriado como um produto nacional de exportação, uma espécia de softpower.  Há dinheiro envolvido e não é pouco.

Sendo uma matéria crítica, ela discute os limites e como os doramas BL tailandeses (*e eu nunca assisti nenhum*) são adocicados e um tanto descolados da realidade da comunidade LGBTQIA+ em si, coisas que eu já li anos atrás em relação ao yuri e ao BL em matérias sobre o mesmo tema no Japão.  No entanto, o artigo é razoável ao pesar que se trata de uma negociação que permite construir na cabeça do público em geral uma imagem positiva e amigável antes inexistente.  Lembrem do efeito Amor à Vida, por exemplo, ou mesmo de Luccino e Otávio em Amor & Paixão.  Nesse sentido, as mudanças são lentas, negociadas e, nem sempre, garantidas.  Aliás, vote certo para ajudar a mudar, não a transformar o Brasil em uma versão bizarra e bem piorada de si mesmo durante o auge da Ditadura Civil-Militar (1964-1985).

Voltando, o artigo está traduzido abaixo, o link do original é este Thailand’s Boys’ Love Dramas Are Changing the Way Many People View Gay Romance.  Traduzi para deixar mais acessível para quem não domina a língua inglesa, mas se você leu e viu algum problema com minha tradução, deixe a observação nos comentários, por favor.  Tentei manter a formatação original, só juntei dois parágrafos, utilizando, inclusive as poucas imagens da própria matéria.


Os doramas BL tailandeses estão mudando a maneira como muitas pessoas veem o romance gay

Jitaraphol “Jimmy” Potiwihok e Tawinan “Sea” Anukoolprasert lideram a série Boys Love Vice Versa da GMMTV. GMMTV

De CHAD DE GUZMAN/BANGKOK  - 26 de agosto de 2022

No centro de Bangkok, uma multidão de mulheres que estava à espera grita quando os atores novatos Jitaraphol “Jimmy” Potiwihok e Tawinan “Sea” Anukoolprasert saem de um shopping center. Com sua ruborizada humildade  e aparência de ídolos de matinê, eles encantam sem esforço as funcionárias de escritório e estudantes uniformizadas.

No entanto, é a mão de Jitaraphol nas costas de Tawinan e seus olhares fugazes que provocam os aplausos mais altos. Os gestos íntimos ecoam suas interações na nova série Vice Versa - um dos muitos romances queer que são o produto cultural de exportação mais quente da Tailândia. Conhecidos localmente como programas Y e globalmente como dramas Boys’ Love (BL), os seriados estão prontos para competir com as telenovelas sul-coreanas por audiência na Ásia e além.

Alguns veem o BL como o softpower da Tailândia, fazendo pela imagem global da nação do Sudeste Asiático o que o boom do yoga fez pela Índia ou o K-pop pela Coreia do Sul. Jitaraphol disse à TIME que os doramas queer do país “podem competir com séries de outros países”.

Poowin Bunyavejchewin é pesquisador sênior do Instituto de Estudos do Leste Asiático da Universidade Thammasat em Bangkok, que fez um estudo sobre BL. Ele diz que se o gênero fosse capaz de fisgar o público estrangeiro “seria um gerador de receita de alto potencial”.

O sucesso do BL não é uma dádiva, no entanto. A Tailândia é um país socialmente conservador, principalmente budista, com uma significativa minoria muçulmana. O regime apoiado pelos militares do país – conhecido pelo uso de leis repressivas para reprimir forças politicamente progressistas – também não deve ficar entusiasmado com a crescente reputação do país como exportador de programas gays melosos.

Não é apenas o crescimento de um gênero de entretenimento que está em jogo. Thomas Baudinette, antropólogo cultural da Universidade Macquarie de Sydney, credita a BL uma “representação emancipatória, muito positivamente enquadrada e romântica do amor entre homens”.  Nesse sentido, um retrocesso para o BL é um retrocesso para a representação LGBT.

Jirakit “Mek” Tawornwong e Jiruntanin “Mark” Trairattanayon são os protagonistas da série  Boys Love Sky in Your Heart da GMMTV. GMMTV

O desenvolvimento dos dramas Boys' Love

BL tem seu início no Japão dos anos 1970, quando as mulheres criaram mangás homoeróticos chamados yaoi para outras mulheres. Alguns yaoi tornaram-se comercialmente bem sucedidos e foram transformados em anime. Na década de 1990, as editoras estavam produzindo yaoi para um mercado de massa. Com o advento da internet, yaoi cruzou fronteiras.

Os primeiros doramas BL tailandeses foram feitos em 2014, mas o gênero não começou a decolar até que a pandemia do COVID-19 manteve muitas pessoas em casa, grudadas em seus dispositivos, procurando novos conteúdos no streaming. As histórias escapistas dos BL e os atores vagamente andróginos foram um sucesso instantâneo com o público que procurava bloquear uma nova realidade deprimente de lockdowns, máscaras obrigstórias, medidas de distanciamento social e quarentena.

Rom-com universitário  2gether, que foi ao ar pela primeira vez em 2020, foi o show que deu o grande destaque ao BL, acumulando pelo menos 100 milhões de visualizações na extinta plataforma de streaming tailandesa LINE TV. Encontrou fãs em países socialmente conservadores, como China e Indonésia, e em lugares tão distantes quanto a América Latina. O sucesso de 2gether levou produtores da Coreia do Sul, Filipinas e Vietnã a tentarem o gênero.

Em junho de 2021, o ramo de promoção de investimentos da Tailândia ajudou a garantir 360 milhões de baht (10,7 milhões de dólares) em investimentos estrangeiros para o Thai BL. Isso pode ser uma quantia modesta para os padrões de Hollywood, mas representa a nova mentalidade orientada para a exportação da BL. A GMMTV, produtora responsável por Vice Versa, já fez acordos com a TV Asahi do Japão e a emissora filipina ABS-CBN.  “Eles deixaram de ser uma empresa com foco doméstico para uma que reconhece que seu produto tem conexões com um mercado global”, diz Baudinette.

Pirapat “Earth” Watthanatseri e Sahaphap “Mix” Wongratch estrelam o drama Boys Love da GMMTV Cupid’s Last Wish. GMMTV

Boys’ Love e conservadorismo social

Mas surtos de “histeria moral” podem comprometer a chance do BL florescer globalmente, adverte Poowin. Quando o governo tailandês se gabou de seus esforços para divulgar BL para produtores estrangeiros, minimizou o amor entre pessoas do mesmo sexo e, em vez disso, falou timidamente sobre as “tramas interessantes e únicas e atores talentosos” de BL.

Em face disso, a Tailândia é LGBT friendly. Ele tomou medidas para se tornar o primeiro país da região a legalizar as uniões do mesmo sexo e seu setor de turismo recebe o pink dollar.

Os defensores do casamento entre pessoas do mesmo sexo ainda têm muitos obstáculos a superar, no entanto. Quando o ativista pela igualdade no casamento Tattep Ruangprapaikitseree beijou seu namorado nos degraus do parlamento em dezembro de 2019, isso provocou uma enorme reação homofóbica. A tolerância social à comunidade LGBT “tem limites significativos” de acordo com um relatório de 2021 da Human Rights Watch.

Enquanto Poowin descarta como “mitos” a noção da Tailândia como uma sociedade budista piedosa, não pode haver dúvida sobre o conservadorismo social e político profundamente enraizado do país. As leis de transmissão proíbem programas que minam a “boa moral”, e os censores de TV tailandeses são famosos por desfocar qualquer coisa, desde consumo de álcool e tabagismo até decotes e mesmo sacolas plásticas descartáveis. Os cortes parecem ser feitos arbitrariamente. A cultura do estupro e a violência são um marco nos dramas tailandeses, mas cenas de duas mulheres se beijando foram excluídas de um programa antes de ir ao ar em fevereiro de 2021.

De acordo com Poowin, ser gay vai contra a versão de identidade nacional defendida pelo governo tailandês, mas o potencial de BL como fonte de receita significa que está sendo tolerado – por enquanto. “Dados os costumes sociais identificados positivamente como parte do ser tailandês, o governo tem monitorado as séries [BL], garantindo que elas não ultrapassem a linha vermelha”, diz ele.

Os produtores de BL também têm o cuidado de não abusar da sorte. Os críticos do BL dentro da comunidade queer tailandesa dizem que o gênero apresenta uma versão suavizada do que significa ser gay e não reflete a discriminação sistêmica enfrentada pelas pessoas LGBT no reino.

Em resposta, o diretor doe Vice Versa, Nuttapong “X” Mongkolsawas, diz que o programa tocou no tema da desigualdade no casamento e está preparado para lidar com outras questões LGBT “se houver uma maneira que consideremos apropriada, no momento certo. hora e lugar certo na série.” Outras séries BL não se esquivaram de discutir questões sociais como corrupção, drogas e protestos políticos.

Nuttapong acredita que o gênero tem uma chance real de mudar a cultura, tornando-se mainstream. Através do BL, ele diz, os espectadores socialmente conservadores “podem descobrir que realmente há mais amores como esses na sociedade moderna, e que não é anormal, e que não há nada de errado nisso, e que não é mais considerado tabu”.

Ou seja, é justamente por meio de seu apelo comercial que o BL pode aumentar a visibilidade LGBT em locais antes desprovidos de representação queer.  “Sim, é sobre dinheiro”, diz Baudinette à TIME, “mas isso nem sempre significa necessariamente que é uma coisa ruim”.

5 pessoas comentaram:

Tailândia... me lembro desse país por de filmes de artes marciais... de video-games... (street fighter, the king of the fighters etc. )

Obrigada pela postagem, o artigo da Time é muito bom. Porém, acho que ele caí um pouco no velho preconceito contra BL, como se todas as obras fossem iguais, escapistas e esvaziadas de conteúdo político. Assim como o BL japonês é vasto nos mangás, o BL tailandês já está estabelecido, praticamente estreia um novo dorama BL toda semana. Não é possível jogar tudo na mesma caixinha e generalizar todas as obras. De resto, concordo com você que mesmo uma obra escapista pode ter uma repercussão muito positiva na sociedade.

https://pt.wikipedia.org/wiki/Golpe_de_Estado_na_Tail%C3%A2ndia_em_2014
A Tailândia teve golpe em 2014.... curiosamente no cinquentenário do golpe brasileiro.
O rei foi mantido como símbolo do estado.
O golpe na Tailândia foi similar ao golpe de Mussolini... pq a Itália era monarquia.. E o rei foi mantido como símbolo estatal.

Muito bacana! Outra coisa é que os doramas tailandeses também dão ao seu público a imagem certa do país, já que há muito tempo, as pessoas pensam que a Tailândia é só pobreza e drogas. Tais doramas mostram o lado rico do país como ele ter um povo diversificado em raças. A Rússia é um dos poucos países que tem a imagem certa do Brasil, justamente porque as nossas novelas são um estouro no país e eles aprenderam a ver o Brasil como ele é de fato. Por outro lado, quantos países pensam que o Brasil só tem favelas, floresta e até que o povo anda pelado nas ruas. Um produto de sucesso, altera toda a visão que as pessoas tem de um lugar.

Muito obrigada pela tradução, texto muito interessante ✨✨

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