Sexta-feira passada, duas mulheres, uma professora e outra psicóloga, foram mortas por um colega no campus do Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca (Cefet), no Maracanã, na Zona Norte do Rio de Janeiro. Eu não tive estômago para fazer um post, nem postar nada, salvo notícias no Facebook. O meu mal-estar foi agravado por estarmos em plena campanha de Erradicação da Violência contra as Mulheres. Fiz post no dia 25, início da campanha; ela termina no dia 10 de dezembro. Só entre o dia 27 de novembro e 1 de dezembro, contabilizei os casos de feminicídio e tentativas que deixaram mulheres mutiladas, traumatizadas, não raro envolvendo crianças, também. Eu estou com raiva só de ter que escrever sobre esse tema, mas não posso deixar de registrar como esses últimos dias parecem particularmente violentos para as mulheres, por serem mulheres.
Allane Pedrotti, uma das vítimas, era chefe da equipe pedagógica e acadêmica da Direção de Ensino do Cefet-RJ na Divisão de Acompanhamento e Desenvolvimento de Ensino, atuando com assessoria pedagógica e acadêmica ao Ensino Superior e à EPTNM dos 8 campi do Estado do RJ. Tinha um extenso currículo e ainda era cantora e musicista. Segundo consta, o assassino, João Antônio Miranda Tello Ramos, era funcionário de carreira do CEFET e não aceitava ser chefiado por mulheres, sendo particularmente hostil com elas. Era esse o ponto de origem do conflito. Ele foi transferido para outra unidade, arrumou problema por lá, pegou uma licença por motivos psiquiátricos, entrou na Justiça, conseguiu laudo atestando sanidade e foi retornado para a unidade do Maracanã.
Em uma das matérias que li, um amigo de Allane, que tinha uma filha de 13 anos (*a minha tem 12*), professor de Geografia no CEFET, disse que a professora ficou em trabalho remoto por um tempo para não ter que conviver com o assassino, porque tinha medo dele. Uma funcionária, que pediu para não ser identificada, disse ao jornal O Dia que era alvo da perseguição do criminoso e que a direção pouco ou nada fez para resolver o problema, mesmo recebendo inúmeras reclamações:
"Eu encaminhei algumas denúncias para os gestores, direção-geral e para o Ministério da Justiça avisando sobre situações de possíveis atiradores na escola. O Ministério da Justiça chegou a me ligar, mas não houve continuidade para consolidar estratégias de prevenção, tanto no Cefet quanto em outras escolas (...) "Eu evitava ficar no meu computador. Ele já tinha esse plano e podia entrar ali a qualquer momento. Ontem era para eu ficar até 17h, mas consegui sair meia hora antes do que aconteceu. Eu e outra colega também éramos alvos diretos dele" (...) "Há cerca de quatro anos, a servidora vivenciou a primeira situação de alerta. "Eu estava sozinha na sala e ele entrou contando que o irmão dele se matou com um tiro na cabeça e que ele iria fazer o mesmo. Nesse dia, eu gelei. E o meu temor era esse. Temos pessoas com o mesmo perfil se encaminhando para fazer a mesma coisa. A escola deveria ter levado a sério as denúncias que foram feitas e passado a agir", alertou."
A irmã de Allane reforça essa versão, isto é, se a coisa tivesse sido levada a sério, Allane e Layse, a outra vítima, poderiam estar vivas. A funcionária diz que evitava ficar sozinha com o criminoso ou de costas para a porta e que ele já havia falado em se matar. Ela e uma colega, que também era perseguida por ele, saíram mais cedo no dia dos assassinatos. Sobre a situação, uma amiga de Allane questionou nas redes sociais: "(...) o retorno de João Antônio ao trabalho na unidade. Ele estava afastado havia 60 dias por acusar uma colega de perseguição — um processo administrativo foi aberto e concluiu que a situação não existia. “Por que ele voltou ao trabalho? Onde está o nome do psiquiatra que deu o laudo para ele voltar ao trabalho?”."
Layse Costa Pinheiro, a outra vítima do colega misógino, era psicóloga e servidora pública federal no Cefet-RJ desde 2017, atuando na área de psicologia escolar. Vi gente dizendo que ela tinha feito o laudo que resultou no afastamento do assassino, mas não encontrei nada em matéria nenhuma. João Antônio Miranda Tello Ramos, um sujeito com problemas psiquiátricos, era CAC. Quem foi que flexibilizou a legislação mesmo? Um? Quem foi? Podem colocar parte dessa fatura na conta de Bolsonaro. Era CAC para se defender de quem? Era CAC para matar mulheres. E mais, misoginia não é transtorno mental. A doença pode ter potencializado a misoginia do sujeito, mas é somente isso.
Aliás, é ridículo alguém que tem problemas com mulheres em posição de chefia escolher cursar ou se especializar em pedagogia e ir trabalhar em uma instituição de ensino. Em 2017, último ano em que encontrei dados, 92,5% dos matriculados em pedagogia no Brasil são mulheres. Quem trabalha em uma escola corre um risco enorme de ser liderado por mulheres. Talvez o assassino imaginasse que, sendo homem, ele teria o direito natural de ser o chefe. Repito, misoginia não é transtorno mental. Uma atualização importante, o Cremerj abriu investigação sobre laudo que autorizou retorno de servidor, mesmo com muitas evidências de que ele não tivesse condições de conviver com as colegas.
Mas as notícias de violência contra mulheres de todas as idades, classes sociais, regiões do país se multiplicaram nos últimos dias. O algoritmo vai me jogar esse tipo de coisa na cara, afinal, eu fico mais que monitorando essas desgraças, mas pareceu demais até para mim. E o nível de violência de alguns casos foi extremo. Segue uma cronologia:
- 27/11 - Raquel de Oliveira Lima, de 26 anos, foi morta a facadas pelo ex-namorado, João Carlos Rodrigues de Lima, na frente do filho de seis anos, em Itararé (SP). Motivo? Ela não aceitou casar com ele. Depois de matar a jovem no meio da rua, ele fotografou o corpo e enviou os registros para o grupo da igreja que ela frequentava.
- 29/11 - Thiago Schoba, conhecido na internet como ‘Calvo do Campari’, coach de masculinidade, foi preso em Salto, no interior de SP, por violência doméstica e lesão corporal contra a namorada Lais Gamarra, de 30 anos. Eles mantinham um relacionamento há três meses somente. Depois do exame de corpo e delito, foi determinado que Laís tinha onze lesões. Ela gravou parte das agressões queforam motivadas pelo fato da mulher negar-se a fazer sexo anal com o sujeito, o que configuraria tentativa de estupro. O Calvo do Campari ganha dinheiro ensinando homens a dominarem mulheres, disseminar ódio contra nós todas é sua profissão. Esse mercado, aliás, é muito lucrativo, e fiz um post no ano passado, nesta mesma época, comentando uma pesquisa da UFRJ. O Calvo da Campari passou por audiência de custódia e foi solto com pífias medidas protetivas. E há um detalhe a mais, ele já ameaçou duas mulheres ("de processo ou bala"), quando se tornou famoso e recebeu o apelido que tem. Os processos foram arquivados. Ao que parece, ele vai continuar por aí dando lições de misoginia e exercitando sua violência contra mulheres impunemente. Vai precisar matar ou mutilar alguém para ser contido?
- 29/11 - Douglas Alves da Silva, de 26 anos, arrastou Tainara Souza Santos, uma ex-ficante ou ex-namorada, de 31 anos. A mulher, que tem dois filhos, foi arrastada por mais de um quilômetro pela Marginal do Rio Tiête. Testemunhas relatam que ele a atropelou de propósito. Ela perdeu as duas pernas na altura dos joelhos e teve que receber transfusão de sangue. Ainda corre risco de morrer. O sujeito resistiu à prisão e mentiu dizendo que não conhecia a vítima, acrescentando depois que só queria dar um susto nela, sem intenção de causar maior dano. Foi uma brincaderinha somente. Segundo as amigas, Tainara ama dançar, o que torna tudo ainda mais triste.
- 29/11 - Jane Oliveira, 47 anos, foi assassinada a facadas e teve o corpo deixado em uma construção abandonada pelo ex-companheiro em Valparaíso de Goiás, no Entorno do Distrito Federal. Ela deixou quatro filhos. Wesley Santos, de 36 anos, utilizava tornozeleira eletrônica e tentou fugir após o crime, mas acabou preso.
- 29/11 - Isabely Gomes de Macedo, 40 anos, e os filhos, Aline, 7, Adriel, 4, Aguinaldo, 3, e Ariel, 1, morreram em um incêndio, em Recife. Segundo vizinhos, mãe e filhos eram vítimas de violência por parte do suspeito de causar o incêndio, marido e pai das vítimas.
- 30/12 - Adriano Vieira Alves foi preso em flagrante após agredir violentamente a própria esposa dentro de casa e tentar matá-la com uma faca. Ele passara horas bebendo antes de agredir a esposa. Só não a matou, porque o filho de 5 anos se colocou na frente e pediu pela vida da mãe, que já havia tomado pelo menos uma facada. O caso ocorreu em Florianópolis.
- 01/12 - Evelin de Souza Saraiva, de 38 anos, foi atacada pelo ex-marido que atirou contra ela com duas armas na pastelaria onde trabalhava em São Paulo. O suspeito é Bruno Lopes Barreto, que fugiu do local. A vítima foi levada de helicóptero para o hospital e está internada.



















































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