quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Comentando De Pernas para o Ar




Ontem assisti o filme De Pernas para o Ar e aí vai a primeira resenha de cinema do ano. Desde a primeira vez em que vi o trailer, achei que poderia ser uma boa pedida, e foi mesmo. Havia o risco, já que era uma comédia encabeçada por Ingrid Guimarães e Maria Paula, que se tornasse um encadeado de enquetes cômicas, mas o filme acabou mostrando um roteiro coeso, além de construir bem as personagens. Foi fraco em um ponto que me incomodou muito, mas falo disso no decorrer do texto. Afinal, me fazer chorar de rir é coisa rara, e este filme conseguiu.

O filme conta a história de Alice, uma workaholic que não tem tempo para o marido, nem para o filho único. Num belo dia, depois de receber uma proposta de promoção no trabalho, ela seria gerente de marketing de uma indústria de brinquedos. Ao chegar em casa e descobre que seu marido saiu de casa e só deixou um recado na secretária eletrônica pedindo “um tempo”. Levada pela mãe a acreditar que seu marido a está traindo, Alice comete uma série de erros e termina perdendo o emprego. De volta para casa, ela destrata uma vizinha, Marcela, ao descobrir que ela é uma “profissional do sexo”. Marcela diz umas verdades para Alice, que acaba tomando consciência do quanto é infeliz e egoísta. A partir daí, Alice e Marcela acabam montando uma parceria e a workaholic acaba aprendendo a dar mais valor às coisas boas da vida. E, de quebra, Alice acaba arrumando “outro emprego” ao se tornar sócia de Marcela em sua sex shop.

De Pernas para o Ar é um filme – uma comediota – como tantos que você já viu no cinema americano. Ele tem uma mulher – poderia ser um homem, também – que não valoriza a família, que vive para o trabalho, que é fria e competitiva e que, de repente, tem seu mundo virado “de pernas para o ar”. A diferença é que é um filme nacional, então ouvimos a nossa língua, vemos as paisagens brasileiras, e, claro, a qualidade das atrizes que levam o filme nas costas é acima da média.

Ingrid Guimarães é uma comediante e atriz excepcional, é a alma do filme, o motor que faz tudo funcionar. Já Maria Paula é uma excelente coadjuvante apoiando, completando, com aquele seu jeito meio arrastado de falar, mas sem roubar a cena da protagonista. A atriz que faz a mãe ninfomaníaca de Ingrid Guimarães estava também excelente, mostrando toda a vitalidade da 3ª idade. E Cristina Pereira, que andava desaparecida, como a empregada, tem algumas falas e cenas ótimas. O menino que faz o filho de Ingrid, também é uma graça e conseguiu se sair muito bem nas suas cenas, especialmente naquelas onde mostrava o amor pela mãe.

O filme fala de sexo o tempo inteiro, mostra o quanto o prazer ainda hoje é um estranho na vida de muitas mulheres e que um pouco de ajuda, às vezes, pode vir bem a calhar. Alice é ajudada por Marcela, passa a se amar mais, se sentir leve e feliz e passa a ajudar outras mulheres. Mas, como é uma empreendedora, no melhor sentido capitalista do termo, ela também vai ganhar dinheiro com isso. Muito dinheiro e conseguir alcançar o seu sonho que é ir parar na capa de uma revista importante de negócios. De quebra, ela também fatura o prêmio principal de uma das mais importantes premiações na área empresarial. Dito isso, a parte profissional e pessoal de Alice só melhoram quando ela passa a trabalhar no sex shop.

Essa parte do trabalho é que rende as melhores piadas do filme, como aquela em que as pessoas ligam para se informar dos produtos, ou quando Ingrid Guimarães está testando a calcinha-vibradora acionada por música e tem que correr para a final do jogo de futebol de seu filho de oito anos. Bem, como o menino agradecido diz, apesar de terem perdido o jogo, ele ficou feliz em ver que a mãe era a torcedora “mais empolgada” da torcida. :) Também temos a aproximação entre mãe e filha, a superação da crise, e a mãe reconhecendo o quanto sua filha é uma excelente profissional, e a filha agradecendo à mãe por ter investido, acreditado nela e dado o exemplo. E tudo isso com muito humor, afinal, a mãe vai trabalhar com a filha na sex shop. Também é ótimo o suspense em relação à Raul, o amor da vida de Marcela, que, apesar se ser voluptuosa e estar sempre bem acompanhada (*por amigos gays*), se mantém em abstinência sexual há dois anos. É uma surpresa, então, não vou dar o spoiler.

A parte fraca do filme é a relação conjugal de Alice. Não a questão da necessidade que ela tem de ouvir, de ser atenciosa com o marido e o filho. Isso, a personagem busca fazer, e nós observamos sua evolução ao longo do filme. O problema está no marido, que não faz em nenhum momento a autocrítica, porque ele também não está disposto a ouvir, a mudar de comportamento e culpa Alice pelo fracasso. O problema é que o filme não se esforça em desmontar isso, o filme não se coloca. Alice sente culpa e quase, por muito pouco, não estragaram o final.

Bem, acho que qualquer um que tenha assistido comediotas americanas sabe como o filme termina. A mocinha é obrigada a decidir o que á mais importante, profissão ou o amor de um homem (*o amor do filho ela já tem e o menino se orgulha dela*). Ela escolhe, claro, o amor... larga a premiação, pega o carro, e vai atrás do marido e do filho que planejam sair velejando por alguns dias. Só que, enquanto o marido de Alice parece ter ciúme do trabalho dela, dela considerar seu sucesso profissional algo fundamental na sua vida, um antigo colega de trabalho, também premiado no evento empresarial, tem todo o apoio de sua família, que está lá assistindo e aplaudindo. A mensagem machista é clara, afinal, “é natural” que um homem se dedique de corpo e alma à sua profissão. Ele merece todo o apoio da esposa e dos filhos, ele está cumprindo a sua função social... uma mulher que faz isso é uma aberração.

Só que aí vem a subversão, que não é tão subversiva ainda. Alice larga tudo, vaia trás do marido, atira seu iPhone ao mar para mostrar o quanto o sujeito e o filho são mais importantes que sua profissão... no entanto, na calada da noite, Alice vai para o convés e usa seu celular sobressalente (*ela tem três aparelhos*) para combinar tudo com a sócia. Bem, é como se a profissão de Alice, que é esperta e engana seu marido e filho, tivesse um amante, que lhe dá muito prazer e do qual ela não pode abrir mão (*e o marido não suporta a idéia da esposa ter se tornado uma “profisisonal do sexo”*)... o filme poderia terminar de forma diferente. Eu esperava mais.

De Pernas para o Ar merece ser assistido e, pelo jeito, vai muito bem nas bilheterias. É um ótimo filme nacional, uma comédia que se sustenta sobre um roteiro simples, mas muito bem amarrado. As interpretações são convincentes. Ainda que trabalhando com a classe B, ele ostra bem a pressão que as mulheres sofrem para que escolham entre profissão e família, para que assumam como unicamente sua a responsabilidade pelos filhos e sua satisfação. O machismo do final, a parte sobre o marido, poderia ser dispensado, mas está acima da média. E não deixe de ver os créditos, porque há várias cenas extras que foram deletadas. E, sim, o filme cumpre toda a Bechdel Rule, pois tem as mulheres co o protagonistas, pelo menos seis delas tem nome, e conversam sobre várias coisas, especialmente trabalho.

Só para completar, vi o filme no cinema da minha cidade. Não conhecia as salas de cinema depois da reforma e realmente me surpreendi positivamente. As salas são modernas, espaçosas, a tela é grande, tudo muito limpo, com a possibilidade de comprar o ingresso direto em uma máquina usando o débito. Os cinemas que freqüento em Brasília são tão bons assim. Pena que agora os cinemas da Baixada só passem material dublado. Devo voltar para ver Enrolados, mas qualquer outro filme terei que ver fora de lá.

7 pessoas comentaram:

Ah, "De Pernas pro Ar" foi uma boa surpresa pra mim, porque eu não esperava muito do filme. Pensei que fosse um humor tipo "Zorra Total", beeeem típico de filmes de humor brasileiro anteriores, com direito a humilhação de gays, mulheres, pobres etc mas não foi - apesar de ter degsostado da moça ter dito "viado", mas o fato de ter mostrado um casal gay e lésbico sem um sentido pejorativo já fico satisfeito. Eu gostei muito do filme, o vi duas vezes já! Só não o comentei no blog por preguiça...
Mas concordo em parte com você sobre o final do filme. Tudo bem, a mensagem não evolui muito daquilo sobre a mulher sempre estar se sacrificando mais quando escolhe viver de trabalho, e que sempre pesa mais pra ela, e mulheres em geral, do que para os homens, como o antigo colega de trabalho dela, por exemplo. Mas convenhamos que o final poderia ser pior, se ela desistisse dos negócios de vez, por exemplo. O final acho que trata mais sobre o fato que na vida às vezes a gente faz essas escolhas, e o marido e filho pareciam que estavam mais "compreensivos" com o fato da mãe ser workaholic já que ela parecia estar sabendo administrar melhor o tempo entre o trabalho e a família. Mas realmente, o fato que o marido dela também não foi muito legal me incomodou. Por mais que ela trabalhasse em algo tão "humilhante" eu achei chato que ele não demonstrou nem um pouquinho de apoio já que ela estava tentando administrar melhor o tempo e atenção.
Mas o filme é bom de qualquer jeito. Uma surpresa notar que os roteiros dos filmes brasileiros estejam melhorando, esse sempre foi o calcanhar de aquiles. Tudo bem que se percebe que o filme segue a cartilha de comédias americanas, e isso o torna até previsível (mas não foi tanto, já que ela tinha mais dois celulares XD), mas não acho isso ruim. Só espero que o cinema brasileiro aprenda mesmo que um bom roteiro é fundamental e que comece a ser mais criativo, sem seguir tanto a cartilha de blockbusters hollywoodianos.

Olá Valéria!
Sou leitora do blog há um tempo mas, confesso, às vezes tenho preguiça de comentar...rs.

Queria dizer que adoro suas resenhas...é ótimo ter diferentes pontos de vista sobre as coisas.

Eu quero muito ver Enrolados, mas a dublagem com o Luciano Huck me decepcionou muito, espero encontrar um legengado.

Beijos!

Sabe, Diego, eu nem acho que o problema dos filmes nacionais era o roteiro. A edição, os cortes rápidos de cena, o ritmo, isso, sim, era o problema. Com Central do Brasil (*e algumas pequenas pérolas*), a coisa começou a engrenar, Cidade de Deus e Tropa deram a qualidade final. Nesse aspecto, o cinema nacional melhorou 100%.

Eu esqueci de falar da inclusão, dos casais gays aparecendo de forma natural. Da mesma forma que deixei de falar do medo do homem-heterossexual em ser penetrado... Sabe a tal tara por sexo anal desde que seja no ** dos outros? mas o marido da Alice não parecia ser lá muito imaginativo quando o assunto era sexo.

Quanto ao uso do temro viado, sei lá, na boca da Alice me apreceu mais coisa de quem chegou em outro mundo e não sabe ainda como se comportar. Achei mais complicado o uso de ecstasy sem nenhuma crítica. Ficou parecendo algo como use drogas, pague mico, mas se libere.

Não faça isso Valéria! Não veja Enrolados dublado!! O "príncipe" é dublado pelo Luciano Huck! Agora imagina um ator ruím, com sotaque paulista fortíssimo (nada contra os paulistas, mas seria estranho também se ele tivesse sotaque nordestino ou sulista) e voz de quem está constirpado. Agora piore 3 vezes e terá o Luciano Huck dublador! Cuitado, amiga! XD

Tabby, a história do sotaque não conta. Qualquer dublador, ainda mais os que temos hoje, tem sotaque, principalmente, paulistanês e carioquês. Eu odiei a dublagem de Utena, o filme, com o cara que dublou o Saionji falando como se fosse rato de praia da Zona Sul do Rio. A duas questões em relação à enrolados são as seguintes:

1. A ditadura da dublagem: Por que todas as salas exibirão o filme dublado? Por que todo mundo que quiser assistir no cinema terá que assistir dublado. Pelo que vi, não há mais salas legendadas para material Disney.

2. Dublagem é trabalho de dublador, ou deveria ser. Como a Disney abre mão para que suas estrelinhas possam dublar os desennhos do Estúdio? Por outro lado, atores são atores e acho que não existe (*alguém me corrija se eu estiver errada*) impedimento algum para esse tipo de manobra.

Destestei as escolhas, mas, a meu ver, a raiz do problema é a ditadura da dublagem. Mas, quando eu falo nisso, muita gente acha que eu estou exagerando.

Eu leio seu blog faz tempo (e acho que cheguei a comentar aqui algumas vezes) adoro suas resenhas, já assisti vários filmes que você indicou aqui e não me decepcionei (: Mas como não vi "De Pernas pro Ar" ainda, venho comentar sobre o lance da dublagem de enrolados.

O dublador brasileiro "original",que foi quem gravou as músicas, seria o Raphael Rossato. Descobri isso numa comunidade do orkut e foi confirmado quando vi os nomes dos dubladores no CD. Aliás, as músicas em português ficaram maravilhosas, todos cantavam muito bem. Pelo que o próprio dublador disse no orkut, já estava tudo certo para ele dublar o Flynn no filme, mas por puro marketing, resolveram chamar um famoso para dublar o filme.

Não digo que foi o forte sotaque paulista que atrapalhou, mas principalmente o fato do Huck não ser ator. Algumas falas pareciam soltas, por que ele não conseguia colocar a intonação adequada na voz, era como se ele estivesse lendo um livro infantil para crianças, o que é uma pena, por que as dubladoras da Rapunzel e da Mother Gothel arrasaram, aí o Huck aparecia e estragava tudo. :/

Muito legal sua crítica Valéria! O trailer desse filme não me chamava nem um pouco a atenção... A coisa mudou numa entrevista da Ingrid Guimarães (que eu adoro) no RJTV e agora o seu texto sobre o filme. Se der ($), eu vejo.

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