domingo, 27 de março de 2011

Comentando VIPs, o Momento "Cisne Negro" de Wagner Moura



Ontem saí de casa para ir ao Fest Comix Brasília e acabei, depois de uma grande decepção com a pobreza do evento, entrando na sessão de 17h30 de VIPs, novo filme do Wagner Moura. Bem, as únicas coisas que eu sabia sobre o filme era que Moura fazia o protagonista, e que a personagem principal tinha um talento enorme para imitar pessoas e que terminou usando isso para o crime. Chegado ao final do filme, constatei que VIPs é o momento “Cisne Negro” de Wagner Moura no cinema, tanto por ele aparecer em quase 100% das cenas, como Natalie Portman, quanto por apresentar aquela dificuldade enorme de separar realidade de delírio... e, o melhor de tudo, eu não consegui separar as coisas ou desconfiar da grande virada do final da trama, que foi omitir nesse texto para não estragar a surpresa de vocês, mas, quem quiser saber, eu falo nos comentários. Se entrei por entrar no cinema, saí plenamente satisfeita com mais um filme nacional que recebe no mínimo uma nota 8 e meio.

Em VIPs, Wagner Moura é Marcelo. O filme começa com o garoto no fim da adolescência, morando com a mãe cabeleireira, e sonhando em ser piloto de aviões. O pai-piloto aparece volta e meia nas lembranças e na vida do rapaz, estimulando-o a buscar o seu próprio caminho no mundo. Há, também, a fixação de ambos os genitores de que Marcelo seja alguém na vida. Isso é pressão o bastante sobre qualquer adolescente. Marcelo tem um talento especial que é imitar as pessoas, trejeitos, voz, enfim, tudo. Ele se transforma. Um belo dia, depois de uma conversa com o pai, ele pega a mochila e sai em busca do seu destino. Sai do Rio, de ônibus (*em um de seus primeiros golpes*) e carona, vai parar em um aeroclube no Mato Grosso, aprende a pilotar, vira piloto do tráfico, é preso, é solto, volta para a casa da mãe. No Carnaval, por pura diversão, pega os dólares que ganhou, aluga um helicóptero, contrata dois seguranças e vai para o Recife, onde decide fingir que é o filho do dono da Gol. O golpe dura até que, inadvertidamente, ele dá uma entrevista ao vivo para o Amauri Jr. E as coisas não terminam bem...

Acha que isso é o spoiler? Não é, não, afinal, o tal Marcelo existiu e aplicou o golpe em 2001. Está preso até hoje e sobre ele escreveram um livro (Vips - Histórias Reais de um Mentiroso), fizeram um documentário, e o cara ainda está processando a direção do filme por tentar dizer que a película é somente “levemente” inspirada em casos reais, de que se trata de uma pura obra de ficção. ^_^ A parte “Cisne Negro” da história, sem dúvida, afinal, o Marcelo do filme é um doente, mas só descobrimos isso, só confirmamos isso, pertinho do fim. Agora, só me pergunto porquê o mandam para a penitenciária comum, porque ele deveria ir para o manicômio judiciário. E esse também não é o grande spoiler, há algo fundamental na virada que ficará de fora.

Uma dos aspectos que aproximam VIPs de Cisne Negro é a relação doentia que Marcelo mantém com os pais. O pai, que o chama de kouhai e se comporta como o Sr. Miyagi ou Mestre Yoda ou como o Mestre dos Magos, que nunca dão conselhos diretos e claros. E, exatamente por não dar conselhos diretos, Marcelo acaba fazendo escolhas erradas... Mas não há como ter certeza, claro, já que a mente da protagonista não funciona bem. A mãe, da mesma forma, quer o filho somente para si, tentando apagar a lembrança do pai, mente para os vizinhos que seu filho é brilhante (*e ele é, de fato*), mas em casa o pressiona dizendo que não deseja que ele seja “ninguém”, insinuando que o rapaz é uma decepção a quase todo o momento. Enfim, nesse contexto, o surto é inevitável. Fora a dúvida que me causou: Marcelo é apaixonado pela própria mãe? E aquele monte de fotos...

Apesar do filme ser do Wagner Moura, há excelentes interpretações, como a da mãe da protagonista, feita pela atriz Gisele Fróes, premiada no Festival do Rio pelo papel, o do traficante que voa com Marcelo para o Paraguai (*na, talvez, cena mais engraçada do filme*), ou o chefe, um velhinho mafioso “sábio”, que diz odiar armas mas tem um monte delas na parede. E há pequenas participações que vão facilitar as (*inevitáveis*) montagens feitas com cenas de VIPs e Tropa de Elite (*1 ou 2*), como a de Milhem Cortaz, o Capitão/Coronel Fábio. Para vocês terem uma idéia, a última cena é Marcelo, preso em Bangu 3 durante uma revolta, negociando com o Comandante do BOPE por um buraco... Mole, mole de colocarem Moura dialogando com Moura. :)

E, agora, é falar de Wagner Moura, a alma do filme. Ele arrasa, leva VIPs nas costas mudando de adolescente perdido e, depois, empolgado com a possibilidade de se tornar piloto (*“Quantas horas de vôo você tem?”, pergunta o traficante já em pânico. “Contando com os 15 minutos que eu demorei para decolar... Mais 45 minutos de vôo até agora... Acabei de completar minha primeira hora!”, comemora Marcelo.*), passando pela experiência como piloto do tráfico, fazendo um espetacular cover de Renato Russo, e, por fim, o filho de Nenê Constantino, dono da Gol. Salvo a caracterização física de Moura, problema da maquiagem, não dele, como adolescente, que não colou, ele é perfeito o filme inteiro. E no surto, já no finalzinho, ele se supera. Cisne Negro total. ^_^ A diferença é o humor presente ao longo de quase todo o filme.

Ah, sim, além dos aviões, Marcelo tem fixação por cultura japonesa. Mas não vi imagem estilo mangá em seu quarto... Talvez exista alguma. Quanto à Bechdel Rule, o filme não se qualifica. Há pelo menos duas personagens femininas com nome, mas elas não conversam entre si e, bem, o assunto principal é sempre o mesmo: Marcelo. Ou qualquer nome que ele tenha. A direção, a trilha sonora, tudo funciona bem no filme. A narrativa, algo que era o ponto fraco do cinema brasileiro, na minha opinião, parece estar plenamente dominada. As cenas fluem, não há lacunas ou falhas visíveis, tudo vai sendo narrado e encaixado sem deixar nada a dever para um filme estrangeiro.

Se você tiver a chance de assistir VIPs, aproveite. É mais um filme brasileiro de qualidade, que merece ser assistido, e que não tem cara de produto para a TV. É cinema e se qualificaria, talvez, como possível candidato brasileiro ao Oscar. Wagner Moura precisa ampliar a sua fama – que já existe, ele vai filmar no exterior este ano – mostrando que ele é muito mais que o espetacular Capitão Nascimento. E se fosse o Capitão Nascimento a interrogar o Carrera, ele falava... :)

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