terça-feira, 31 de outubro de 2017

Novelando: Comentando os TRINTA primeiros capítulos de Tempo de Amar


Estive a ponto de desistir, mas consegui colocar em dia todos os capítulos da novela das seis da Globo, Tempo de Amar, de  Alcides Nogueira e Bia Corrêa do Lago, que é tão cheia de drama e sofrimento, que há quem chame de Tempo de Sofrer.  Sempre fiz resenhas de capítulos iniciais e a novela já vai no trigésimo, só que atrasei 10 capítulos, fiz uma quase maratona para alcançar o ponto em que todo mundo está, porque teria que falar de pelo menos duas questões importantes.  Daí, não houve jeito, era desistir de escrever, ou forçar a barra.  Vou tentar fazer um resumão:

A história começa na fictícia Morros Verdes, em Portugal, e (*aparentemente*) conta a história de amor de Maria Vitória (Vitória Strada) e Inácio (Bruno Cabrerizo). Maria Vitória acredita ser orfã de mãe e foi criada pelo pai, José Augusto (Tony Ramos) e pela criada de confiança, Delfina (Letícia Sabatella), que tem uma filha, Teresa. Durante a procissão religiosa da Semana Santa, conhece Inácio, um rapaz simples, que mora no vilarejo vizinho, e vive de trabalhos temporários. Eles começam a namorar, só que a moça está prometida em casamento ao médico Fernão (Jayme Matarazzo), um rapaz mimado e de boa família, mas o casal se separa após Inácio conseguir emprego no Rio de Janeiro. Ela descobre-se grávida e termina enviada para o pai para um convento, onde terá a criança, que, por ordem dele, deve ser entregue para adoção.  Parte do aprofundamento do desentendimento com o pai foi provocado por Delfina, que é amante do patrão e deseja que sua filha, Teresa, seja reconhecida como legítima e herde todas as propriedades.

Esse triângulo nem conseguiu se desenhar.  Foi rápido demais.
No Brasil, Inácio trabalha no Empório São Mateus, cujo o dono é Geraldo (Jackson Antunes), que o trata como filho. O moço mantém correspondência com Maria Vitória, fica sabendo que será pai e decide retornar para a Portugal com o apoio do patrão.  Parte, porém, antes em uma missão de trabalho, é assaltado e largado como morto na beira da estrada.  Resgatado por Lucinda (Andreia Horta), uma moça rica, mas com muitos problemas psiquiátricos e de caráter, ele é cuidado pelo pai da moça, o médico Dr. Reinaldo.  Ao acordar, porém, ele se descobre cego e a moça tem feito de tudo para sabotar as tentativas do moço de fazer contato com o patrão, ou Maria Vitória, ou a tia em Portugal.

Também no Rio de Janeiro, temos tramas paralelas como a da fadista, Celeste Hermínia (Marisa Orth), que é uma mulher independente, mas de passado misterioso, e mantém um caso com o conselheiro Francisco Alcino (Werner Schunemann), que tem uma mulher moribunda há 18 anos, e vive um dilema entre os cuidados de Odete (Karine Teles), e a paixão por Celeste.  O Conselheiro é responsável pela educação dos dois sobrinhos órfãos, Vicente (Bruno Ferrari), que é engajado em uma série de atividades políticas e literárias, e Olímpia (Sabrina Petraglia), uma moça moderna, que enfrenta sérios problemas por namorar um moço rico, mas negro, Edgar (Marcello Melo Jr.).  Há ainda o bordel de Madame Lucerne (Regina Duarte), que é constantemente visitado por Bernardo (Nelson Freitas), que é casado com Alzira (Deborah Evelyn), uma mulher preconceituosa e que esconde que é irmã de Celeste Hermínia, a quem inveja. Juntos, eles tiveram Celina (Bárbara França), que sofre de amores por Vicente. 

Vicente e Olímpia.
Neste momento em que estamos, Maria Vitória, depois de ter sua filha tomada, veio para o Brasil, encontrando no navio três irmãs portuguesas – Helena (Jessika Alves), Natália (Giulia Gayoso) e Felícia (Amanda de Godoi) – que se tornaram suas amigas.  As moças tiveram suas passagens pagas por Madame Lucerne, que lhes prometeu treinamento e emprego, sem que elas tivessem idéia de que seriam entregues à prostituição.  Também estavam no navio dois italianos anarquistas, Giuseppe (Guilherme Prates) e Tomaso (Ricardo Vianna), que se tornam amigos das moças, e uma mulher mais velha e sua filha.  A mulher parece observar Maria Vitória, ela trabalhou na propriedade do pai da moça, e a adverte para ter cuidado com Delfina.  Outro companheiro de viagem, o deputado mau caráter, Teodoro (Henri Castelli), que antes dava em cima de Celeste Hermínia e, agora, desenvolve uma obsessão pela protagonista, Maria Vitória e deseja ter a moça a qualquer custo.

Sei que isso é um resumão sem tamanho, mas acho que precisava situar a trama.  Começo dizendo que Tempo de Amar é uma boa novela, ou não faria esse grande esforço em assisti-la, colocar tantos capítulos em dia.  No entanto, percebo uma série de problemas, uns mais graves, outros menos, mas que podem comprometer a história, mais cedo, ou mais tarde.  Começo pontuando, que apesar de começar em 1927, a trama fala muito dos nossos dias, especialmente em questões políticas.  Normal, uma novela, ou filme de época, não raro diz falar do passado, para discutir o presente.  É a arte de reinventar o passado que, em nossos dias, tem ganho tons tão sombrios e perigosos.  E, não, não é o caso da novela, ela é inócua, até o momento.

Já teve até duelo... quer dizer, quase.
De qualquer forma, é estranho que a bandeira da corrupção do governo seja levantada a todo instante. Era uma preocupação dos que criticavam a política do café com leite?  Sem dúvida, mas a agenda passava muito mais por questões como voto secreto, industrialização, educação pública ampla, direitos trabalhistas.  A bandeira do voto feminino era importante, sem dúvida, mas duvido que fosse abraçada tão avidamente quanto o fazem Vicente e seus amigos de grêmio.  Direitos das mulheres não é assunto que interesse, ou uma, particularmente aos homens e a novela não mostra discordâncias e elas existiam, mesmo entre as pessoas “legais”.  Aposto que se alguém aparecer falando contra os direitos das mulheres será um vilão, como Teodoro, ou uma mulher conservadora, como Alzira.  Aliás, a única mulher que parece interessada no assunto é Olímpia, quando a promoção e a luta pelo voto feminino dependeram muito da ação organizada das próprias mulheres brasileiras.

Um outro tema que me parece forçado, ou um tanto forçado, é o do preconceito racial.  Edgar é negro, mas rico, muito bem-educado e vestido.  Acredito ser muito improvável que ele recebesse tantas ofensas gratuitas como recebe. Imagino o comportamento da sociedade como muito mais próximo do de Teodoro, Edgar é preto, mas é rico.  Não que não houvesse espaços onde negros ricos não pudessem entrar, mas a novela parece potencializar uma questão que era muito mais sutil do que explícita.  Da mesma forma que deveria ser meio inimaginável que jovens começassem a se gritar impropérios políticos dentro de uma confeitaria chique, sem nem estarem bêbados, e na presença de senhoras e saíssem aos socos.  Parece que os autores da novela estão transferindo certos comportamentos mal-educados que vemos em nossas redes sociais hoje para ambientes sofisticados do Rio de Janeiro dos anos 1920.  E o caso do racismo vai muito por aí, também.

Procure a cicatriz que deforma a vilã.  Não vai achar.
Falando em bons e maus, a novela se apega desnecessariamente a um maniqueísmo complicado.  E não estou falando de Lucinda, o caso da vilãzinha apaixonada e possessiva é diferente.  Ela sofreu o trauma ao ter sido responsável pela morte da mãe em um acidente no laboratório.  A mãe morreu queimada, ela ficou com uma cicatriz ridícula no rosto.  Tão diminuta, que somente o trauma e a culpa podem explicar a sua resistência em ser vista. Sério, a cicatriz é tão discreta, que basta colocar o cabelinho em cima.  Os ferimentos de herói são piores que isso.  Estava, portanto, me referindo a gente como Delfina e Teodoro.  A governanta portuguesa criou Maria Vitória mais a odeia, quer se livrar dela. Não há sequer uma gota de dúvida ou remorso, afinal, Delfina foi como mãe para a protagonista.  

Ao pintar Delfina como um monstro, o roteiro meio que isenta a personagem de Tony Ramos de suas responsabilidades. O patrão abusa sexualmente da empregada (*e não é o único na trama*), não reconhece a filha bastarda (*não era incomum*), é cruel com a filha desonrada (*nada excepcional*), mas nunca teremos a mínima raiva dele, porque Delfina é tão ruim que atrairá para si todo o rancor.  Para coroar, ainda temos o papel entregue para Tony Ramos, que mesmo em personagens cinza, sempre termina sendo simpático.  O que estou pontuando é que nenhum dos comportamentos de José Augusto são anacrônicos, mas a crueldade e frieza de Delfina são absurdamente exagerados.  Pergunto-me se ela levará adiante o plano de casar a filha, a doce Teresa, a maior vítima dessa relação abusiva, com o nojento Fernão, porque este é outro, mas não se qualifica nem como vilão, porque é da estirpe do Henrique de Desejo Proibido, uma boa surra resolvia o problema dele.  De resto, torço para que Teresa dê a volt apor cima, talvez, se mostrando até mais astuta que todo mundo que a cerca.

Não deixam espaço para que Delfina seja vítima, ou mostre a feto. 
Só Teresa, chamada de parva, parece digna de alguma mor.
Mas falei do Teodoro... Enfim, ele é outro apresentado de forma maniqueísta.  Ele junta tudo no mesmo pacote: racista (*ainda que pragmático*), explorador de trabalho análogo à escravidão, mentiroso, alinhado com as forças políticas mais retrogradas, machista e disposto a estuprar a mocinha sem pensar duas vezes.  Neste capítulo, imaginei que fossem investir em uma tentativa de sedução, mas o roteiro não permite dubiedade.  Teodoro queima por completo qualquer possibilidade de relação com Maria Vitória.  Não que eu quisesse, vejam, mas poderia ser uma via a se investir, ele poderia se fingir de boa pessoa, mas não, é tudo muito direto.  De qualquer forma, esse papel clichê extremo até poderia render, se entregue nas mãos de um bom ator, o que não é o caso. Espero que não tenhamos o clichê do pai de Celina perdendo a menina para Teodoro na mesa de jogo.  Aguardemos... 

Quem ainda parece ocupar uma zona cinza é Madame Lucerne.  Confesso que fiquei aliviada em ver que ela não pode ser a mãe da mocinha, mesmo que ela tenha tido alguma relação com a personagem de Tony Ramos no passado, terão que fazer um grande malabarismo para colocá-la nessa função.  O fato é que Lucerne parece te rum passado sofrido, sobreviveu, apesar de ser mulher e prostituta, tornou-se uma capitalista cruel, ainda que, em algumas situações, possa ser capaz de atos de bondade.  No entanto, a forma pérfida – e comum à época – de iludir mocinhas e leva-las para a prostituição compulsória, tirou dela alguma simpatia.  De qualquer forma, é curioso que ela não tenha leiloado a virgindade das moças, curioso e improvável.

Madame Lucerne, quais segredos ela guarda.
Surpreendeu a discussão franca que fizeram sobre prostituição esses dias na novela, colocando na boca de Maria Vitória todos os argumentos mais válidos para desencorajar as três amigas a se submeterem à extorsão feita por Madame Lucerne.  O que é de uma prostituta quando ela envelhece? O fato é que a prostituição não está sendo pintada como festiva e alegre nessa novela, como feminista abolicionista, sinto-me feliz por isso.  E vejam, não estão estigmatizando as mulheres que, por motivos diversos, cumprem essa função, mas elas não são mostradas como as prostitutas alegres e felizes de Jorge Amado.  Vamos ver como a trama das irmãs portuguesas, ludibriadas e devedoras da passagem e outros custos à cafetina se desenrola.  Uma delas, acredito, vai se tornar prostituta, as outras, acredito que não, Helena, obviamente, não.  Outro ponto é se Lucerne vai tramar contra Maria Vitória para entregá-la à Teodoro.  Aguardar cenas dos próximos capítulos.

E falando em Maria Vitória, não pensem que esqueci de comentar o romance central, só estava meio que segurando para o fim do texto.  Fora o risco de escalar dois iniciantes, de cara, não gostei de Maria Vitória.  Achei seu figurino e cabelo modernosos demais para a época, como se ela tivesse saído de nosso tempo e caído no interior de Portugal.  Achei que ela era uma mocinha mimada padrão.  Com o passar do tempo, a personagem ganhou alguma estrutura.  É corajosa sem ser exagerada, moderna, sem ser absurdamente anacrônica.  Ótimo.  Mas o problemão é que ela parece, pelo menos no momento, combinar mais com Vicente do que com Inácio.

Inácio tem mais tempo de tela com a vilã do que com Maria Vitória.
Voltando, o romance dos mocinhos da novela começou rápido demais. A regra de Janete Clair, nossa grande dama da dramaturgia, é que se a mocinha e o galã (*termos dela*) não se beijassem até o capitulo 16, eles não ganhariam a empatia do público.  No final do primeiro capítulo, Maria Vitória e Inácio estavam se beijando.  No capítulo 4, ou 5, apesar da história de esperar, estavam transando.  Foi uma grande correria para levar o moço para o Brasil.  Como eram de classes diferentes, em tempos e lugar muito conservadores, seria mais sensato construir a relação dos dois, fazer com que acreditássemos que ambos eram almas gêmeas, que mesmo separados não tivéssemos dúvidas disso.  O que os autores fizeram foi lançar mocinha e mocinho em um mar de sofrimentos, amarrados ainda por uma filha que foi roubada.

E eis que se Maria Vitória se mostra uma personagem ativa, cheia de força, já o mocinho parece passivo.  E, bem, em folhetim isso nunca dá certo.  E a culpa não é de Bruno Cabrerizo, ainda que eu o ache muito velho para esse tipo de papel (*ele não parece ter seus 38 anos, mas parece muito maduro*), ele simplesmente está praticamente inválido e nas mãos da louca da Lucinda.  Pior, enquanto Maria Vitória sofre de um lado, ele sucumbe aos beijos da sua captora.  Não é incoerente, ele está fragilizado, se crê abandonado e tudo mais, só que, repito, é colocar o mocinho em uma situação deveras desfavorável.  Ele não deveria ser tão fraco, tão vulnerável, é como roubar-lhe não somente a vitalidade, mas a virilidade que esse tipo de material demanda.  Eu até posso sentir pena do herói, mas não posso sentir só pena dele.  É preciso mais, não deixaram o Inácio mostrar a que veio.

Mocinha talhada no sofrimento.
E, curiosamente, ela é interessante.
E aí temos Vicente.  Só demorei a escrever essa resenha por causa dele, ou melhor, do burburinho no Twitter do pessoal shippando Maria Vitória e ele.  Resultado?  Eu entendo os motivos e começo a torcer pelos dois.  Desgraça, mas como se livrar do Inácio, que é um homem bom, ainda depois de terem construído aquela papagaiada de amor eterno apressada no início da trama?  E com filho e tudo?  Enfim, não gosto do Bruno Ferrari, detestava o Xavier de Liberdade Liberdade com todas as minhas forças, e a primeira cena do moço contracenando com o fraco Henri Castelli, me deu nervoso.  Pronto, vai ser outra personagem politicamente chata e ainda por cima mulherengo.  Não é.

Com os capítulos, a personagem Vicente foi se construindo de forma muito mais segura e simpática que a do Inácio, recluso.  Vicente é moço bonito e rico, sabe usufruir dos seus privilégios, flerta com algumas mulheres, mas sofre por amor e se posiciona pelas causas certas, é gentil, amoroso, e ainda arruma tempo para ficar com a tia doente.  Sua primeira cena com Maria Vitória foi típica dos melodramas mais tradicionais, ele veio em seu resgate, não exigiu nada em troca, foi um cavalheiro.  Na altura que estamos, ficam os dois trocando confidências e chorando suas mágoas de amor.  Para um beijo é um pulinho.  O problema, caros leitores e leitoras, é que construíram aquele super papo de amor eterno lá no início.  E, não, não comparem com Caminho das Índias, porque o Rodrigo Lombardi levou a mocinha, porque o Márcio Garcia é um ator sofrível e não soube explorar suas cenas.  Em Tempo de Amar, não há disputa, porque os autores não deixam a mocinha e o mocinho interagirem.  Isso é contra a lógica das novelas e não é justo com o Inácio.

Werner Schünemann e Marisa Orth torço por eles.
Comento ainda que estou muito satisfeita em ver algumas tramas paralelas, especialmente, a que envolve Marisa Orth, que é uma grande atriz, e Werner Schünemann, para mim o homem mais bonito e elegante da novela.  Ele, especialmente, recebe uns papéis indigentes nas novelas da Globo, parece que, pela primeira vez, ele tem uma história própria a ser vivida. É casado com uma mulher doente (*de verdade*), sente-se preso a ela por afeto e dever, mas ama outra.  Trama adulta, para gente grande.  Está em consonância com a época e permite que todo mundo brilhe, até a atriz que faz a esposa doente, Eunice.  E tenho dó de todos os envolvidos.  É bonito, também, ver a dinâmica com os sobrinhos.  Enfim, só tem gente gostável nesse núcleo.

Uma crítica, antes que me escape, é que parece que o núcleo em Portugal está cada vez mais deslocado do centro da história.  Faz sabe-se lá quantos capítulos que a personagem de Nívea Maria não aparece na trama, fora que seu papel é irrelevante, ainda mais com a correria do início.  Outra que fica como figurante de luxo é Lucy Alves.  Só nos últimos dois capítulos a trama de Eunice com o Dr. Reinaldo começou a andar.  E, bem, escalar uma atriz com as qualidades de Lucy Ramos para fazer coisa nenhuma deveria dar cadeia.  Ela é muito talentosa e merece brilhar.

Italianos e portuguesas, poderia ser o núcleo cômico, mas não é.
Outro ponto, e eu nunca pensei que iria escrever isso na vida, falta humor na novela. Não peço um núcleo cômico pastelão, mas tudo é muito pesado o tempo inteiro.  Pensei que quando os dois italianinhos apareceram, eles iriam trazer alguma leveza e humor.  Está faltando isso, não precisa ser clichê, tipo guarda, ou empregada (*normalmente negros*), mas a novela está pesada.  Outra regra que Janete Clair defendia era que o drama deve se entremeado com humor.  Agora, falando no italiano apaixonado por Helena, que furo foi aquele da moça querer ir espiar o bordel (*podendo ser capturada a qualquer momento*) e o Giuseppe aceitar que ela queira ir sozinha?  Nem hoje uma loucura dessas, muito menos nos anos 1920.  

Não é desrespeitar a vontade de uma mulher, é falta de coerência mesmo.  Nem que fosse seguindo a moça nas sombras, para garantir algum apoio e proteção.  Ainda nos italianos, se Helena e Giuseppe, precisam dividir o mesmo quarto, seria coerente uma daquelas ceninhas bobas e fofas do moço com dificuldades para dormir. São todos de uma castidade até de pensamentos mais que monásticas.  Nem para colocar esse tipo de preenchimento mais leve e engraçadinho os autores se mexem.  

Escolher Tony Ramos é uma estratégia para que simpatizemos
com a personagem que encarna o poder patriarcal.
De resto, falando em monástico, é interessante colocar o drama da igreja católica em Portugal depois da queda da monarquia, mas a representação das freiras é a mesma de sempre: amargas (*falta de homem, vocês sabem*), sem afeto, feitas à força, moralistas, blá-blá-blá.  Só curti quando quiseram dar ordens para a superiora interpretada por Bete Mendes e ela colocou as autoridades masculinas no seu lugar.  No convento manda ela, ou autoridade realmente superior, o que não era o caso.  Não bastava ser homem, não.  Esse tipo de ideia, do convento como lugar de escolha, espaço de estudo e de poder para mulheres, ainda que algumas pudessem estar lá contra a vontade, é raro aparecer.  Foi uma cena preciosa, mas foi pouco ainda.

Terminando, a fotografia é lindíssima, assim como as locações e o uso de imagens e filmagens de época.  Está bonito mesmo de se ver.  Quanto ao figurino, salvo o de Maria Vitória, que ainda me aprece deslocado demais dos anos 1920, o resto vai muito bem.  É criativo, porque é figurino, não reprodução fiel, é bonito, requintado.  E a gente percebe algumas nuances que muitas novelas esquecem.  Nem todo mundo andava na última moda. Exemplo?  Há mulheres de cabelos curtos, seguindo a moda, há mulheres de cabelos longos. Normalmente, colocam até as senhoras com cabelos curtos em novelas dos anos 1920.  Há mulheres com saias mais curtas e mais longas.  Fora as questões sociais, claro.  Percebe-se, também, esse cuidado no vestir dos homens.  Ajuda a compor as personagens.  Só não entendi aquele espetacular terno rosa bebê do Henri Castelli.  Era lindo (*o ator está muito bonito na novela*), mas acho que terno rosa não seria uma coisa lá muito comum naquela época.  Branco, sim, rosa... 

Bete Mendes colocou o padre e Tony Ramos no seu lugar.
É isso.  Texto longuíssimo, tenho certeza que esqueci um monte de coisas, mas eram 30 capítulos.  Espero fazer outros textos.  Mesmo com tanto sofrimento e maniqueísmos desnecessários, Tempo de Amar é legal.  Concluindo, espero que a questão do abuso sexual das empregadas domésticas seja discutido compropriedade e, não, naturalizado com o "era assim" e acobertado pelo envolvimento de personagens masculinas simpáticas.  E, reafirmo, detesto dizer que estou torcendo pelo Vicente.  Só não sei como os autores vão arrumar a bagunça que eles mesmos fizeram.  E a audiência parece ir bem.  Sorte deles.  Deixo o clipe com a música de abertura que tem no fundo "Amar pelos Dois" interpretada por Salvador Sobral, que deu para Portugal a inédita vitória no festival Eurovisão.

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