sexta-feira, 3 de maio de 2019

Comentando Se Eu Fechar os Olhos Agora (Brasil, 2018)


Sábado e domingo maratonei os episódios da série Se Eu Fechar os Olhos Agora da rede Globo e, depois de tanto esforço, precisava resenhar o material.  Enfim, tinha visto o burburinho no Twitter e peguei o primeiro capítulo para assistir.  O início da série me impressionou positivamente, mas o que me pegou mesmo foi a curiosidade de saber se alguém iria sobrar vivo, porque as mortes se sucediam de forma tão alucinada que eu esperava realmente que só sobrasse o narrador.  Pois bem, ao terminar a minissérie, tenho mais críticas do que elogios a fazer, não concordo integralmente com o jornalista Maurício Stycer, mas minha impressão geral não é tão distante da dele.  Mas vamos lá!

1961, interior do Rio de Janeiro, Paulo e Eduardo (João Gabriel D'Aleluia e Xande Valois)  fogem do colégio para passar algumas horas nadando no rio e terminam encontrando a jovem Anita (Thainá Duarte), morta e mutilada. Acusados do crime, os garotos percebem que há um mistério  em torno desse assassinato envolvendo figuras importantes da cidade, como o prefeito Adriano Marques Torres (Murilo Benício), a primeira-dama Isabel (Débora Falabella), o empresário Geraldo Bastos (Gabriel Braga Nunes) e sua esposa Adalgisa (Mariana Ximenes), além do marido da vítima, o dentista Francisco (Renato Borghi). Todos mantinham relações obscuras com Anita.  


Anita foi brutalmente assassinada.
O marido acaba assumindo o crime, mas os meninos não engolem a versão oficial e a morte do jornalista  Cassiano (Pierre Baitelli), que tinha de proposto a investigar o caso, lhes dá ainda mais certeza de que há algo de muito errado na história toda.  Decididos a investigar o crime e descobrir quem matou e mutilou Anita, os meninos terminam conhecendo Ubiratan (Antonio Fagundes), um velho misterioso, e que também está interessado em descobrir quem matou Anita.  De resto, nada parece ser o que é.  Apesar de todas as tragédias, destaca-se a amizade dos dois meninos vindos de realidades familiares muito diferentes e a descoberta do primeiro amor por parte de Eduardo.

Gosto de histórias de adolescentes e crianças detetives.  Gostava quando era pequena e continuo gostando.  Um dos pontos altos da série, aliás, é a atuação convincente dos meninos João Gabriel D'Aleluia e Xande Valois.  Como bônus, trata-se de uma Bildungsroman, pois a série mostra o amadurecimento dos dois meninos e como eles são arrancados da segurança da infância e atirados no mundo sórdido dos adultos.  Todos sabemos desde o início que Paulo, o menino negro, sobreviveu.  Ele é o narrador.  Agora, e esta foi minha maior decepção, uma série como Se Eu Fechar os Olhos Agora pede grandes tragédias, ainda mais, quando a gente tem vilões tão poderosos e implacáveis, isto é, eles fazem o que querem, seja com Anita, a jovem escrava sexual, seja com qualquer um que cruze seu caminho.  No início, somos levados a crer que há um vilão só, a personagem de Murilo Benício, o prefeito que diz saber de tudo que acontece ao seu redor. 


A vida desses dois meninos vai mudar radicalmente.
Quando um autor cria vilões nesses moldes, poderosos e brutais, é preciso que os heróis sejam muito inteligentes, ou tenham algum aliado com muitos recursos (*e igualmente implacável*) que venha em seu auxílio, ainda que por interesse próprio.  Infelizmente, e esse é um dos pontos fracos da série, nem os meninos são super-inteligentes, afinal, são jovens e inexperientes, nem o velho Ubiratan o é.  Eles só não são mortos antes do fim da história, porque o roteirista não quis. Durante algum tempo, fui levada a crer que o aliado surpresa dos "nossos heróis" seria o bispo, Dom Tadeu (Jonas Bloch), que quando entra em cena tem um discurso todo trabalhado em Maquiavel e uma atitude imponente que lhe conferia as possibilidades de fazer a diferença.

Homem da igreja, bispo, ele poderia pairar acima das picuinhas interioranas e certamente teria contatos para além da política fluminense da época.  Além disso, ele era adversário do prefeito e  amigo de Francisco, o dentista, que ele tenta livrar da cadeia. Só que, no fim das contas, e vou dar um spoiler, ele acaba entregando a cabeça do dentista para o inimigo, nesse caso, o segundo vilão, a personagem de Gabriel Braga Nunes.  A minissérie, na verdade, usou muito mais Dom Tadeu, seu secretário e amante Danilo (Vitor Thiré), e outras personagens, para retratar um insólito e bandeiroso núcleo LGBT da cidadezinha da trama.  


O dentista e Geraldo, o cosplay de Jânio Quadros.
Falei que o segundo vilão era Gabriel Braga Nunes, vamos a ele.  Enfim, desde que voltou para a Globo, o ator foi confinado aos papéis de vilão psicopata e é isso que Geraldo, sua personagem, é.  Ele parece inofensivo, distraído, complacente com sua esposa-troféu, Adalgisa, mas, na verdade, é bem mais perigoso que o prefeito que acredita saber de tudo enquanto é enganado pelas três mulheres de sua casa.  Para ajudar nessa composição do "inofensivo", colocaram Braga Nunes quase vestindo um cosplay de Jânio Quadros, o presidente da época, só que sem gravata (*que homem de respeito não usaria esse acessório à época?*).  Se fizerem um filme sobre o presidente, ou com ele como personagem, já sabem quem escalar, porque ficou muito parecido.

Já que falei das mulheres, bem, Se Eu Fechar os Olhos Agora se dispõe a discutir uma série de coisas, uma delas, obviamente, o papel das mulheres no Brasil daquela época.  Independentemente do talento das atrizes envolvidas, com destaque para Débora Falabella e Mariana Ximenes, que deu um show, e foi mais protagonista que muita gente por merecimento, os textos eram extremamente artificiais.  Um dos problemas de séries, novelas, filmes e minisséries de época nacionais é que os autores parecem acreditar que as pessoas não falavam, discursavam cheias de pompa e circunstância sobre o que deveria ser lugar comum em sua vida.


A família tradicional.
Adalgisa, por exemplo, discursa para todo mundo sobre as misérias do casamento enquanto instituição. Já Débora Falabella, a esposa modelo, parecia estar reproduzindo os conselhos das revistas femininas da época, como o Jornal das Moças.  Enquanto isso, sua filha em cena, Marcela Fetter, solta jargões feministas insipientes sobre liberdade feminina e não parece em nada com uma moça submetida à educação rígida que a própria minissérie sugere que recebeu.  Ela engana o namorado quase noivo, o bom moço Edson (Gabriel Falcão), enquanto namora o garanhão Renato (Enzo Romani).  O grande drama da moça é transar, ou não transar, com o sujeito, embora a minissérie queira fazer crer que ela tem horizontes maiores.  Poderia até ter, mas nada é realmente desenvolvido para além do drama romântico-sexual da jovem.

Vejam, quando você acredita e vive sob um determinado código, você não precisa ficar repetindo as regras de conduta para si mesmo para reforçá-lo como a esposa do prefeito faz.  A minissérie era cheia daqueles discursos ensaiados e vazios, que soam artificiais e tornam algumas produções históricas tão ruins.  Existem várias formas de discutir questões de gênero e a opressão das mulheres, Se Eu Fechar Meus Olhos Agora, optou pela mais didática possível e, bem, a vida real não é uma sala de aula organizada.  Mais ainda, um homem conservador como o prefeito, parecia muito complacente com as mulheres de sua casa, apesar de forçarem no texto aquela frase clichê de que suas mulheres eram "belas, recatadas e do lar".  Bobagem, enfim.


A exuberante Adalgisa.
O prefeito, que só era pinta brava de verdade fora de casa, deu um carro para a esposa, isso já seria escandaloso, ainda mais no interior, mais ainda, presenteou a filha adolescente com uma lambreta.  O veículo, à época, era coisa de juventude transviada, ficaria mal para um jovem "de família", imagina para uma moça.  E outra, o que as duas filhas do prefeito, a outra era a menina Vera Lúcia (Jullia Svacinna), que teve algumas boas cenas com Murilo Benício, estavam fazendo fora de um bom internato de freiras, ou até de um colégio na Suíça?  Era o mínimo que se esperaria de uma família tão rica, poderosa e tradicional.  Um homem como o prefeito não deixaria sua filha caçula querida estudar em uma escola mista que reunia gente de classes sociais tão diferentes.

Da mesma maneira que Se Eu Fechar os Olhos Agora  tenta discutir questões de gênero (*os papéis esperados de homens e mulheres em uma dada sociedade*), tenta, também, discutir questões raciais e de orientação sexual.  A cultura do estupro é um dos temas da série, expressa na violência sofrida pelas meninas e mulheres negras, uma violência que passa de mãe para filha, como uma sina.  As brancas, as moças de família, deveriam ter sua virtude protegida, já as outras, as pobres e negras, em especial, estavam disponíveis.  Não vou entrar em detalhes, porque alguém pode querer assistir a minissérie.  Esta questão foi bem trabalhada, o problema, de novo são os discursos.


O racismo é uma constante na vida de Renato.
É curioso ver que todos os negros de Se Eu Fechar os Olhos Agora tem uma consciência absurda do racismo que sofrem e uma espécie de orgulho de sua cor.  Naquele contexto, seria muito difícil, especialmente, para o menino Paulo, humilhado e agredido pelo pai branco, e para a freira  órfã interpretada por Lidi Lisboa serem tão empoderados, por assim dizer.  De todas as personagens, a irmã era a mais consciente e articulada no seu discurso de denúncia do racismo, tão engajada que parecia uma militante do movimento negro.  

Daria para ser desse jeito?  Muito difícil e a meu ver o maior obstáculo era a idade da religiosa, meros vinte pouquinhos anos, afinal, ela tinha mais ou menos a mesma idade de Anita.  Outra incoerência neste caso é colocá-la como diretora do orfanato.  Na época, ela não seria admitida como noviça antes dos 18 anos e os anos de formação seriam longos, ou seja, até ser consagrada, ela teria mais de vinte anos e ainda teria que galgar vários degraus dentro da ordem, ou congregação, até chegar a ocupar um cargo elevado ainda mais em uma sociedade racista.


A freira vivida por Lidi Lisboa era muito jovem
para ocupar uma função tão importante.
O outro ponto explorado pela minissérie é a questão LGBT.  O bispo sofre chantagem por ser gay e é extremamente bandeiroso quanto a sua orientação sexual.  A relação dele com seu secretário é quase de casal aos olhos de toda cidade.  O dentista era gay, também.  Quando uma sobrinha do religioso chega à cidade para ser instrutora de tênis, ela não tem pudores em ir para a festa de aniversário do prefeito usando um smoking, mais adiante na série temos a confirmação de que ela é lésbica ou bi.  Enfim, ser LGBT naquela época exigia discrição, especialmente, se você queria conviver em sociedade.  Falando do smoking, que fez a filha mais velha do prefeito vibrar, provavelmente seria motivo de dura reprovação.

Até os anos 1980, havia espaços no Brasil nos quais mulheres não podiam entrar de calças compridas, imagine no interior do Rio, em uma sociedade super conservadora, no ano de 1961.  "Ela é sobrinha do bispo", parece ser a carta branca para fazer qualquer coisa, não deveria ser.  Pior ainda, fica parecendo que a vida dos LGBTs ricos era bem confortável, mesmo que o bispo tenha sofrido chantagem exatamente por isso.  Muito incoerente mesmo.  Só lembrava do drama que a personagem de Colin Firth no filme A Single Man, que se passava em 1962.  Ser gay não é fácil hoje e não era em 1961, a despeito do que a minissérie tenha mostrado.  E, não, o fato de termos um confronto por causa da questão entre duas personagens importantes não contrabalança essa versão cor de rosa da vida do bispo e seus amigos e amigas.


O bispo parecia ser sagaz, mas, na verdade, seu papel é
 de abelha rainha da comunidade gay local.
Por fim, porque ficou grande demais, temos a questão da denúncia da ditadura Vargas (1937-45).  Ubiratan e sua esposa foram presos políticos.  Ambos foram barbaramente torturados e a esposa dele teve uma criança na prisão, que lhe foi tirada.  Ele está atrás da filha da esposa morta.  Grande spoiler, eu sei, mas preciso situar as coisas.  Enfim, houve tortura no Estado Novo e, assim como na Ditadura Militar (1964-85), ficou por isso mesmo para os torturadores e os que cometeram outros crimes, no entanto, e eu vi um amigo ser corrigido na banca de mestrado por ninguém menos que Anita Leocádia Prestes, a filha de Olga e Prestes, e por seu orientador (*Francisco Carlos Teixeira da Silva*), sobre a intensidade do massacre aos presos políticos no governo Vargas foi menor.  A maioria dos comunistas presos, saiu viva depois de uma década de aprisionamento e retomou sua vida.

Não se trata de passar mão na cabeça de Vargas, mas a narrativa de Ubiratan parecia ser a de presos políticos do regime militar (1964-85).  De repente, o autor original imaginou que as pessoas estavam cansadas desse período, daí, usou o Estado Novo (1937-45).  O fato é que a minissérie ignora duas coisas, a primeira, que os comunistas se aliaram à Vargas, seu algoz, em 1945, isso gerou a primeira fratura no Partido Comunista Brasileiro.  Fala-se de Stálin e seus massacres e não se fala disso.  A segunda, é que Vargas voltou ao poder eleito e em 1961 era visto como um  mártir.  É como se o segundo governo Vargas não existisse para os roteiristas da série.  Só os maus o elogiam e mesmo personagens como a freira diretora do convento usam o termo ditadura e ditador para o presidente.  Duvido que assim seria naquela época, quando Getúlio era lembrado como "Pai dos Pobres".   Para quem duvida, sugiro a biografia magistral escrita pelo Lira Neto em três volumes.  Pareceu forçação de barra e uma tentativa de desqualificar Getúlio Vargas, de apequená-lo mesmo, reduzi-lo simplesmente ao ditador, quando ele foi muito mais que isso.  Em ano de reforma da previdência e com campanha contra os direitos trabalhistas, nada disso me parece inocente. 


Os meninos e Ruth de Souza, atuando com 97 anos.
É isso.  Muito apuro visual, ótimos atores envolvidos, uma trama que até prometia, mas que não entregou praticamente nada.  O povo pode ter vibrado com a Adalgisa e elogiado a Mariana Ximenes, pode achar genial o desfecho do crime, mas o fato é que foi uma minissérie bem artificial, mais estética do que conteúdo mesmo.  Não fiquei com vontade de ler o livro de Edney Silvestre, apesar de ficar curiosa para saber se foi ele que distribuiu finais felizes para quem deveria ter ido parar no cemitério, ou foi a minissérie.  

De resto, a única personagem (*fora Anita*) que me encheu de pena foi o pobre do Edson, o noivo enganado da filha do prefeito, enteado de Adalgisa.  Ele parecia ser um cara legal, que queria fazer diferente do que seus pais fizeram, porém, ele viu e passou por tanta coisa que dificilmente não se tornaria um vilão maior que o pai.  É inescapável, sabe?  De resto, a maravilhosa Ruth de Souza estava na minissérie, ver a veterana atuando com quase 100 anos sempre é bom.  Se Eu Fechar os Olhos Agora foi exibido na TV por assinatura antes de passar na Globo.  A emissora optou por deslocar a série para abril, mudando o padrão de anos, que era passar esse tipo de material depois dos episódios do BBB.

3 pessoas comentaram:

Muito bom o espaço às produções tupiniquins do blog. Pretende fazer uma resenha da novela das 6 atual, que originalmente seria das 11, "Órfãos da Terra"? Ela vem sendo muito elogiada pela crítica.

Normalmente, eu comento as novelas que estou assistindo. P problema é que não estou acompanhando nenhuma agora.

Na minha opinião só valeu a pena ver as cenas com Mariana Ximenes, de resto foi chato e sem muito ânimo mesmo. Mariana XIMENES como sempre roubou a cena.

Related Posts with Thumbnails