domingo, 5 de maio de 2019

Uma breve análise de Elizabeth I a partir de um vídeo da historiadora Helen Castor


Sou uma medievalista aposentada, como já escrevi tantas vezes, e sigo uma página chamada Medievalist, eles tem um podcast e na última edição, conversaram com a historiadora Helen Castor.  Castor é especializada em História das Mulheres, escreve sobre rainhas e outras mulheres "notáveis", além de participar de programas da BBC.  Sim, os documentários de história da BBC são ótimos, tão bons quanto suas séries.  Enfim, queria deixar aqui um pequeno vídeo, é curto mesmo, nem três minutos, em que Castor discute a personalidade da Rainha Elizabeth I:


Primeira coisa, apesar do tanto que já falaram dela, é preciso continuar falando, em especial, quando um filme como Duas Rainhas (*resenha*) presta tão grande desserviço a sua imagem.  E, claro, outra coisa, para nós, brasileiros, o período Tudor (1485-1603) não é mais Idade Média  (476-1453), porém, para a historiografia anglo-saxã, ainda é.  Existem essas divergências de marcos temporais.

Um resumo do que é discutido no vídeo.
Para quem não entende inglês, vou resumir o vídeo.  Castor começa discutindo a visão que muitos têm de Elizabeth, e que é a que foi vendida pelo filme Duas Rainhas: indecisa e teimosa.  Elizabeth resistia às propostas de seus ministros, todos homens, em várias questões: casamento, apoiar militarmente os protestantes no continente, aprofundar a Reforma Protestante na Inglaterra e, por fim, executar Mary Stuart.  Castor pondera sobre uma série de coisas que eu já sabia, uma delas, importantíssima, é que Elizabeth, independentemente de suas próprias crenças pessoais, jamais poderia ser católica e sempre seria vista pelos seguidores do Papa como uma usurpadora.  

Mary, Rainha dos Escoceses.
Seu pai tinha rompido com a Igreja Católica por causa de sua mãe, Ana Bolena.  tinha dissolvido monastérios, confiscado os bens da ICAR, tinha mandado executar católicos proeminentes.  Para Elizabeth, portanto, era ser protestante, ou ser protestante, mas ela não queria se associar aos reformadores radicais, agarrar-se à posições mais próximas das de seu pai, Henrique VIII, era muito mais seguro.  Aqui, sou eu, Valéria, ponderando, não está no vídeo.

Francis Walsingham, o espião-chefe de Elizabeth.
Elizabeth, mais do que ser indecisa, evitava o conflito, especialmente, quando não tinha certeza da vitória, ou quando isso poderia gerar um grande desgaste.  O exemplo maior, era a execução da prima, Mary, rainha dos Escoceses.  Embora o último filme nem o tenha citado, Elizabeth manteve seu "master of spies" (*chefe dos espiões*) Francis Walsingham (1530-1590) de olho em Mary desde que ela voltou da França.  Provavelmente, sabia mais do que a prima fazia, do que seus  próprios conselheiros.  

Felipe II, com as marcas Habsburgo inegáveis:
queixo projetado e testa alongada.
O que Castor ressalta é que Elizabeth resistiu por vários motivos.  Primeiro, ela não queria executar uma rainha ungida, a única, além dela mesma a governar, aliás.  Mandar matar uma rainha poderia ser um sinal de que você poderia matar qualquer rainha... Só havia Elizabeth como candidata.  Nem católicos, nem protestantes, eram defensores apaixonados da existência de rainhas reinantes na época.  As toleravam, se não houvesse um candidato homem, torciam, que um marido as viesse controlar.  Fora isso, o que muita gente não entende é que o direito divino dos reis, algo simbólico, é maculado quando um deles é executado, atingindo todos os outros.  Isso gera reações, desde o questionamento da monarquia como instituição, até a vingança de outros monarcas.  

Gloriana: o retrato comemorativo da vitória sobre a Armada.
Elizabeth sabia disso e resistiu por anos, mesmo quando tinha provas de que Mary, sua prima escocesa, conspirava contra ela.  Mas a coisa ganhou proporções maiores, ela cedeu.  Resultado?  Mary virou mártir, durante a própria execução.  Ela mandou essa mensagem quando subiu ao patíbulo com toda a dignidade e retirou a roupa externa, a de baixo era vermelha, a cor dos mártires.  Elizabeth I ficou como a malvada e invejosa da história toda.  Além disso, Filipe II, rei da Espanha, lançou a Invencível Armada contra a Inglaterra.  Poderia ter sido o fim de Elizabeth, do protestantismo na Inglaterra, enfim, foi por um fio.  Resumindo, Elizabeth estava certa.

Helen Castor.  Preciso comprar um dos livros dela.
Só queria comentar mesmo, porque é muito fácil infamar as mulheres que tiveram algum destaque na história.  Em um mundo no qual as pessoas valorizam as atitudes agressivas e os modelos de masculinidade tóxica, uma Elizabeth já está errada por ser uma mulher no trono e suas atitudes previdentes são interpretadas como covardia (*no filme que citei, a colocam fugindo das discussões sérias e fazendo florzinhas de tecido*), indecisão e, não, como cálculo estratégico, porque racionais são os homens.  Espero que o post tenha sido útil.  Ah, sim, um dos livros de Helen Castor saiu no Brasil: Joana d’Arc: A surpreendente história da heroína que comandou o exército francês.  Ser sobre Joana D'Arc ajudou bastante na escolha, sem dúvida.

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