quinta-feira, 11 de agosto de 2022

Comentando Dakara, Mou Koishinai: uma série que discute prazer feminino e violência doméstica de uma forma surpreendentemente realista (+18/NSFW)

Anteontem, terminei a leitura do que havia disponível do mangá Dakara, Mou Koishinai (だから、もう恋しない), de Kitano Dorarinu, trinta capítulos, pois a série tem dois volumes lançados e alguns capítulos são curtos.  A série é publicada no selo Campanella, o mesmo de Koko Kara wa Otona no Jikan Desu。(ここからはオトナの時間です。).  Eu vou colocar um resumo básico do início da história, mas, eventualmente, terei que dar spoilers, é impossível não acontecer.  Eu coloquei +18 no título, mas as cenas de sexo da série não são longas, nem tão gráficas assim, acredito que quem tem 16 anos possa ler o mangá sem grandes problemas, lembrando que é um mangá TL (Teen Love) e que esta demografia sempre tem sexo.  Sempre.  No entanto, é o drama da personagem principal, seu sofrimento e sua reconstrução como mulher.

Akira Yamase tem 32 anos.  Ela foi uma criança bem comportada, uma aluna brilhante que conseguiu sair de uma vila do interior para cursar uma faculdade de prestígio em Tokyo.  Formada, ela conseguiu um bom emprego em uma editora.  Apesar de muito tímida e com poucos amigos, ela atraiu a atenção de um bom partido.  Akira se casou com um homem muito bem sucedido e mais velho.  Só que seu casamento durou pouco e acabou.  Faz um ano que ela voltou para a sua vila natal e divide a casa com a irmã caçula, que trabalha para a prefeitura.  Akira, agora, trabalha em um humilde mercadinho e tem horror à possibilidade de se casar novamente, apesar de ser pressionada todos os duas pela vizinhança que é formada, principalmente, por idosos.  "Você é jovem!"  "A função de uma mulher é casar e ter filhos." "Posso lhe apresentar alguém interessante." "Você deveria largar esse emprego e se tornar uma dona de casa."  "Seus pais merecem ver seus netos.".  

Akira não revela o motivo do seu divórcio, mas ela sente desejo sexual e se angustia com isso e acaba tendo devaneios e se masturbando, quando consegue ter alguma privacidade, o que é raro.  E um novo morador chega na vila.  Kotaro Mori é seu nome e ele atrai a atenção da vizinhança por seu jeito desalinhado, cabelo longo, barba por fazer, chinelos e moleton.  As velhinhas mexeriqueiras desconfiam que se trata de um bandido.  Um dia, ele entra no mercadinho e pergunta para Akira se eles fazem entregas.  Ela vai levar as compras na casa do sujeito, ele não atende a porta, ela entra e vê a casa muito bagunçada.  Em um impulso, começa arrumar tudo.  Quando o homem sai do banho e ela consegue ver seu rosto c clareza, se surpreende em ver o quanto ele é atraente e começa a refletir que não deveria ter ido sozinha até a casa dele, porque pode ficar falada e lembra que parece estar dentro de um filme pornô que assistira recentemente.  

Cada vez mais constrangida, ela começa a fantasiar com o sujeito, só que ele parece realmente interessado nela, ou, pelo menos, em fazer sexo com ela.  E Akira fica muito satisfeita com a experiência, ainda que envergonhada de seu comportamento.  Akira e Kotaro terminam por se tornar parceiros sexuais, não namorados, ou algo assim, mas dois adultos que se encontram somente para transar.  Mas será que é possível manter uma relação nessas bases?  Será o suficiente?  Em alguns momentos, Akira parece perceber em Kotaro um sentimento que vai além do mero desejo.  Ela estaria enganada?  E há ainda o risco da vizinhança descobrir o que Akira e Kotaro andam fazendo.  Além disso, Hina está muito interessada em Kotaro e Akira tem dúvidas sobre a relação do sujeito com sua irmã caçula.  Para piorar, um dia, o ex-marido da mocinha aparece no seu trabalho... 

Dakara, Mou Koishinai é um mangá que caminha muito rápido.  Alguns capítulos são bem curtos e a autora consegue sempre terminá-los nos deixando com vontade de continuar lendo sem parar. Ela é muito boa de ganchos. O traço não é exuberante, ou mesmo bonitinho, pendendo mais para o realista, ainda assim, elegante e limpo.  Quando os dois protagonistas terminam na cama, logo no início do mangá, imaginei que a coisa fosse ficar meio que só nisso, afinal, é um mangá TL, mas a autora foi acrescentando dramas e camadas que fizeram com que eu quisesse escrever esta resenha e recomendar a série.  Akira e Kotaro são dois adultos que parecem adultos de verdade, mesmo com algum exagero e humor, eles são pessoas que poderiam estar andando por aí, seja no Japão, ou no Brasil.

O primeiro ponto importante a ressaltar é que a série mostra que uma mulher tem desejos sexuais e buscar saciá-los não deveria ser motivo de vergonha.  Akira não é arrastada por Kotaro, ela quer fazer sexo com ele, ela sente falta da intimidade com um homem e, exatamente por isso, aceita ser parceira sexual do sujeito.  Na verdade, ela é que meio que coloca na cabeça que é isso que eles são, porque Kotaro sempre parece ver Akira como uma espécie de namorada, ele a ouve, ele é paciente e bem humorado, além de saber o que é consentimento.  Eu fui lendo e esperando que o sujeito pisasse na bola em algum momento.  Será que ele vai acabar na cama com a irmã de Akira?  Será que ele é casado?  Será que é realmente um marginal?  

Chegamos ao capítulo 30 e ele vem se mostrando somente um sujeito legal e um tanto excêntrico.  Ele é desorganizado, ele é um tem grande necessidade de sexo, ele lê mangá e ele aceita o trabalho que a prefeitura da cidade lhe oferece como uma forma de disfarce.  Aliás, a irmã de Akira trabalha na prefeitura e o forasteiro é procurado por ela com oferta de emprego.  Como a cidade é um ovo e com uma população majoritariamente idosa, isso deve ser algo que acontece normalmente nos interiores do Japão.  O maior segredo de Kotaro se revela até bem rápido.  Ele foi parar na cidadezinha para se livrar de pressões profissionais.  Ele é um escritor que Akira admira muito, mas ela só descobrirá a verdade muito depois.  Por isso, ele não tem um celular, mas continua trabalhando em seu romance.  Ele não quer ser encontrado.

Uma das discussões da série, pelo menos nesses primeiros capítulos, é a questão da privacidade.  Akira não tem nenhuma.  As velhinhas querem o seu bem, mas controlam seus passos.  Elas insistem para que a  jovem mulher volte a se casar.  Para ser feliz?  Não, elas nem tocam nessa questão, mas porque o destino de uma mulher é ter filhos e ela ainda tem tempo.  Eu estava detestando as velhinhas fofoqueiras até que elas salvam Akira do seu ex-marido, elas correm para chamar a polícia e depois se prontificam a bater nele se o sujeito aparecer de novo para fazer mal à protagonista..

O que sabíamos do marido até que ele entre em cena é que ele costumava humilhar Akira.  Há um flashback mostrando isso.  Eu imaginei que ele somente abusava dela verbalmente, mas quando ele entra aparece na história, a coisa se mostra muito pior.  Ele surge no final de um dos capítulos, acho que o 14, e só vemos o seu pé.  Um sapato bonito, lustroso, caro.  Como Akira e Kotaro estavam brigados por causa de um mal entendido causado pela irmã da protagonista, imaginei que era o mocinho todo arrumado para revelar o seu segredo, ou pedir desculpas, sei lá.  Não era.  E logo no ouro capítulo já temos o ex batendo em Akira dentro do mercadinho.

Enfim, trata-se de um marido violento.  E a coisa é tratada pela autora de modo muito realista, poderia mesmo estar em um de nossos jornais.  O trauma da mocinha com a ideia de se casar de novo, mesmo amando Kotaro e ele estando disposto a isso, é plenamente justificado.  O ex de Akira é um homem dez anos mais velho que ela.  Ele se aproximou da jovem inexperiente e virgem, a deixou encantada com sua gentileza, recusou-se a fazer sexo com ela antes do casamento por respeito.  Quando se tornaram marido e mulher, ele passou a maltratá-la, abusar dela sexual, verbal e psicologicamente.  Pediu a demissão dela do emprego, trocou seu número de celular e restringiu seus contatos e terminou por mantê-la em cárcere privado.  Paro por aqui, porque há mais coisa.  Quem consegue salvá-la do cativeiro é uma amiga.  

Akira precisa superar a vergonha para pedir ajuda e fugir.  Mesmo compreendendo que o marido é um monstro, um criminoso, ela sente culpa, ela acredita que não se esforçou o bastante e que seus pais ficariam decepcionados com ela.  Afinal, ela escolheu aquele homem.  O sujeito é um criminoso e nossa mocinha sofreu horrores.  Kotaro ouve todo o relato dela chocado e a consola.  Eu quero muito que esse marido tome uns bons tabefes e vá para a cadeia.  Sim, as duas coisas.  Se forem as velhinhas, melhor ainda.

Uma das cenas mais bonitas do mangá foi o acolhimento que a mãe deu à Hina.  Fora Kotaro, ninguém sabe o que ela passou, Akira não quis preocupar sua família.  A mãe lhe diz somente que a apoia, que ela não precisa sofrer sozinha e que sabe o quanto ela se esforça, que se seu casamento acabou, certamente não foi por sua culpa.  Akira é uma irmã mais velha típica, assim como eu sou, e acredita que precisa carregar o peso do mundo e mais um pouco.  A mãe, Kotaro, as velhinhas e até sua irmã caçula, mostram a ela que não precisa ser desse jeito.  

Dado os abusos que Akira sofreu, imagino que seria muito complicado para ela se envolver sexualmente com outro homem.  Não sei, acredito que ela tivesse que carregar um trauma nesse sentido, mas ela não tem nenhum.  Vejo isso como incoerência?  Sim e não, porque a autora conduz bem a história e nos convence que Akira é somente uma mulher saudável que gosta de sexo, mas que foi usada por um homem cruel.  Minha única crítica nessa área é que a autora não coloca uma camisinha em nenhuma das cenas de sexo.  Bastava a embalagem, porque mostrar um preservativo em algum lugar é coisa comum em mangás TL, um recurso pedagógico, eu diria.

Falando em Hina, é engraçado ver os comentários do pessoal do Bato-to sobre ela.  Eu leio os mangás lá, porque os comentaristas são sempre engraçados e curiosos. Eles odiaram Hina e não acreditam que a personagem seja coerente e confiável. Enfim, Hina parece egoísta e cabeça e vento, ela assedia Kotaro, ela se acha melhor que a irmã.  Só que a partir do momento em que Kotaro a rejeita e a irmã e ele voltam a ficar juntos, Hina sai da posição de rival e vira apoiadora.  E ela quer juntar os dois, casá-los, de qualquer jeito.  Ela também conta suas intimidades com o novo namorado para os dois, sem que eles peçam.  Ela é doidinha, doidinha, mas eu conheço gente que é como ela, então, a autora não está criando uma personagem fora do campo do possível.

Eu realmente fiquei empolgada com esse mangá, não esperava que ele fosse tão bom.  Imaginei que fosse ser um TL comum, com sexo e nada muito além disso, mas a história é surpreendente e realista, já as personagens são simpáticas, ou odiosas, como no caso do marido, mas igualmente possíveis e pouco idealizadas.  Dakara, Mou Koishinai me surpreendeu tanto quanto Ichaicha Shiyou yo, Kumakei Kareshi kun (イチャイチャしようよ、クマ系彼氏くん), que também fala de abuso doméstico.  Só que Dakara, Mou Koishinai disse mais rápido a que veio e não tem capítulos inteiros com cenas de sexo chatas e desnecessárias.  Em Dakara, Mou Koishinai, as cenas de sexo estão em função da história e servem para aprofundar o psicológico das personagens, quem elas são e como se sentem.

Quando termina o capítulo 30, Kotaro e Hina estão morando juntos em outra cidade pequena, mas em busca de alguma privacidade, eles não se casaram, porque a mocinha não quis, mas ela deseja que aquele dia de felicidade dure para sempre.  Para mim, é uma senha de que algo ruim vai acontecer.  O ex-marido virá atrás dela?  Porque a frase é meio que uma senha para alguma coisa e o mangá não é um slice of life, mas um novelão dramático em um ritmo bem acelerado.  Agora é esperar pelos próximos capítulos.  Espero que eles cheguem rápido.

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