sábado, 29 de outubro de 2022

Comentando a primeira semana de Força de Um Desejo: Será que a novela é boa de verdade e minha memória está errada?

Depois de muitos pedidos, o Canal Viva colocou no ar Força de um Desejo, novela de Gilberto Braga (1945-2021) e Alcides Nogueira.  Exibida originalmente no horário das 18h nos anos de 1999 e 2000 teve longuíssimos 226 capítulo, quando originalmente estava prevista para se encerrar com 179.  Vamos lá, estou assistindo a novela, tenho na memória que Força de um Desejo não me agradou quando exibida originalmente, mas me senti tentada a rever e reavaliar.  Fiz o mesmo com A Casa das Sete  Mulheres uns anos atrás (*e deveria ter resenhado*) e me convenci de que eu fui injusta com o material.  Sou chata hoje, já fui muito pior, especialmente, na época em que estava na faculdade e no mestrado.  Vou resumir a trama principal da novela, o ponto de partida, e sigo comentando depois.

Rio de Janeiro, meados do século XIX (*apostaria no final da década de 1850, mas a novela não me deu datas*), fazenda Ouro Verde, Vila de Sant'Anna, em algum lugar do Vale do Paraíba, centro de produção do café à época.  Lá reside a família do Barão de Sobral (Reginaldo Farias) composta por sua infeliz esposa, Helena (Sônia Braga), seu filho perfeito Inácio (Fábio Assunção), e o inseguro caçula, Abelardo (Selton Mello).  O Barão trata a esposa muito mal, como uma prisioneira, e faz tortura psicológica, dia sim, outro também, com a coitada.  O sujeito está passando por problemas financeiros por sua própria falta de competência e teimosia, ou pelo menos é o que defende sua sogra, e tem seus negócios atrapalhados por um vizinho, Vitório (Antônio Grassi), para quem o próprio nobre vendeu parte de suas terras, e que não quer deixar seu café passar.  Mais tarde, sabemos que Vitório é somente o laranja e jagunço de Higino Ventura (Paulo Betti), o nosso vilão.

Ventura nasceu pobre na Vila de Sant'Anna, era apaixonado por Helena desde a adolescência.  Quando os pais da jovem, os ricos e empertigados, Leopoldo (Cláudio Corrêa e Castro) e Idalina (Nathalia Timberg), descobrem que Higino está cortejando Helena, então com 15 anos, expulsam o rapaz da vila.  Antes de partir, Higino jura que voltará rico e se vingará, ele renova seus votos quando descobre que Helena foi obrigada a se casar com Henrique Sobral.  Em algum momento futuro, ficaremos sabendo que Higino e Helena se reencontraram e que Abelardo é filho do vilão, o que eu não me recordo, não mesmo, é se o menino foi fruto de um estupro.  Como isso ficou no fundo da minha cabeça por tanto tempo, acredito que foi desse jeito mesmo.  Mas o fato é que Sobral ameaça Helena o tempo inteiro sobre revelar um segredo que poderia destruir sua família caso ela se rebele.

Higino retorna para Sant'Anna podre de rico e sem tornar seu nome público.  É convidado para jantar na casa de Sobral e ele o reconhece.  Helena desmaia ao vê-lo, temos um barraco, reforço de juramento de vingança por parte de Higino e que ele pretende deixar o Barão na miséria.  Neste jantar infeliz, a filha do vilão, Alice (Lavínia Vlasak), cai de amores por Inácio, que sequer a nota, mas sua ambiciosa avó percebe.  E eu ainda estou no primeiro capítulo.  Inácio termina confrontando o pai sobre a forma cruel com que trata a mãe, após ser duramente repreendido por ele por chamar um médico para atender Helena,.  Inácio já estava furioso e termina por surpreender o patriarca com a amante (Dira Paes) na vila.  Indignado, ele confronta o pai e leva uma surra dele.  Inácio jura que nunca mais colocará os pés na fazenda, o pai o repudia, ele pega o dinheiro da herança do avô e segue para a capital, onde pretende cursar a faculdade.  Sobral diz para Abelardo que, agora, ele só tem um filho, aumentando o peso nos ombros do jovem e sua ansiedade.

No Rio de Janeiro, a Corte, Inácio vai morar em uma pensão de estudantes dividindo o quarto com seu amigo Eugênio (Murilo Rosa).  Em uma noite no teatro, enquanto maldizia o amor e as mulheres fáceis, nosso protagonista deita seus olhos sobre uma dama belíssima, que depois descobre se chamar Ester Delamare  (Malu Mader) e fica encantado por ela.  Fim do primeiro capítulo e vou me esticar um pouco mais, só um pouco, neste resumo.  Inácio fica obcecado pela mulher e cai das nuvens ao descobrir que ela é uma cortesã.  Nosso mocinho super moralista terá que lutar contra seus princípios e descobrirá aos poucos, se tornando um stalker irritante, que Ester não é o que ele imagina, na verdade, mesmo sendo uma mulher caída, ela tem mais caráter que muitas pessoas que ele conheceu até então e é muito mais bonita, também.  No capítulo 5, eles não tinham sequer se tocado, mas ela já está interessada nele.

Já na fazenda, Abelardo sofre para atender as altas expectativas que estabeleceu para si mesmo e tenta preencher a falta que Inácio faz.  Higino Ventura, por outro lado, tenta se aproximar de Helena, o que vai ser facilitado quando Sobral finalmente permite que ela vá visitar a igreja nova, como uma forma de sinalizar para Inácio sua mudança de comportamento, e atrapalhar os negócios de Sobral.  Para cumprir a tarefa de levar o café, depois da ponte ter sido sabotada por Ventura, Abelardo invade as terras do vilão, entrega o café, mas é desafiado para um duelo por Ventura.  Abelardo aceita por sua honra e a do pai, treina feito um doido sua mira, mas recebe a informação de que Higino, um esgrimista de primeira linha, quer que eles usem floretes.  Abelardo, o desafiado, deveria ter o direito de escolher as armas, mas acaba aceitando e volta a treinar com a ajuda de Trajano (André Barros), um grande amigo, no pouco tempo que lhe resta.  

Antes do embate, Helena descobre, fala com o filho, que se mantém inabalável, e apela para Higino, que não cede, salvo se ela aceitar seu afeto.  Ela se nega e Higino diz que irá destruir Sobral e seus filhos e a terá para ele de qualquer forma.  Na hora do duelo, Sobral aparece, pois fora avisado por um dos escravos fiéis, Abelardo mantém que irá lutar, mesmo sendo humilhado por Higino, ou não teria como andar de cabeça erguida e teria que partir, algo que o vilão deseja.  Depois de um dos duelos mais emocionantes que eu me lembro em cinema, ou TV, Abelardo vence, mas é atraiçoado pelo vilão e termina baleado entre a vida e a morte.  Deixo a sequência abaixo, continuo depois.  A mocinha que tem a premonição é Juliana (Júlia Feldens), ela ama Abelardo, a quem conhece desde a infância, mas ele mal a nota.

Enfim, tirando pela primeira semana de Força de um Desejo, e eu acho que ainda temos capítulo hoje, mas se eu tiver que comentar, faço um acréscimo no final depois, eu não teria motivos para desgostar da trama, ainda que possa apontar uma ou duas coisas que me incomodam muito na trama, porque na escalação, eu já inicio dizendo que Sônia Braga não tem passabilidade para ser a senhora branca, como eu não teria.  Fora que, uma atriz socialmente branca, talvez de cabelos e olhos claros, poderia acentuar a tensão sobre as origens de Abelardo, pois sendo pai e mãe alourados e de olhos claros, sempre haveria estranheza em relação ao rapaz, fora que Paulo Betti é bem moreno.  Mas, sim, entendo a escolha.  Força de um Desejo veio para tentar levantar o horário das seis e escalou não somente um autor de muito peso, contra sua vontade, provavelmente, mas trouxe um grande elenco, muitos deles costumeiramente ligados às obras de Gilberto Braga, inclusive Sônia Braga, atriz que estava em carreira internacional e mal aparecia no Brasil.

E Sônia Braga vai ficar pouco tempo na novela.  Não lembro o quanto, aposto em mais uma semana, se muito.  Ela morre e precipita o retorno de Inácio e o triângulo amoroso entre pai, filho e Ester Delamare.  De qualquer forma, não vou falar do que virá, mas do que aconteceu.  Bem, não sei se Força de um Desejo vai dizer em qual ano está.  Eu apostaria que estamos após 1850 (*Lei Eusébio de Queiroz/Fim do Tráfico Negreiro*) a tomar pelas falar de Sobral de que a escravidão estaria em seus últimos anos.  Já o figurino, e o trabalho é da excelente *quando a deixam trabalhar*) Beth Filipeck, coloca a trama no auge da Era da Crinolina (1850-1869), aquelas imensas armações de saias, mais para o final dos anos 1850, do que para os anos 1860, eu diria.  

No aspecto do figurino, e o verbete da Wikipedia lista as referências da novela, ele navega entre o realista (*o mais fiel possível*) e o para-realista (*fiel, mas nem tanto*), porque tem que negociar com algumas necessidades impostas pela produção.  Só explicando, durante um dia, e recomendo os vídeos da Modista do Desterro e da Eneida Queiroz, ambas especialistas em moda histórica, as mulheres durante boa parte da Era Vitoriana (1837-1901) tinham que se cobrir.  Mangas compridas, gola alta, nada de decotes.  A novela não é fiel nesse aspecto e Ester Delamare trafega pelas ruas do Rio de Janeiro durante o dia com os decotes que só poderia usar à noite.  

Já que falei de Ester, a introdução da personagem, absolutamente deslumbrante no final do primeiro capítulo, causou impacto não somente em Inácio.  Agora, a trama dos dois me lembra um tanto A Dama das Camélias e não acho que tenha muito a ver com os livros do Visconde de Taunay, que confesso nunca li e foi difícil achar resumos para além de Inocência, que são listados como fonte de inspiração dos autores.  O problema é que mesmo que Fábio Assunção seja mais jovem que Malu Mader, ele não parece ser, pelo menos, aos meus olhos, e o papel de deslumbrado que em que ele se encontra, pedia alguém que parecesse ser o jovem imaturo.  O próprio Inácio é apresentado muito bem como firme, decidido e com baixa tolerância para injustiças. Sim, sim, detalhe, Inácio não está usando seu sobrenome paterno, mas o materno, isso vai dar problema para ele lá na frente. 

O mérito da novela ao apresentar a relação dos dois protagonistas, e isso sinaliza bem para mim o quanto as tramas atuais se tornaram menos inteligentes, por assim dizer, é não correr.  Apesar do apaixonamento súbito de Inácio me parecer muito forçado e constrangedor, é maravilhoso ver a angústia da personagem se estendendo, a luta dele com seus valores morais, afinal, ele brigou com o pai por ele estar de caso com uma prostituta, até que ele se rende, mas não é (ainda) acolhido por Ester.  E ele descobre que não pode comprá-la, porque ela, a dona do principal bordel da corte, só vai para a cama por prazer e com quem deseja.  Já a personagem de Mader tem algo de clichê, é a prostituta de bom coração, mas ganha contornos mais interessantes por ser poderosa, rica, inteligente e não se mostrar intimidada por ninguém.  Fosse uma novela atual, Inácio e Ester se beijariam no final do primeiro episódio e estariam na cama no segundo, porque, bem, os autores são pressionados a acreditar que se não correrem, o público vai largar a trama.  Dessa forma, a construção da história e das personagens sai sempre perdendo.  E, se quiserem exemplo, peguem meus textos sobre Tempo de Amar, que é do Alcides Nogueira, que assina Força de um Desejo, e de Além da Ilusão, que terminou faz pouco.

O fato é que eu estou pouco interessada em Inácio e Ester neste momento.  Minha atenção está mais na fazenda Ouro Verde e em Abelardo e seu drama, ou mesmo na forma agressiva como Higino Ventura conduz sua vingança.  A novela, aliás, abre com Selton Mello, ele é o primeiro dos protagonistas a se mostrar, dizendo uma frase que tem o efeito de situar a audiência, "nosso ouro é o café".  Selton Mello é, até o momento, a melhor coisa que eu vejo na novela.  Ele é cheio de nuances, transmite bem a ansiedade e os medos da personagem, a sensação de ser menos amado e de que não confiam nele, sua veneração pelo pai e pelo irmão.  Assim, depois do trauma que foi revê-lo como D. Pedro II em Nos Tempos do Imperador, fico feliz em vê-lo atuando como sabe, com uma personagem que realmente consegue comover e arrastar.  E ele estava muito bonitinho, também.  As duas melhores cenas de Sônia Braga foram com Abelardo e Higino, foi quando eu a vi crescer e não se encolher, sussurrar, brilhar.  

Falando do café, o seu cultivo se intensificou a partir dos anos 1830 e se estendeu rapidamente pelo vale do Rio Paraíba, assim foi criada uma casta dentro da sociedade imperial, a dos barões do café.  Os títulos de nobreza eram comprados, mas o imperador poderia não querer vender.  Um dos recalques de Higino, um self made man (*"homem que se fez por si mesmo" que veio do nada*), tal e qual o Barão de Mauá, que o próprio Betti interpretou no cinema, é este.  Ele é rico, mais rico que muitos barões, mas não tem título, aliás, ele não é visto como parte do grupo, porque ele veio de baixo e, para que não sobre dúvida, ele não tem caráter, não desperta empatia, menos ainda, simpatia.  Agora, não nego que me incomoda demonizar o único sujeito que não herdou, que trabalhou, escolher para vilão invejoso o cara que, em uma sociedade do não-trabalho, conseguiu furar a bolha parece um elogio às classes ociosas.  

Algo que é usado para desqualificar o vilão por Sobral é o fato de Higino Ventura ter nascido pobre e tratar tão mal seus escravos.  Enfim, um dos problemas da novela, e eu falei disso na minha resenha de 12 Anos de Escravidão, foi o lero-lero, que se presta a limpar a barra de personagens escravistas "boazinhas", de que havia o bom senhor de escravos e o mau.  Sobral, Ester, Inácio, Abelardo tratam seus escravizados como se fossem pessoas como quaisquer outras (*palavras deles*), tipo "como gente da família".  Aham-aham-aham  Eu vejo aí o antecessor do elitismo que permeia as tramas de Gilberto Braga e Manoel Carlos.  A escravidão é sempre uma violência, um ato de exploração e tratar bem sua propriedade, porque se estragar vai ter que comprar outro e se o tráfico já acabou sai caro, é o mínimo que se espera.  Isso não quer dizer que os escravizados não serão surrados, coagidos e sofrerão assédio sexual, algo que já está se desenhando na relação entre Zulmira (Ana Carbatti), mucama da baronesa, e o feitor Clemente (Chico Diaz).

Sobral admite mesmo que a escravidão em breve chegará ao fim.  Seus escravos são mostrados trabalhando felizes, tal e qual naqueles filmes norte americanos dos anos 1930 (E o Vento Levou, Jezebel) antes da Guerra Civil (1861-1865).  Mais adiante, Inácio se mostra interessado pelas experiências com imigrantes em São Paulo, só que a primeira delas, que seria contemporânea da novela, talvez, não deu certo, pois acabou em uma revolta em 1856.  Onde a imigração funcionou, antes dos anos 1880, foi no Sul e nada tinha a ver com café.  Enfim, o objetivo era mostrar que Inácio é moderno e que usaria mão-de-obra livre se pudesse, contrastando com seu pai, que é bom mas antiquado, por um lado, e que ele é um homem bom e diferente do vilão, que não conhece o seu lugar, e não tem compaixão.

Sim, acabei de fazer uma crítica a novela.  Em Escrava Isaura (*resenhas: 1 - 2*), que eu adoro e que Gilberto Braga, o autor, odiava, tinha abolicionistas, Álvaro, por exemplo, o moço com quem Isaura, a escrava branca, se casa, era rico, criava gado (*que sempre usou pelo menos alguma mão-de-obra livre desde a colônia*) e não tinha escravos, mesmo estando nos anos 1840.  Já na boca de Tobias, que Gilberto Braga inventou para que Isaura pudesse ter um interesse romântico na primeira parte da trama,  era o bom senhor de escravos, mas ele sentia culpa por tê-los, ele simplesmente não conseguia ver saída ainda.  Escrava Isaura estava antes do fim do tráfico (*provavelmente*) e o café do Vale do Paraíba precisava de braços.  Agora, em Força de um Desejo parece que estamos um pouco depois e nenhum dos bons senhores parece se sentir culpado por ter escravos, afinal, eles são pessoas boas.  E não é problema da época, é escolha.  Não sei se, com o correr da trama, Inácio vai se tornar abolicionista de verdade, o único legítimo da trama parece ser Bartolomeu, o jornalista encarnado pelo excelente Daniel Dantas.

Comentei da feliz lentidão para juntar Inácio e Ester, algo que permite sentir a angústia do rapaz e perceber a mudança de atitude da mocinha, pois bem, não é somente no desenrolar do relacionamento dos dois que estão as marcas de um outro jeito de fazer novela.  Sim, é marca do tempo, não de autor.  Primeira coisa, ainda não apareceu núcleo cômico, sei que a personagem de Louise Cardoso, braço direito de Ester, terá parte nele, mas a primeira semana foi só drama, por assim dizer.  Na verdade, não acredito na formação de núcleo de humor, mas de personagens que colocam humor em uma trama que é pesada.  Além do humor reduzido, ou diluído, temos muito mais violência, nudez e sexo do que temos em novelas atuais.  E não é reclamação, eu realmente fico irritada por certas omissões e atenuantes que tiram a força dramática de muitas novelas atuais.  

Por exemplo, mostraram os seios de uma moça que estava no mercado de escravos e as palavras sobre ela "donzela, nunca pariu", foram fortes o suficiente para deixar claro a violência.  O problema, no entanto, é a reação do mocinho, que não foi desgostosa o suficiente.  Como acabei de assistir ao capítulo de hoje, sei que a novela está depois da Guerra do Paraguai, sendo assim, Inácio poderia ser mais engajado.  Ele até explicou para Ester neste último capítulo que ele nao presenteia escravos, pois ela achava que ele tinha lhe mandado Jesus (*o lindo Sérgio Menezes*), quando, na verdade, foi Eugênio em nome do amigo.  Agora, pipocou outra coisa, pós 1870, sem tráfico, dar escravizados era algo muito caro, Eugênio é um amigão, ou joga dinheiro pela janela.  

Sabendo que a novela está depois de 1870, muda um tanto a minha percepção.  As críticas à escravidão e os posicionamentos dos bonzinhos, e me refiro em especial à Ester e Inácio, parecem fracos em relação ao tema pela época em que estão, isto é, bem mais próximos de Sinhá Moça do que de Escrava Isaura.  O abolicionista da trama é Bartolomeu seguido de Trajano, ou seja, personagens secundárias.  Como ninguém do elenco jovem parece ter estado na Guerra do Paraguai, talvez a novela esteja pós 1880, aí, gente, piora mais ainda, mas justifica o fato de Inácio querer visitar São Paulo e ver a experiência com os imigrantes, porque eles já estavam lá.  Quanto ao figurino, bem, ele não é da década de 1870, ou 1880, mas se Drácula de Bram Stocker optou, porque foi opção, por colocar a ação em 1899 e o figurino feminino de mais de 10 anos antes, não vou tacar pedra na novela, não.  Só que sem datas, o figurino me enganou, mas as ponderações estão feitas.

Vou terminar falando da personagem de Reginaldo Faria e de como ele está bem sendo o macho escroto que é.  Higino Ventura é o vilão, ele pode ser mau à vontade, mas o Barão não fica muito atrás.  No entanto, as atitudes da personagem são coerentes com o que se espera de um patriarca da época.  Ele é horrível com a esposa, porque foi (*ou acha que foi*) traído.  Ele mostra um afeto bem autoritário em relação aos filhos, ele os ama, mas se comporta com certo afastamento que são comuns em relatos de época e até do início do século.  O pai não beijava, ou abraçava.  Claro, havia pais afetuosos, mas uma parte considerável não era e isso parecia muito mais normal.  

Fiquei realmente furiosa com a personagem hoje, porque ele queima a carta contando para Inácio da saúde de Abelardo, que pode ficar aleijado por causa do tiro à traição.  E ele age por ciúme.  O sogro conversou com Inácio e ele não voltou por causa do pai, mas todos creem que voltaria por causa do irmão.  Todo patriarca quer ser o centro de tudo, a razão da existência da esposa e dos filhos, neste caso, dos escravos e agregados.  É um papel de gênero pesado e imposto pelo machismo, o Barão sofre ao queimar a carta, mas, ainda assim, ele queima, é uma forma de retaliação.  As mulheres são vítimas de papéis de gênero opressores, e a novela exemplifica bem com Helena, que é parte mais precária dessa família disfuncional, mas os homens também sofrem, porque estão condenados a não chorar, não expressar afeto como gostariam, a acreditar que somente assim serão homens de verdade.  Parece que a novela se esmerou em passar para o elenco esse básico do comportamento esperado da época da trama e todos os atores homens estão muito bem, eu diria.

O Barão também tem desejos sexuais e usa a personagem de Dira Paes para satisfazê-los, porque ele mantém distância da esposa, ao que parece.  Fosse a novela hoje, talvez, isso não estivesse lá.  Uma das minhas críticas à Tempo de Amar era exatamente a falta de libido das personagens masculinas da trama, porque a coisa poderia sair do esquema de continência idealizada que uma vez me disseram que era a norma no século XIX e inicio do XX a partir das leituras de Crepúsculo.  Sim, guardarei para a vida isso.  Por outro lado, falando de cortesãs, os autores abraçam, talvez por acreditarem mesmo, que os maridos procurem as prostitutas não porque podem, porque a dupla moral permite, mas por serem suas esposas frias, feias e, algo que ficou evidente nos capítulo de hoje, gordas.  Sim, a novela foi abertamente gordofóbica.  Obviamente, não haverá discussão sobre padrões de beleza no século XIX, é somente uma forma de marcar que Ester e suas prostitutas, que Palmira (Dira Paes), as mocinhas jovens da trama são bonitas por serem magras, já as matronas são todas gordas e, portanto, sexualmente desinteressantes.

Rever a novela é interessante, também, para assistir ao desempenho de veteranos como José Lewgoy e Cláudio Corrêa e Castro. Depois de tantos anos, uma parte além de Murilo Rosa bem bonito, Giovanna Antonelli também está na trama como uma das meninas de Ester.  Ambos tinham estado juntos em novelas da rede Manchete, que tinha acabado em maio de 1999.  Lá, eles tiveram papéis de destaque, Murilo Rosa foi protagonista de Mandacaru até, que demorariam um pouco a conseguir na Globo.

Concluindo, não sei por qual motivo eu não gostei da trama, sei que a parte da "escrava branca" me irritou muito à época, mas eu não lembro de ter ficado brava com a questão da escravidão, ou o fato do pobre que enriqueceu ser o vilão.  A ideia de colocar pai e filho disputando a mesma mulher quando um deles não é o vilão (*caso de Direito de Amar, que deveria ir para o Globoplay ou o Viva*), não costuma me agradar, moralismos meus, talvez, revendo a novela, isso não faça diferença para a Valéria de quase 50 anos como fez para a de 20 e poucos.  O fato é que lembro pouco da dinâmica de Ester, Sobral e Inácio, Lembro mais de outras questões da trama.  Aliás, pela época, nem sei se conseguia assistir a novela todos os dias.

De qualquer forma, desconfio que a novela desande por causa da pressão por audiência e de mudanças que tiveram que ser feitas.  Reginaldo Faria morreu na novela, porque passou por graves problemas de saúde e precisou se afastar.  O "quem matou?" entrou na trama por causa disso.  Sei que Idalina se tornará   a grande vilã, aliás, isso se desenha desde o início mesmo, mas nãos ei se ela teria tintas tão fortes se a novela não precisasse ser redirecionada.  É isso.  Não sei quando vem outro texto, mas continuarei acompanhando a trama.  As imagens da novela são poucas, então, não sei se consegui alguma do comecinho da história mesmo, ou tive que me virar com o que achei.

1 pessoas comentaram:

Adorei o texto!
Eu não sabia que o Reginaldo Faria ficou doente e teve que sair! Achei que o "quem matou?" era já marca registrada do autor.
Eu não desgosto do casal principal, mas o apelo deles comigo é bem menor que a trama do Abelardo, meu crush de adolescente. E isso que vc falou do motivo do Barão queimar a carta não tinha me passado pela cabeça!
É tão bom ver atores tão incríveis! Tem nenhum ali destoando, está fantástica a novela nesse quesito.
Espero que vc escreva mais!

Related Posts with Thumbnails