sexta-feira, 3 de março de 2023

Comentando o volume #1 de Perfect World: um impactante começo para um mangá que merece ser lido

Finalmente, concluí a leitura do volume #1 de Perfect World (パーフエクトワールド), série de Rie Aruga que começou a ser publicada no Brasil pela Newpop.  Em seu primeiro volume, a autora nos entregou uma história tocante e, ao mesmo tempo, muito direta sobre um primeiro amor que nunca foi concretizado e que desperta novamente, mas que precisa superar uma série de obstáculos, ao mesmo tempo em que mostra com cores fortes as dificuldades enfrentadas por pessoas em cadeiras de roda em um mundo que não foi pensado para eles e que está longe de ser perfeito.  Mas vamos ao resumo do ponto de partida da nossa história, porque com doze volumes, vai rolar muita água por baixo e por cima essa ponte ainda.

Tsugumi Kawana tem 26 anos e reencontra com sua primeira paixão do colégio, Itsuki Ayukawa, em uma reunião entre o escritório de arquitetura no qual o rapaz trabalha e a empresa de design de interiores em que ela é funcionária. O coração da moça dispara até que ela percebe que Ayukawa agora está em uma cadeira de rodas. A moça sente um impulso de se aproximar novamente do rapaz, mas, ao mesmo tempo, a situação de Ayukawa a deixa confusa.  O rapaz aceita a amizade de Kawana, mas não o seu amor, porque ele acredita que nunca poderá ter uma relação afetiva verdadeira com uma mulher depois do acidente que lesionou a sua medula.

Ao longo do primeiro volume, Rie Aruga constrói não somente o início de uma história de amor, mas uma rica narrativa sobre a condição das pessoas que tiveram uma lesão de medula e ficaram em cadeira de rodas, ressaltando a luta contra o capacitismo, que certamente será aprofundada com o caminhar da trama.  Não é como a autobiografia da mangá-ka narrando sua vivência com o câncer, é uma história de ficção e, acima de tudo, uma história de amor entre dois jovens, só que um deles não está aberto para este sentimento.  Ayukawa não se subestima intelectualmente, afinal, ele é um competente arquiteto e se formou depois de ter sofrido o acidente, ele tem urgência em viver, em deixar sua marca no mundo, talvez colaborando com a Olimpíada de Tokyo, mas ele não se sente apto, ou digno, de amar e ser amado.

A autora não nos poupa de detalhes desconfortáveis sobre a condição de pessoas que sofreram uma lesão na medula.  Ela fala de coisas que podem parecer nojentas e grosseiras para algumas pessoas, ela deixa claro que uma pessoa em cadeira de rodas pode não ter controle do defecar, que tem maior propensão a ter problemas renais e infecções urinárias, enfim, que não se trata somente de não poder andar.  Perfect World cumpre uma função didática, mas ensina sobre pessoas com deficiência e o drama de quem com elas convive, sem que isso seja o centro da narrativa.

Além do presente, o volume nos proporciona alguns flashbacks da adolescência de Ayukawa e Kawana e nos mostra que o rapaz sempre foi muito estudioso e já sabia que iria ser arquiteto.  Somos informados, também, que Ayukawa jogava basquete de forma séria e que ele teve uma namorada no colegial que não foi a Kawana, ela não foi o seu primeiro amor.  Kawana guardou para si seus sentimentos.  Mais tarde, vemos que a namorada de Ayukawa seguiu com ele até o acidente.  Ela o abandonou?  O deixou sozinho em um momento tão difícil.  Bem, as coisas não foram tão simples assim, mas é muito mais fácil vilanizar uma mulher.

O mangá aproveita, também, para discutir ideias relativas à arquitetura sem limites, isto é, prédios, parques, casas etc. adaptadas para pessoas com limitações motoras, idosas, em cadeira de roda, enfim.  Nessa discussão vemos o compromisso de Ayukawa no exercício da sua profissão e com o intuito de incluir pessoas e que nem sempre isso é bem recebido por quem está pagando pela obra.  Essa discussão sobre arquitetura sem fronteiras introduz o drama de um adolescente com um grande futuro no basquete pela frente e que também sofreu um acidente e está em cadeiras de rodas.  Ayukawa e Kawana terminam por ajudar o garoto.

Por fim, temos o fechamento do volume apresentando o início do romance entre Ayukawa e Kawana.  Com doze volumes, sabemos que a vida deles não será tranquila, não pode ser, porque a estrutura desse tipo de mangá é semelhante a das nossas novelas.  O mérito do mangá está em apresentar a condição das pessoas em cadeiras de roda de forma muito didática e ainda ter tempo de construir personagens simpáticas e uma história de amor convincente.  

A própria autora explica no final do volume que ele foi pensado para ser o único e que a continuação foi uma resposta ao interesse das leitoras e, imagino, a pressão dos editores.  E, de fato, se ela decidisse parar o seu mangá no último capítulo do volume #1, ele poderia estar completo.  Temos em Kawana uma protagonista que é doce, simpática, e que consegue vencer suas inseguranças e se declarar para o homem que ama.  Já Ayukawa, tenha ele quanto tempo de vida tiver, precisa decidir se se permitirá amar de novo e se deixar cuidar.

Em uma relação à dois, e não estou falando somente com alguém que tenha deficiência, é preciso confiar e se deixar cuidar e acolher.  Não e via de mão única.  Por outro lado, e realmente não sei se a autora vai se enveredar por este caminho, talvez além da questão sexual, que certamente será discutida, teremos as inseguranças de Ayukawa, o fato dele se comparar com outros homens e o que eles poderia oferecer para Kawana sejam colocadas no mangá.  Eu li muito pouco do mangá, então, não sei mesmo.

O fato é que a autora conseguiu um grande sucesso de público e crítica com seu mangá, que foi publicado na revista Kiss entre 2014 e 2021.  Em 2019, a série teve um dorama com 10 episódios e há ainda um filme live action lançado em 2018.  A edição da Newpop me pareceu bem cuidada, o texto não me gerou incômodo em nenhum momento, seja por expressões que pareciam fora do lugar, ou gírias inadequadas.  

Fora isso, há uma preocupação em colocar notas, inclusive chamando a responsabilidade para qualquer termo capacitista que possa escapar.  Alguns, como a edição bem explica, são do próprio mangá, mas o fato é que vivemos em um mundo no qual a gente costuma usar termos ofensivos sem nos questionarmos ou, em alguns casos, por não sabermos que eles são inadequados, porque crescemos ouvindo essas coisas.  De novo, o mangá é pedagógico por ele mesmo, mas uma edição cuidadosa, atenta a essas questões pode trazer ainda mais brilho para a obra.  É isso por enquanto.  

P.S.: Trabalho (*no meu trabalho*) e o alagamento da minha casa ontem (*alguma telha quebrada, minha sala ficou cheia d'água*) me fizeram atrasar as minhas postagens.  Este texto deveria ter entrado no ar ontem.

2 pessoas comentaram:

Ah, que ótimo que teve resenha dele. Amo suas resenhas e amo mais ainda quando são obras que estão saindo aqui no Brasil, que eu posso acompanhar. Inclusive, caso vá comprar Sangatsu no Lion, espero que resenhe ele também, assim como Akatsuki no Yona, quando este sair. <3

Achei Perfect World muito bom, bem mais agradável do que eu esperava. Achei muito sensível a abordagem sobre a deficiência e de forma muito pontual. Já vi vários mangás que pessoal costuma falar ser perfeito e que trata de temas sensíveis mas na maioria dos casos acho que o tema foi só jogado e mal trabalhado, mas não é o caso de Perfect World.

Ansioso pelos próximos volumes. O 2 já deve sair esse mês, segundo informa a pré-venda.

Já estava quase comprando em inglês quando saiu o anúncio da New Pop. Que bom que eles estão publicando. Só espero que esteja vendendo bem e que eles possam acelerar os lançamentos.
Recomendo muito.

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