sábado, 4 de março de 2023

Sobre castração química com detergente de pia: Como algumas mulheres estão lucrando vendendo ideias que oprimem as mulheres

Estou devendo muitos posts no Shoujo Café, sei que a relevância deste espaço depende do que escolho comentar e com qual frequência o faço, mas a vida anda meio pesada e o blog, formato arcaico, anda muito morno.  Posts feministas estão raros aqui, não por falta de assunto, vejam bem, mas por falta de energia.  Para se ter uma ideia, temos um recorde de feminicídios em Brasília nos dois primeiros meses do ano e a capital da república é a que mais nega medidas protetivas para mulheres.  E, mesmo concedendo, nada garante que o sujeito vá cumprir, que a polícia vá dar atenção, aliás, saiu matéria recente dizendo que para mulher ser levada à sério em uma delegacia precisa ter, no mínimo, um olho roxo.  Sem isso, esqueça.  

Também viralizou o calvo do Campari, sujeito ligado ao movimento redpill, que a grande imprensa parece que descobriu somente agora (*exemplo*), quando gente como a Lola é perseguida faz mais de década por caras ligados a esses movimentos masculinistas, graças às falas misóginas e um fracassado que se reinventou como coach de masculinidade.  Mas, hoje, quero dar destaque a uma aliada desses sujeitos, a influencer e coach de relacionamentos que se filmou como estivesse em um podcast de mesa para papaguear que detergente de pia pode ter o efeito de castração química, afinal, acaba reduzindo a "energia masculina" dos homens.  Vídeo abaixo.

O site da Fórum transcreveu a fala da cidadão, porque a música dramática de fundo é muito irritante.  A figura disse o seguinte: “Homem não lava a louça, nem limpa a casa... Deixa só eu te falar o porquê: enquanto as mulheres colocam os homens pra lavar louça e limpar a casa, elas só aumentam a energia feminina deles e faz com que o cara diminua a energia masculina, ela acaba castrando o homem... ‘Ah, mas isso é ser machista’... Não, que machista o quê... Deixa só eu te falar uma coisa sábia: deixa ele fazer no dia que ele quiser... ‘Ingrid, eu não tenho ajuda’, enquanto você continuar colocando seu marido pra lavar louça e limpar a casa, você nunca vai ter um homem de verdade do seu lado... E você precisa potencializar a energia masculina dele, não tirar... Enquanto você coloca louça pra lavar e casa pra limpar, você jamais terá um homem bem sucedido ao seu lado, com energia assim, daquele homem bem másculo... Deixa eu só te falar: enquanto ele limpa a casa, lava a louça, ele nunca vai prosperar. Aumenta a energia desse cara, para de colocar ele pra lavar louça, limpar a casa e deixa ele fazer no dia que ele quiser e quando ele quiser... Seja sábia o suficiente para edificar o seu lar e dar continuidade nesse relacionamento e nessa vida, com harmonia e bastante dinheiro, dinheiro suficiente, pra que daqui a pouco você vai contratar alguém, vai ter duas, três, quatro limpando a casa toda pra você... Enquanto isso, você só aumenta a energia desse cara que está do seu lado”.

Como não poderia deixar de ser, a cidadão faz uma citação bem livre de texto da Bíblia "Toda mulher sábia edifica a sua casa; mas a tola a derruba com as próprias mãos." (Provérbios 14:1).  Na mesma fala, ela defende que a mulher deixe o homem "(...) ele fazer no dia que ele quiser e quando ele quiser" (*seja lá o que isso signifique 1*) e que a compensação seria um homem másculo (*seja lá o que isso signifique 2*) e prosperidade material.  Como casamento, especialmente se pautado por princípios bíblicos neotestamentários é um contrato com deveres e direitos, um homem casado, mesmo se reconhecida uma suposta liderança dele no lar, não pode fazer o que quiser, porque fazer o que quiser é algo muito amplo.  Quanto à prosperidade material e a possibilidade de ter outras mulheres para fazer o trabalho para a esposa, tenho meus questionamentos, especialmente, a partir da própria fala da influencer sobre "energia masculina".

Se existe "energia masculina" e ela é incompatível com lavar louça, que seria algo emasculante, temos "energia feminina" que está ligada a essas tarefas incompatíveis com um homem másculo.  Se o homem não deve fazer trabalho de mulher, acredito que seja responsabilidade da autora da fala se responsabilizar por essas tarefas femininas, porque disso depende o desenvolvimento da sua "energia feminina", ou não há reciprocidade?

Na verdade, trata-se de mais uma esperta querendo tirar dinheiro de gente otária. Veja, se as fotos dela forem verdadeiras, para manter sua mansão com a limpeza imaculada que ela parece ter, nossa coach de relacionamento não teria tempo para nada além de lavar e limpar. Terceirizar as tarefas domésticas para outras mulheres seria descuidar dessa "energia feminina" que precisa ser cultivada. Porque se a gente não mantém essa energia viva e forte deve dar um desequilíbrio entre os pólos masculinos e femininos, ou será que só vale para os homens? Será que essa abundância de meninas que ela tem (*vide foto natalina da influenciadora no Instagram*) já não é resultado dessa falta de equilíbrio? Eu me questiono sobre isso, afinal, nosso ex-presidente cheio de energia genuinamente masculina só fraquejou uma única vez.

Muito bem, esse fenômeno das mulheres que ganham dinheiro vendendo ideias machistas e até misóginas, se opondo aos avanços nos direitos civis obtidos pela luta das feministas para atuar contra esses mesmos direitos não é nova.  Susan Faludi falou extensamente desse tipo de ativista em seu livro Backlash (*a edição brasileira está esgotada*), chamá-las de burras é perder de vista o quão lucrativo é para essas mulheres e, às vezes, seus maridos, pois, não raro, eles trabalham  forma articulada, atuar publicamente traindo todas as ideias que professam.  Elas se vendem, inclusive, como mártires em uma cruzada, elas deixam seu lar, seus filhos e filhas para trás, para se engajar em uma cruzada que visa destruir todos os lares e o/ou, como está na moda, também, abalar o equilíbrio natural entre homens e mulheres.

Claro, se Gileade se instalasse, mesmo essas engajadas guerreirinhas da luta contra os feminismos sofreriam, elas perderiam seu direito de falar publicamente, salvo se sancionadas pelos seus senhores homens, mas nunca se esqueçam que elas estariam ainda no topo da pirâmide das mulheres oprimidas.  Essa senhora, uma Damares, uma Pietra Bertolazzi não são burras, talvez seu grau de inteligência e articulação, ou sua capacidade de se enquadrar em padrões de beleza de consumo varie, mas elas, acreditem, estão lucrando muito com esses discursos reacionários que, no fim das contas, aprisionam, legitimam a exploração e retiram direitos das mulheres.  Resumindo, elas não são burras, mas empreendedoras em um mercado muito competitivo, o de explorar a culpa e as fragilidades das mulheres, em alguns casos, dos homens, também.

1 pessoas comentaram:

Se o que essa moça diz é verdade, pelo tanto de louça, roupa e casa que eu lavo, acho que devo ter me tornado uma mulher, de tão pouca "energia masculina" que me sobrou. :P

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