sexta-feira, 21 de julho de 2023

Massacre na Escola: A Tragédia das Meninas de Realengo: Infelizmente, isso não é uma resenha

Eu assisti todos os quaro episódios da série documental da HBOMax chamada Massacre na Escola: A Tragédia das Meninas de Realengo.  Para quem nao se lembra, o que aconteceu em 7 de abril de 2011, na Escola Municipal Tasso de Silveira, foi o maior massacre ocorrido em escola no Brasil, com 12 mortos, 10 meninas e 2 meninos, além de vários feridos, a maioria do sexo feminino.  Eu fiz vários textos à época sobre o caso, também quando ele completou dez anos, e queria estar escrevendo este texto para elogiar os méritos da produção, que entrevistou sobreviventes, profissionais que trabalhavam na escola, o policial que impediu que mais mortes acontecessem e mesmo a querida Lola Aronovich, mas não será nada disso.

O documentário da HBOMax contou com a participação do consultor educacional Ricardo Chagas, ele aparece nos quatro episódios sempre alertando do perigo da internet, dos jogos violentos e, o que deveria ser o objetivo dessas falas, como aliciadores se aproveitam de canais do Youtude e da Twitch, provavelmente, para aliciar os jovens.  Há estudos suficientes sobre os chans e outros espaços que são verdadeiro criadouro de extremistas misóginos, lgbtfóbicos e racistas.  Negar isso é chover no molhado, assim como ignorar que a extema-direita tem se infiltrado na cultura pop.  Não existem tantos imbecis raivosos usando avatar de anime e mangá à toa.  Sobre isso, recomendo o vídeo do Load junto com o João Carvalho e o do Alexandre Link sobre o problema na dublagem do anime de Chainsaw Man, porque são muito explicativos.

O problema é que Ricardo Chagas não parece ser a pessoa mais adequada para falar do tema e os responsáveis pelo documentário e a HBOMax foram extremamente irresponsáveis ao não pesarem as falas do sujeito.  Eu tinha percebido uma citação absurda feita por ele ao anime Assassination Classroom, que nada tem a ver com crimes em ambiente escolar, ou com qualquer coisa que possa conduzir à violência contra alguém, ou si mesmo.  Salvo, obviamente, se a pessoa tiver algum problema, neste caso, trata-se o indivíduo, não se demoniza o produto.  O trecho está aí embaixo, eu gravei direto da TV.  

Para quem não conhece a Assassination Classroom, Ansatsu Kyoushitsu (暗殺教室), no original,  esses três parágrafos a seguir são um acréscimo feito em 22/07 ao texto original.  A série tem como ponto de partida o seguinte: Uma criatura super poderosa destruiu 70% da Lua e ameaça fazer o mesmo com a Terra em um ano.  Na verdade, este alien guarda segredos e tem uma grande vontade: ser professor.  Ele vira o homeroom teacher (*aquele que é o responsável por uma turma especifica, seu professor representante*) da turma 3-E do Ginásio Kunugigaoka.  Esta turma está cheia dos piores alunos da instituição e seu professor passará o ano inteiro ensinando o que eles devem fazer para matá-lo e evitando que eles consigam fazê-lo, porque Koro-sensei tem super poderes.  Se eles conseguirem, a Terra estará salva e eles receberão uma recompensa do governo japonês.  Enquanto isso, o alien realiza o seu sonho e é para aqueles meninos e meninas, o melhor professor que eles poderiam desejar: eles melhoram suas notas, aprendem a ter confiança em si mesmos e sonhar com um futuro melhor.  E o professor tem formato de polvo, super conexão com a realidade, não é mesmo?  

Na verdade, essa história toda é para fazer uma crítica ao sistema educacional japonêse  há quem tenha usado o mangá em trabalhos acadêmicos (*Exemplo*) para discutir práticas de ensino. Assassination Classroom teve 21 volumes e saiu pela Panini no Brasil, teve anime que está na Crunchyroll, além de filme live action para o cinema.  Mas se você visitar o Instagram do Sr. Ricardo Chagas, verá que todo ele é estruturado sobre terrorismo, teorias da conspiração típicas da extrema-direita (pseudo) cristã muito preocupada em demonizar tudo o que parece popular e visto como diferente daquilo que eles acreditam ser o correto.  O primeiro post dele foi algo sem nexo sobre Red da Pixar e foi daí para pior e muito pior.

Aliás, nada de novo sob o sol, eu lembro das palestras de igreja sobre Nova Era demonizando animações, símbolos, músicas e tudo mais que poderia ser minimamente divertido, colorido e atraente para as crianças desde a segunda metade dos anos 1980 até o final da década de 1990.  Agora, essas ideias absurdas encontram sua acolhida na internet e são amplificadas por escolhas inexplicáveis como as que foram feitas pela produção do documentário da HBOMax.

Na minha ignorância, no entanto, eu tinha perdido o que de pior os documentários tinham feito, que foi associar um importante Youtuber à aliciamento de menores e outros crimes.  O especialista diz no documentário: "Core, o maior canal de conteúdo infantil, que não é infantil. E é um jogo que parece bobo, mas vem de um massacre e fizeram um joguinho que não é infantil, nunca foi infantil e ali é um prato cheio para aliciador".  Nada disso é verdade, nem se trata de um canal infantil, nem o jogo em questão,  Five Nights at Freddy's, faz referência a qualquer massacre real.  Recomendo a matéria do F5, sobre o problema que as falas desse sujeito produziram.  Em um vídeo postado em seu canal, o Youtuber conta a sua versão dos fatos e como sua vida e a de sua família se encontram ameaçadas pela exposição feita pelo documentário da HBOMax.  O vídeo dele está abaixo:

E quando eu escrevo "sua versão dos fatos", que fique claro, é a única versão que me parece válida.  Olhando o canal dele, lembrei que minha filha de 9 anos já viu algum vídeo de lá.  Se ela assistiu, a responsabilidade é minha e do meu marido, porque, como o Youtuber bem coloca, a plataforma é para maiores de 13 anos.  Crianças deveriam estar no Youtube Kids.  Ter bichinhos fofinhos não torna um material infantil.  Fora isso, os responsáveis tem o dever de estarem atentos ao que seus filhos e filhas menores de idade estão consumindo.  Da mesma forma, se aliciadores se infiltram em fóruns ou chats, isso não quer dizer que os donos dos canais sejam coniventes com suas ações.  Aliás, o próprio especialista explica que eles jogam iscas, essas iscas são inocentes.  

Enfim, a forma como a coisa apareceu nos documentários mancha um material que é, sim, muito bom, aliás, bastaria editá-lo e retirar das falas de Ricardo Chagas, que olhando o conjunto da obra, só atrapalharam os documentários.  O estrago, no entanto, já está feito e cabe reparação ao Core.  Espero que a HBOMax, responsável por veicular os documentários tenha que pagar uma grande indenização a ele, porque, no mínimo, ele deveria ter sido ouvido antes de qualquer menção ao seu canal.

2 pessoas comentaram:

É rídiculo o que fizeram com o Core, nunca fui assinante e nunca vou ser assinante dessa porcaria de "plataforma de streaming"

O pior é que no geral não se espera isso de grandes empresas de comunicação ou de streaming, se espera por serem grandes, que terão mais responsabilidade, que vão checar as coisas antes de vincularem seu nome a algo. E num país em que há casos de pessoas que fizeram linchamento, "justiça com as próprias mãos" e esses casos foram fatais a situação do Youtuber é muito preocupante e séria. Espero que o HBOmax ao menos se retrate e que haja uma indenização.

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