Passando pela Livraria Cultura – lugar onde deixo regularmente parte considerável de meu salário – me surpreendi ao encontrar um livro sobre personagens de mangá. O livro, que eu não conhecia, foi publicado neste ano, é uma enciclopédia de personagens. Claro, não está em português; afinal, as publicações desse tipo são inexistentes em nosso país.
Folheei o livro, vi que valia a pena, mas titubeei. Será que era caro? O papel era de qualidade, imagens coloridas e mais de 350 páginas. Pensei cá com meus botões “Deve custar uns 100 Reais”. Estava errada e trouxe o livro de capa vermelha para casa.
O nome do livro, detalhe importante que eu não falei ainda, é 500 Manga – Heroes & Villains, e a autora é Helen McCarthy. Como falei, não tinha visto informações sobre este livro nas minhas andanças da Internet, nem tão pouco tinha prestado atenção ao nome da autora. Helen McCarthy é uma especialista em animação, e pela seleção que fez para o seu livro, mostra ter amplos conhecimentos dos animes e mangás japoneses, conhecimentos que extrapolam o lugar comum de muitos livros.
Mas por que estou dizendo isso? McCarthy consegue equilibrar bem séries novíssimas com clássicos, personagens muito conhecidas com outras que não são tanto, mas mereciam grande atenção, e, o que mais me toca, ela equilibra muito bem shounen e shoujo, sem sequer discriminar séries yaoi. Difícil, né? Uma das minhas maiores críticas ao Grande Livro dos Mangás, por exemplo, era exatamente o desequilíbrio entre shounen e shoujo. Talvez a maior eqüidade seja fruto de um olhar feminino. Afinal, para quem os shoujos são feito prioritariamente?
O livro de McCarthy é dividido em oito partes principais, fora a introdução: Heróis; Heroínas; Anti-Heróis; Vilões; Vilãs; Heróis e Vilões Não-humanóides & Semi-Humanóides (*legal isso aqui*); Equipes; Heróis e Vilões Históricos, Míticos & Literários. Acredito que seria possível fazer outro tipo de divisão. Em alguns casos, como mangás centrados no dia-a-dia de pessoas comuns, o termo herói ou heroína não se aplica muito. Mas, claro, há controvérsias. O termo vilão ou vilã é criticável, também, pois os antagonistas ou o nêmesis do herói ou heroína – termos que eu prefiro – podem ser movidos por seríssimas razões e orientados por princípios éticos e morais bem elevados. Só que a autora é muito didática e expõe bem os seus pontos de vista. Heroísmo, para ela, parece estar mais ligado a superação de obstáculos. Bem, e não deixa de ser.
Simpatizei com a autora por compartilhar de alguns pontos de vista, por exemplo, para ela, mangá é um produto japonês que não pode ser feito fora do seu país de origem:
É mangá porque é feito por um artista japonês trabalhando no Japão. Bem Ninja High School de Bem Dunn não é mangá, porque é um produto de outra cultura, feito por um artista americano trabalhando nos EUA, mesmo que inspirado no amor de Dunn pelos quadrinhos japoneses. (...) o crescente número de norte-americanos, italianos, e outros artistas trabalhando “em estilo mangá” não quer dizer que estejam fazendo mangá e suas personagens não estão incluídas neste livro. Não se trata de um julgamento da qualidade destes quadrinhos influenciados pelos mangás; é uma questão de rigor de classificação. Mangá é quadrinhos japonês, logo, quadrinhos que não são japoneses, não são mangás. (MCCARTHY, 2006: 7-8)
De resto, o livro traz boas surpresas ao tentar equilibrar bem estilos e épocas. As personagens de Osamu Tezuka estão muito bem representadas. E na parte de personagens históricos, há uma pequena resenha – com spoilers – sobre Adolf, que está sendo lançado pela Conrad aqui no Brasil. Eu que não sabia o desfecho da trama do segredo de Hitler, agora estou mais que inteirada do assunto. Acredito que aí pode estar um dos pontos criticáveis da obra: a autora conta o final da história e muita gente não gosta disso.
Foi interessante descobrir que o escritor americano Ernest Hemingway já foi personagem de mangá. A série da Shounen Sunday, chamada Samurai Crusader nos EUA, não foi bem sucedida e terminou sendo cancelada por não ser popular, leia-se lucrativa. A arte, entretanto, parecia ser muito boa.
No tópico sobre Genji, o Príncipe Brilhante a autora cita várias das aparições da personagem, uma das mais importantes da literatura japonesa, em mangá, na verdade, em shoujo mangá. Para quem não sabe, A História de Genji é um livro basilar da literatura japonesa e foi escrito por uma dama da corte de Heian, Lady Murasaki, para seu deleite e de suas companheiras. Eis que nas bases da literatura japonesa está presente o olhar feminino em obras feitas por mulheres, para mulheres. E isso no início do século XI!
Surpresas o livro traz muitas. Por mais otimista que eu fosse não imaginava que a autora pudesse contemplar personagens de séries como Ace Wo Nerae e ouke no Monshou. Ela demonstrou ter um gosto bem peculiar (*e de novo afinado com o meu*) ao dar muito espaço para uma série de ficção científica que de alcance muito restrito: A lenda dos Heróis Galácticos. McCarthy fala de Yan Weling, o herói; dá duas páginas e fotos para Reinhart Von Lohengrimm, anti-herói (*bem, é difícil colocá-lo em algum lugar*) e para dois vilões da série. É um cartaz bem grande e merecido.
Outra série que tem grande destaque é a Rosa de Versalhes. André vem como herói, Oscar como heroína e Maria Antonietta na seção de personagens históricas. A autora, na verdade, como falei mais atrás dá o devido destaque aos shoujo mangás que aparecem em todas as seções e em um pequeno artigo intitulado It’s a Girl Thing que faz um apanhado geral da história dos mangás femininos em duas páginas. (MCCARTHY, 2006: 100-101)
Mas falando em anti-heróis, é nessa categoria que se encontram muitas personagens excelentes e bem conhecidas dos brasileiros que consomem mangás, como Itto Ogami, Alexiel, Shinji Ikari (???), Maximilian Genius (*só se for em alguma continuação de Macross, porque no original ele é herói*), Hideki de Chobits (*os mesmos ??? que dei para o Shinji*), Ranma Saotome, Hajime Saito, Dark Schneider. Eu tenho os anti-heróis em grande estima e colocar gente como Reinhart, Ogami e Eroica no mesmo saco do Shinji e do Hideki realmente não dá. Os Anti-Heróis para mim, devem ser antes de tudo decididos, carismáticos, enfim, aquilo que em inglês a genter chamaria de "cool". Hideki? Shinji? Enfim, ninguém é perfeito.
A autora também dá espaço para o Homem Aranha e ao Spawn (*que eu não conhecia*) feitos no Japão. Bem, se ela parte do princípio que ser feito no Japão e por japoneses, principalmente, é o que faz um mangá ser mangá, ela não traiu os seus critérios.
O livro é realmente muito bom e foi dinheiro bem investido. A autora mostra competência e faz verbetes curtos, objetivos e muito informativos, fora, como eu disse, que ela equilibra muito bem o novo e o velho, shoujo e shounen. Tenho o Anime Encyclopedia e este novo só veio confirmar a minha impressão sobre ela. Pena, como disse, que tenhamos tão poucos livros sobre anime e mangá publicados em nosso país. Frederick L. Schodt por aqui até hoje é um, absurdo.
Infelizmente, por aqui, só temos iniciativas isoladas. Temos alguns ótimos livros nacionais, como os da Professora Luyten, o livro do Moliné pela JBC e, agora, parece que a Conrad vai lançar o livro Manga: Sixty Years of Japanese Comics. Bem, me mandaram a notícia dizendo que o livro sairia em abril, ate agora não encontrei, mas, quando vier, é leitura obrigatória. De resto, é torcer para que bons materiais cheguem ao país, e que não possam se resumir aos mangás.
4 pessoas comentaram:
Tem muita coisa boa que agente nem sabe que existe...
Moro muito longe da livraria cultura... senão eu encomendava varios mangás que talvez aqui não chegue nunca... Cyborg 009 por exemplo...
Mas , quanto foi realmente o preço desse livro que comprou?
PS: Parebéns pela coluna =)
Realmente é uma tragédia que bons materiais não cheguem ao mercado brasileiro, até porque muitos não dominam o inglês.
Classificar Shinji e Hideki como anti-herói realmente é abusar um pouco, podem ser heróis pouco convencionais, mas sou da mesma opinião que você: "Os Anti-Heróis para mim, devem ser antes de tudo decididos, carismáticos, enfim, aquilo que em inglês a gente chamaria de "cool"."
Ei, Valéria, tem como você colocar no blog as fotos do Reinhart? Do Yan também se tiver alguma...folgada né? desculpa...
Como sempre, seu blog traz ótimas resenhas, parabéns.
Bem, o livro foi R$60. Como tinha bônus acumulado, custou R$50. E eu não pago frete, porque fica aqui pertinho.
Agora, o livro é muito bom, mas tem uns errinhos. Ela diz que Karekano saiu na Hana To Yume e, na verdade, foi na Lala. E também acho complicado o Arima como "herói". Ele sim se qualificaria como anti-herói...
Ei, Valéria, tem como você colocar no blog as fotos do Reinhart? Do Yan também se tiver alguma...folgada né? desculpa...
Vou ver se acho. ^_^
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