domingo, 23 de maio de 2010

Comentando Bons Costumes (Inglaterra, 2008)


Bons Costumes (Easy Virtue) me chamou a atenção em primeiro lugar por ser um filme estrelado por Colin Firth. Todo mundo que passa por aqui sabe que sou fã desse ator. Só que o filme passou tão rápido pelo cinema e ficou em cartaz em uma sala tão longe da minha casa que eu esperei sair em DVD. A cena do tango, que eu postei aqui, tinha me deixado muito curiosa... Pois bem, o filme saiu, e eu acabei comprando o DVD de uma vez. Não me arrependi. É um filme simpático e bem feito, ainda que longe de ser excelente. Resuminho da história:

Bons Costumes se passa em 1928 (*se é 14 anos depois do início da I Grande Guerra*) e foca na hipocrisia das relações familiares, especialmente aquelas que envolvem a aristocracia inglesa e seus preconceitos. A história começa quando uma americana independente, elegante, piloto de corridas de automóveis, chamada Larita (Jessica Biel), conhece e se apaixona por um jovem inglês, John Whittaker (Ben Barnes) no Sul da França. Casados rapidamente, os dois vão visitar a família dele. A mãe do rapaz (Kristin Scott Thomas) odeia a nora “sem classe” e tudo piora ao descobrir que a moça é americana e viúva. Ela queria que John se casasse com a filha do Lorde vizinho, uma moça muito simpática chamada Sarah (Charlotte Riley). Começa uma “guerra fria” entre as duas, pois a Sr.ª Whittaker é muito ciosa das aparências e quer continuar dominando o filho como sempre fez.


Já as irmãs de John são duas surtadas, desocupadas e meio burrinhas; Hilda (Kimberley Nixon), a mais nova, coleciona recortes de tragédias de jornal, a mais velha, Marion (Katherine Parkinson), tem um noivo “morto” imaginário e o resto da família ou alimenta a fantasia, ou a ignora. As duas são hipócritas, a mais nova finge aceitar a cunhada e a outra tenta ridicularizá-la o tempo inteiro. Hilária a fala do pai para a filha mais velha. "Ah, eu não vou conseguir gostar dela!" "Você é inglesa. Finja." Só o pai de John (Colin Firth), major que sobreviveu à Guerra, mas perdeu todo o seu batalhão, recebe bem a moça e, em meio a uma vidinha cheia de tédio e mesquinhez, nasce entre os dois nasce uma espécie de solidariedade silenciosa. E Larita se sente enganada por John, já que a curta estadia se prolonga indefinidamente, e começa a perceber o quanto ele é imaturo e “filhinho da mamãe”.

Easy Virtue mostra uma situação que eu já tinha visto em outras obras: a americana, geralmente rica ou famosa, que casa com o lordezinho inglês e é rejeitada pela família dele que torna a vida dos dois um inferno. E mais curioso é que eu lembrei de cara de um filme bem mais ou menos que eu tinha visto tempos atrás, com o próprio Colin Firth, inclusive... Fui procurar no IMDB e achei: Relative Values. E sabe a razão da semelhança? Não é somente o plot, mas ambos os filmes são baseados em peças do mesmo autor: Noel Coward. Nunca li nada dele, é evidente que mudaram muita coisa no filme, mas parece que o seu jeito de escrever ficou marcado em ambos os roteiros, e ele sabe usar bem as palavras, a ironia, o humor “inglês”. Daí, é muito estranho imaginar Easy Virtue como filme mudo em 1928, foi um dos primeiros dirigido por Alfred Hitchcock.


Voltando ao filme, ele começa um pouco morno, mas bem rapidinho as piadas começam a encaixar muito bem. Nada do ritimo frenético das comédias americanas, mas não acredito que quem procura este tipo de filme espera por isso. Só que, conforme as coisas caminham do meio para o final, as piadas começam a escassear e o drama predomina. É uma dramédia de costumes, por assim dizer, onde vemos uma família se desmontando, uma mãe tentando salvá-la usando de quaisquer meios para manter as aparências, um marido que por conta de um trauma de guerra parece viver em um mundo a parte, e uma estranha que coloca em evidência todos esses problemas, mesmo sem desejar.

O final é bem subversivo e não acredito que nos anos 1920, quando a peça foi escrita, tenha terminado daquele jeito. Mas foi um dos pontos altos, junto com a caça à raposa (*Larita era meio-ecologista e é obrigada pela sogra a participar*), o diálogo na biblioteca entre pai e filho (*“Estou sempre aqui, chegando os livros um pouco mais para a esquerda.”*), a festa na sala de bilhar com Colin Firth dançando foxtrote com Jessica Biel, “os funerais” improvisados da cadela, o can-can ridículo (*até disso eu consegui gostar*), e o tango entre Firth e Biel. Coitadinho do Ben Barnes, ele realmente não consegue convencer como parceiro da Jessica Biel e fazia tempo que não via o Colin Firth tão sexy.


O elenco, aliás, estava bem afinado, Kristin Scott Thomas está soberba como a aristocrata decadente e que quer manter a família unida e sob controle a qualquer custo. Colin Firth como o sujeito que parece um alienígena na própria casa, morto em vida, mas com a língua ferina também dá um show. Cada embate dos dois é uma cena única. E a história do repolho indigesto toda quinta-feira? Tão amargo e sem graça quanto o casamento dos dois.

Jessica Biel não faz feio e ela no filme tem que parecer mais velha que Bem Barnes e consegue. Fui checar o IMDB e não acreditei que ela fosse mais nova que ele. Ela convence na sua angústia na casa da sogra possessiva que faz tudo para que ela se sinta inferior, e, mais do que isso, suja e de má fama (*“woman of easy virtue”*). A cumplicidade de Biel com os empregados, especialmente o mordomo Furber, e com o sogro foi perfeita. Já Ben Barnes tem uma cara de pastel terrível e eu mal via a hora dela lhe dar um pé na bunda. E ele abandona Larita para que sua família tripudie sobre ela e flerta com Sarah. Aliás, Sarah parece ser uma das poucas “pessoas do bem” no ninho de víboras, porque não hostiliza Larita (*Que nomezinho feio!*) e tenta sinceramente se tornar amiga dela. Não fica de mesquinharias e brigando por causa do bobão do John Whittaker. E não colocarem duas mulheres disputando um homem já é mérito de um filme, ainda que a disputa exista, mas é entre sogra e nora. O filme contempla bem a Bechdel Rule.


Interessante é que certas questões não parecem mudar desde Jane Austen: aristocratas não trabalham. A família pode estar indo à falência, mas Kristin Scott Thomas ouvir da nora que seu filho pode trabalhar é uma ofensa. O que coloca em xeque aquela história que eu ouvi na faculdade de que as sociedades católicas eram sociedades do não-trabalho, que na Inglaterra era diferente. Poderia ser para a burguesia, mas todos aspiravam ser nobreza, viver de renda e somente fiscalizar o trabalho alheio ou paga alguém para fazê-lo. O fato da personagem de Kristin Scott Thomas montar atravessada na sela, como as damas faziam até o início do século XX, ilustra bem o quanto ela é conservadora, afinal, qualquer modernidade poderia colocar por terra o seu mundo perfeito.

O DVD nacional tem um monte de extras. Em um dos erros de gravação, Colin Firth estraga a cena porque deixou o celular ligado e diz que “Se ligaram para mim é porque deve ser sério”. Quem nunca passou por isso? E, caramba, como é irritante quando as pessoas não desligam o celular. Na pré-estréia do filme há umas entrevistas curtas e Ben Barnes fala da amizade que ele e o Colin Firth desenvolveram depois de dois trabalhos juntos. O outro foi o inédito no Brasil, O Retrato de Dorian Gray. E comenta que o Firth até o levou para ver os jogos do Arsenal. Ele é torcedor do time ou foi piada com Fever Pitch, um dos filmes mais engraçados do Colin Firth? Ah, sim, e Jessica Biel fica muito melhor morena, mas é compreensível a escolha que fizeram no filme.


Easy Virtue certamente não vai ser o melhor filme da sua vida, mas é bem interessante ao montar uma crítica de costumes, tem humor e drama, além de um final subversivo e até libertador. A trilha sonora também é nota dez, muito boa mesmo. Eu gostei do filme e, por isso, estou aqui fazendo a resenha. Pena que o desempenho do Colin Firth no filme foi eclipsado por conta de A Single Man. Mas neste último a atuação dele era bem diferente da média dos seus papéis e, claro, A Single Man mereceu toda a atenção recebida.

5 pessoas comentaram:

Oi Valéria! Não sei se vc se lembra de mim, sou a leitora que mora na Inglaterra ^_^
Achei bem interessante o seu comentário sobre Easy Virtue, e gostaria de acrescentar de que realmente a história continua muito atual e pertinente. Eu me interessei pelo filme pq meu namorado é inglês, e ao assisti-lo me identifiquei muitas vezes com a situação da Larita. Não pela parte da família desajustada e pela mãe megera, mas com certeza pelo choque cultural entre o Novo e o Velho Continente. Em essência, os ingleses continuam sendo bastante tradicionais, e têm uma certa desconfiança pelo que é novo e "moderno". Inclusive uma das maneiras mais inglesas de desqualificar uma pessoa ou uma idéia é chamá-la de "courageous" ou "unconventional" :-P

Vi no you tube a cena do tango - muito linda - mas havia comentarios e voltei para rever a cena - tem um erro de continuidade enorme : a atriz esta com um copo nas mãos ao abraçar o parceiro o copo desapareceu - muito engraçado - são as famosas gafes do cinema.

Eu amo esse filme! Também vi o mudo do Hitchcock, que é um drama bem desesperador. Colin arrasa sempre!

O copo nao desapareceu. Vc viu so a montagem do tango. No filme ela entrega o copo a um personagem.

O copo é entregue a um cavalheiro que se apresenta para dançar com ela, que o despacha com esse gesto simples.

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