sábado, 2 de outubro de 2010

Comentando Comer, Rezar, Amar



Antes de iniciar o texto, aviso que não li o livro e fui assistir ao filme ontem, na estréia, torcendo para não sair com vontade de ter mais um livro na fila para ler. Pois bem, não sabia muito da obra de Elizabeth Gilbert, tinha visto uma ou duas colegas lendo, imaginei que fosse material de auto-ajuda (*e pelo filme não deixa de ser mesmo*), torci o nariz e não fui atrás de maiores informações. Mas o filme, eu queria ver; o elenco era interessante e são poucos os filmes estrelados por mulheres e que têm uma proposta libertadora, quiçá até um pouco feminista. Ainda que a tal libertação – dar a louca, chutar tudo, e sair pelo mundo por um ano – só seja possível para mulheres muito abastadas e sem filhos, ou que não dêem a mínima para nada além da sua busca interior. E que ninguém pense que estou criticando. Trata-se de uma escolha.

O filme Comer, Rezar, Amar é mistura de auto-ajuda e chicklit. E tem muito bom humor em relação a isso, como na cena em que a protagonista está comprando vários livros depois do divórcio e a atendente aponta e diz que tem uma seção especial para “recém divorciadas”. Mas qual é a história? Elizabeth Gilbert é uma escritora e repórter (*ou, pelo menos, eu acho que ele é*) bem sucedida com mais ou menos 40 anos, acabou de construir sua casa dos sonhos, tem amigos e um marido bonitão (*ele é apresentado assim, o ator não me enche os olhos*) sonhador. Algo, porém a angustia e, depois de uma passagem por Bali, a profecia de um xamã local a deixa abalada. Segundo ele, ela teria um casamento curto e outro longo, perderia todo o seu dinheiro, e eles se reencontrariam em menos de um ano. Ele também diz que ela está triste. A partir daí, a vida de Lizz vira de ponta a cabeça.

Ela chega à conclusão de que seu casamento é frio e acaba com ele. Acredita que sua vida é vazia, e que está longe de Deus. Sai de casa e seu marido lhe declara guerra. Ele se sente ferido, afinal, ela acabou com tudo sem que antes eles tivessem uma briga sequer, sem que tentassem resolver os problemas. Lizz acaba conhecendo um ator, bem mais jovem que ela (*James Franco, que está ficando mais interessante com a idade*). Tudo vai muito bem, mas Lizz passa a adotar os hábitos do rapaz, que segue uma guru indiana, faz meditação, e é vegetariano. Com o passar do tempo, as coisas começam a desandar, e cai a ficha. Ela nunca viveu sozinha desde os 15 anos, sempre esteve atrelada a um homem e se anulando, se tornando uma cópia mal feita de seus amados. É hora de partir em busca de si mesma.

E é isso que Comer, Rezar, Amar é “a busca pelo equilíbrio, a busca por si mesma”. Li várias críticas ao filme e elas divergem. Uns elogiam, e citam o botox que supostamente a Julia Roberts usou, como se fosse relevante para a análise, outros, dizem que o filme é “chato” ou de “mulherzinha”. Só este último tipo de opinião já me faria querer assistir para tirar minhas conclusões. Mas a verdade quem diz é a mamma do professor (*lindo*) de italiano da Julia Roberts, ela é mulher, não pode sair por aí batendo perna, mas, se fosse homem, podia. Só por isso, por ser homem. O fato da jornada em busca de si mesma estar “no feminino”, parece agredir parte do público masculino. Este mesmo público que espera que nós, mulheres, sempre nos identifiquemos com as personagens masculinas e suas angustias. Ser uma mulher, entretanto, parece bastar para que a identificação se torne impossível. Simone de Beauvoir estava certa:
Os termos masculino e feminino só são usados simetricamente no registro formal, como nos documentos legais. Na verdade, a relação entre os sexos não se parece muito com aquela entre os pólos elétricos, porque o homem representa tanto o positivo quanto o neutro, como aparece no uso comum de homem pra designar seres humanos de um modo geral, enquanto a mulher representa só o negativo, definida por critérios de limitação, sem reciprocidade.
Espero que a citação tenha ajudado a entender meu ponto de vista. Isso quer dizer que eu estou dizendo que Comer, Rezar, Amar é um filme feminista? Em alguns momentos, sem dúvida, mas me irritou um pouco ver que, a maioria dos guias da personagem (*o xamã, o companheiro de retiro na Índia, o próprio Felipe) eram homens. A única exceção era a curandeira balinesa e sua linda filhinha. Aliás, que criança bonitinha! E que quase me fez chorar. Todos a aconselham sobre como encontrar o equilíbrio, que não pode estar fora, mas dentro dela mesma. Só que Comer, Rezar, Amar consegue preencher toda a Bechdel Rule com louvor e ir além: 1) Pelo menos duas das personagens precisam ser mulheres e terem nomes próprios – o filme tem várias mulheres personagens com nomes próprios, 2) Elas precisam conversar – há várias cenas em que mulheres conversam sobre os mais variados assuntos, 3) Sobre alguma coisa que não sejam homens – Idem. Quantos filmes você se lembra que conseguem preencher essas condições? Eu não vou lembrar de muitos, especialmente nos últimos tempos.

O filme foi criticado por algumas pessoas, por ser etnocêntrico, o olhar da mulher branca, reforçando estereótipos. Bem, é verdade que a Itália mostrada é o Centro-Sul (Roma-Nápoles), não o Norte. Mas é raro alguém retratar o Norte da Itália, berço de movimentos separatistas e racistas, salvo se for um filme sobre moda e der uma passadinha por Milão. Isso é clichê, mas como a própria senhoria da personagem de Roberts diz, as mulheres americanas vêm em busca de pasta e homens. A Lizz foi em busca de pasta. Homem não apareceu nenhum em sua vida. E há aquela cena libertadora com a amiga sueca sobre o prazer de comer e sobre comprar jeans maiores. Nem todos os homens são tão alheios a aparência das mulheres na intimidade como a protagonista sugere, mas é fato que o aprisionamento do corpo feminino a padrões de beleza é muito mais um trabalho da mídia do que uma exigência do homem comum. Abaixo a repressão! E como aquelas mulheres comem. Eu fui da fascinação ao estômago embrulhado. E, ah, o cinema! O engordar não é visível somente no nível discursivo. Depois da orgia toda, Julia Roberts e sua amiga sueca continuaram magrinhas, magrinhas.

Na Índia, compreendi aquele spa religioso muito mais como uma crítica ao comércio fashion da fé, que movimento muito dinheiro, do que uma ofensa à cultura indiana. Quantos ocidentais partem para este país em busca de “iluminação”? Eu poderia citar várias celebridades. É lá que Lizz encontra o texano que se torna seu amigo e a mocinha de 17 anos, indiana, que irá ser obrigada a se casar. Achei a parte chatinha no início, momento caminho das Índias, tão diferente da divertida passagem pela Itália, mas logo ela se revelou muito interessante. A jornada interior é angustiante, e o filme mostrou bem isso nessa parte. Inclusive a impotência da protagonista em ajudar a adolescente. Alguém vai me dizer que não há casamentos arranjados na Índia? Que não há desigualdade de gênero? Que não haveria estranhamento cultural entre uma americana (classe média alta, liberada, de Nova York) que fosse para o país viver uma experiência religiosa que inclui esfregar o chão? O fato é que Lizz termina se encontrando um pouquinho, aprende a se perdoar. Mas sabe que ali não é seu lugar. Dispensaria a ceninha com o elefante, mas essa parte se mostrou muito reveladora.

E voltamos para Bali. Aqui, ela reencontra o xamã, que lembra o mestre Yoda, e é de uma gentileza só, diferente da sua esposa que só repete que a americana precisa de um homem. Aliás, essa de precisar de um homem se repete na Itália, também. Mas ela parece nãos e importar. Mas como tem “amar” no título, você sabe que ela vai encontrar alguém. Além do xamã, o destaque dessa parte é a curandeira e sua filhinha. Uma mulher que ousou se divorciar do marido e que paga caro por isso. Ela era espancada e acaba seguindo o conselho da filha, que na época só tinha 4 anos, “mamãe largue esse homem”. Essa é uma cena excelente do filme. Entretanto, exatamente porque as leis da Indonésia, Bali é um enclave hindu em um país muçulmano, são derivadas da sharia (não fui checar, mas não me surpreenderia se o filme estivesse certo, por causa de outros exemplos), a mulher quase perdeu a guarda da sua filha, pois a tendência é dar a guarda ao pai. Teve que vender tudo para pagar um advogado e provar que o marido era abusivo. Será que mostrar isso é etnocentrismo? Eu discordo. Só que dessa vez a protagonista pode ajudar, levantando recursos para ajudar a mulher e sua filha. E aprendeu que se ajudar é, antes de tudo, ajudar a todos. Daí o trocadilho com o nome da menina “Tutti”, que em italiano pode dizer “todo mundo”.

Ponto complicado do filme foi colocar Javier Bardem como brasileiro. Será que não poderiam importar um ator aqui do Brasil? Bardem é ótimo, mas seu português é sofrível e tive a impressão de que ele oscilava entre um sotaque de Portugal e um esforço legítimo de parecer brasileiro. Bem, o cinema americano já pintou brancos de negro, vermelho e amarelo, um espanhol competente fazendo um brasileiro não mata ninguém. Foi com ele, Felipe que Lizz reencontrou o amor. Mas o arranjo dos dois é diferente de um casamento tradicional e isso me animou um pouco. Não gostei da tutela amorosa do cara e, por isso, que a explosão de Lizz “não me diga como me sinto ou o que devo fazer”, ainda que movida pelo medo, também teve uma função libertadora. Eu sentiria falta disso, o problema é que a personagem do Bardem estava certa. Então, vejam bem, o filme acerta muito, tem momentos feministas, mas, definitivamente, não é um filme feminista.

Para terminar, lamentavelmente, terei que ler o livro. Parece que está em promoção na Saraiva e eu devo ir na Cultura hoje... Enfim, vou ver o que faço. Destaque do filme para a atuação da Julia Roberts, talvez lhe renda uma indicação, mas não deve lhe dar o Oscar. Os coadjuvantes – a curandeira, sua filha, a moça indiana, a amiga negra da protagonista, a amiga sueca, os carinhas italianos, o amigo texano que começa um bully e depois se torna um cara legal, o xamã... – todos estavam muito bem, e todo mundo pode atuar um pouco. A fotografia também é um dos trunfos do filme. Já a mensagem de autoconhecimento, de busca por si mesma, vale para todo mundo. Obviamente, para ir à Itália, Índia e Bali é preciso ter o dinheiro que a personagem tem, e isso eu não tenho. Gostei ainda mais do filme, porque ele falou para mim, e, claro, o que eu entendi da mensagem não me tranqüilizou muito, não. Semana que vem tem Tropa de Elite 2, e esse eu não perco por coisa nenhuma no mundo.

5 pessoas comentaram:

Não vi o filme, não li o livro (confesso que não tive curiosidade), mas ao ler sua resenha, tenho que deixar um comentário a respeito de um detalhe da história; uma coisa geralmente presente nesses filmes, que uma amiga outro dia destacou e me fez pensar a respeito.

Porque nesses filmes e livros, a mulher pra se encontrar sempre tem que viajar?

Não que ela não possa, longe disso! Acho válido. Mas percebi que é uma constante, chega um momento que se torna enfadonho... tem vários livros e filmes que uma mulher pra dar uma guinada na vida ou se reencontrar, precisa largar tudo e sair na louca pra se encontrar.

Isso deve ser uma metáfora para a libertação, cortar as raízes, fazer o que não se espera que uma mulher faça e coisa e tal...

Mas e as mulheres que não tem a opção de fazer isso? Que precisam se reencontrar, mas não podem "largar tudo", por falta de dinheiro, por terem um filho pra sustentar, pais de quem cuidar?

Gostaria muito de ver uma história um dia sobre mulheres que se redescobrem e dão guinadas na vida, independentes de achar ou não um homem, mas levando em conta as limitações que a própria vida coloca. E passando por cima delas, de forma realista, e não "mágica".

Não sei se consegui expressar bem o que quis dizer. Adoro viagens e acho que podem dar histórias incríveis. Só acho que não são a única solução pros problemas da vida, assim como arrumar um homem também não XD

Eu entendi. Já viu Julie & Julia? tem o livro, também. A autora se encontra sem precisar sair para passear, nem achar um home, ela precisa encontrar uma tarefa que preencha a sua vida e este é o ponto d epartida. No Clube de Leitura de Jane Austen, as personagens se encontram lendo Jane Austen. O filme é um pouco diferente do livro, mas é mais ou menos assim. Acho que essa história de clichê é exagero. Mas eu não costumo ler chicklit, leio muito pouco mesmo, e já lembrei de dois sem ter viagem. Isso se eu não incluir O Diabo Veste Prada, que também fala de encontro consigo mesma.

O trailer do filme me deixou com vontade de assistir, sua resenha aumentou a minha vontade. De um modo geral eu gosto de filmes mulherzinha, o último que eu assisti foi "Delírios de consumo de Becky Bloom" que eu achava que seria uma comédia idiota e fútil, mas me surpreendeu bastante, ainda assim não pretendo ler o livro. Assisti "O Diabo veste Prada" e amei o filme, Meryl Streep estava ótima, li o livro e me decepcionei com a protagonista mimada e insuportável, acho que é um dos raríssimos casos em que o filme é muito superior ao livro em que se baseou.

Bom, a questão dela se encontrar viajando acho que se deve porque isso era o sonho dela, vide quando ela mostra a "caixinha" dela. Cada um tenta "se encontrar" de algum modo... e quer modo mais simbólico de se conhecer algo diferente como viajar. Só o fato de eu pegar o caminho mais longo, um caminho diferente para a faculdade aqui na cidade parece que me deixa mais... tranquilo. Mas não falo como mulher XD mas sim como uma pessoa qualquer.
Bem, eu não sei o que qualifica um filme como feminista de fato, mas considerando alguns lançamentos por aí, esse me pareceu até bem feminista. E divertido. E libertador.

Assisti o filme, no começo eu senti vontade de ir embora, a protagonista é uma babaca de marca maior (pelo menos no começo do filme), a sensação que eu tive era de que ela era uma pessoa bem sucedida em tudo que teve uma crise de tédio e resolve dar aloka e sair por aí viajando. A parte da Itália foi uma das melhores e só não larguei o filme por causa dela, o eye-candy, Giovanni ajudou (xD). Depois ela foi pra Índia e eu fiquei bem feliz quando ela teve que lavar chão, vai riquinha mimada, aprenda o que é humildade. Depois a parte de Bali foi bem divertida, a atriz que interpretava a brasileira mandou muito bem, deveria ter tido mais algum destaque, o Javier Barden de brasileiro é um fracasso, esse papo de que brasileiros beijam os filhos na boca? Só se for classe média alta pra cima e param com o hábito depois que a criança é grandinha... Pois é, o Javier Barden estava certo novamente, mas é q personagem da Julia Roberts era muito babaca, não tinha como ela estar acertar.

No fim das contas o filme é legal, só não gosto da protagonista, ela me parece uma riquinha mimada entediada com a vida que não se importa com ninguém além dela mesma (aliás, ela disse isso para a amiga negra dela, né?).

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