quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Comentando Saiunkoku Monogatari - Volume 1 e 2



No último fim de semana, finalmente terminei a leitura dos dois primeiros volumes da edição americana de Saiunkoku Monogatari (彩雲国物語). É mais um daqueles casos em que algo me dizia que deveria ser interessante e eu precisava ir atrás. Muito bem, tinha começado a ler o mangá e assistir o anime meses atrás e parei, por excesso de trabalho e/ou falta de disciplina, nem lembro mais. Escrevo isso, porque estava gostando do material, mas interrompi a leitura. É o mesmo caso, por exemplo, de Koukou Debut, com o agravante de ter a série completa em casa. Como já não lembrava bem o que era mangá, o que era anime, voltei do zero. Definitivamente, eu gostaria muito de ver esta série lançada aqui no Brasil, seja pela arte, muito bonita e bem feita, ou pelas personagens, que são bem marcantes, sejam elas simpáticas ou antipáticas. Mas vamos lá:

Saiunkoku Monogatari começou em 2003 no formato light novel (livros curtos e com ilustrações). Sai Yukino é a escritora das 18 novelas, que chegaram ao fim no ano passado, e Kairi Yura é a ilustradora.[1]  Quando o mangá começou a sair em 2005, as duas mantiveram a parceria. O mangá começou na revista mista Beans Ace e, com a extinção desta, passou para a revista shoujo Asuka. Sucesso nesses dois formatos, Saunkoku teve duas séries animadas com duas temporadas de 39 episódios entre 2006 e 2008. Algo raro para um shoujo anime nos dias de hoje. O mangá continua em andamento no Japão e estreou bem nos Estados Unidos, recebendo a recomendação da YALSA (*veja artigo*).


Eu estou com os cinco primeiros volumes comigo e já avancei até quase o final do volume três. Pelo que vi até agora, apesar das protagonistas estarem presentes quase que o tempo inteiro, a história é muito mais ampla do que se desenha nos dois primeiros volumes. Por isso mesmo, o resumo que segue se aplica a este início. Saiunkoku é uma China idealizada, território que as autoras japonesas adoram vide, Fushigi Yuugi. 

As origens dessa nação repousam na jornada do jovem Gen Sou, que lutando com nobreza contra as forças do caos, atraiu a simpatia de oito sábios, seres mágicos cada um representando uma cor do arco-íris. Eles ajudam Gen Sou a fundar a nação e cada província, e seu clã local dominante, é renomeado de acordo com essas cores. Os sábios desaparecem do mundo, mas continuam vivos e presentes, podendo voltar a qualquer momento. Só que a história da série começa séculos depois...


Com a morte do imperador, seus filhos se mataram pelo poder. Há dois filhos sobreviventes, o segundo filho mais velho, que foi desterrado pelo pai, acusado de traição, e o caçula, Ryuki Shi, que é coroado imperador. Riyuki, agora crescido, é um jovem indolente, avesso ao governo e conhecido por suas práticas homossexuais. Ele é visto por muitos como um caso perdido. O Lorde Conselheiro Sho, primeiro-ministro do imperador, recorre então à jovem Shurei, membro do segundo clã mais nobre do reino, o Hong. Só que Shurei, filha de Shoka, funcionário respeitado e responsável pelos arquivos imperiais, e vive no limite da miséria, porque seu pai administra muito mal os recursos da família. 

O conselheiro Sho lhe oferece 500 moedas de ouro – uma soma altíssima – para que ela, uma moça culta, trabalhadora e altamente capacitada, se torne consorte do jovem imperador por seis meses e o ensine a arte de governar, disciplina e responsabilidade. Shurei aceita a responsabilidade pelo dinheiro, pelo desafio, e por saber que o imperador é gay... E, assim, a moça e seu criado, o fiel Seiran, penetram na corte interior – o Ooku desse reino de Saiunkoku – e tentam cumprir com seu dever.


Primeira coisa, Shurei é um dos destaques de Saiunkoku Monogatari e uma das protagonistas de shoujo mangá mais interessantes que eu vi nos últimos tempos. Ela é inteligente, culta, trabalhadora, com forte engajamento social, e um pouco tomboy, verdade, mas não é uma guerreira, ou assim parece, e não é chata. Admite gostar de dinheiro e percebe sua importância na vida das pessoas, naquele estilo “dinheiro não traz felicidade, mas pode manter sua barriga cheia”. 

 Ela é um pouco ingênua, claro, parece que é um pré-requisito para boa parte das protagonistas de shoujo, um pouco barulhenta demais (*especialmente no anime, claro*), e inexperiente em questões do coração, mas isso não chega a ser um grande defeito. O legal é que através da personagem se discutem questões de gênero. Shurei teria todas as condições de fazer a prova para o serviço público – concurso público é invenção chinesa – mas ela não pode. Motivo? Ela é mulher.


Shurei questiona esse absurdo e, como não pode mudar as leis, ela se torna professora (*e faz muitos bicos estranhos*). No anime, ela chega a dizer para uma de suas alunas que talvez ela possa, um dia, ser o que ela não pode. Ah! Mas isso não acontece. Nesse exato momento, em nosso país, inexplicavelmente meninas não podem sonhar com a EsPCEx, com a AMAN, com a EPICAr, com o Colégio ou a Escola Naval. Capacitadas, ou não, elas estão excluídas simplesmente por serem MULHERES. E nem vou falar de religião, fico com instituições ligadas a esse nosso Estado Laico e mantidas com os nossos impostos. 

No volume 3 (*e não vou falar dele agora*), o jovem imperador começa a questionar essa lei, mas é avisado por seus conselheiros mais íntimos que mudar esse tipo de coisa não é tão fácil assim, mesmo para um monarca. Também, é interessante aquela cena que eu já vi várias vezes, a discussão sobre as mãos de uma dama. Shurei é uma dama, mais nobre que muitas no Ooku, mas ela tem mãos de trabalhadora, porque é isso que ela é. A primeira vez que vi essa discussão “você conhece uma dama pelas mãos”, foi em O Vento Levou, quando Scarlet O'Hara tenta enganar Rhett Butler, depois, isso aparece, também, em Os Três Mosqueteiros, pois D’Artagnan não reconhece que Constance não é rica ou nobre.


Já o jovem imperador, Riyuki, é uma caixinha de surpresas. Não vou dar muitos detalhes, porque posso estragar a leitura de muita gente, mas preciso dizer que ele tem uma melancolia encantadora e, claro, não é o que parece. Como Saiunkoku é uma dramédia (*mas algo me diz que com o andar da série é que a coisa penda mais para o drama e, talvez, até da tragédia mesmo*), a coisa é pintada em tons leves. O imperador acaba conhecendo Shurei e se apaixonando por ela... 

Talvez, venha a descobrir que ele já a amava antes de vê-la, pois a conhecia através de Shoka, o pai da menina, e dos bolos que ela fazia. Aliás, Shurei é boa cozinheira. Este atributo é raro em heroínas padrão de shoujo mangá. Submete-se à tutela exigente da moça, mas acaba por passar as noites no quarto dela. Como imperador, ele poderia fazer isso sem problema, só que ele usa como desculpa o fato de ter medo da escuridão e das noites solitárias desde que perdeu a única pessoa que o amou, seu irmão mais velho.


Percebam que é por isso que todas as noites ele leva um guarda para seus aposentos, despertando suspeitas sobre a sua orientação sexual. Embora o imperador negue, eu duvido que ele não seja tão virgem como Shurei. Ele finge mutias coisas (*e talvez a autora tenha exagerado nas competências do imperador*), mas nesse quesito... O problema é que, ao que parece, o romance deles vai se desenrolar muuuuuiiiiito lentamente. Mas é muito fofinha a relação dos dois, a forma como as autoras vão tecendo, palavras e imagens, e há uma outra cena clichê – afinal, já vi de Anatolia Story à Jane Eyre – que eu adoro. Quando o mocinho pede que a mocinha lhe chame pelo nome. Que pelo menos alguém deveria chamá-lo pelo seu nome. No caso do jovem imperador, fazia muito, muito tempo que ninguém o chamava de Riyuki... Na verdade, Riyuki teve uma infância muito, muito infeliz.

Só que o jovem imperador é extremamente desastrado e não sabe como agir com Shurei em questões amorosas/sexuais. Mas é bom ver romance e não necessariamente avanços pervertidos do personagem masculino principal. Já me basta Black Bird. Já Shurei achava que o rapaz era homossexual (*e se apega a isso como forma de proteger sua virtude*) e, apesar de não ser, se considera feia e grosseira. E, claro, existe um terceiro vértice nesse triângulo, Seiran, o fiel servidor de Shurei. Seiran é o irmão perdido de Riyuki e Shoka, pai de Shurei, o protegeu todos esses anos, assim como ao jovem imperador. Uma das coisas que descobrimos lendo Saiunkoku é que os sujeitos podem não ser o que parecem. Isso é ótimo, aliás.


No caso de Seiran, sabemos que ele é o príncipe perdido desde o início. Dizer que isso é spoiler é muita ingenuidade ou frescura mesmo. Só acho que ele é muito jovem, deveria ser um pouco mais velho para o bem da narrativa mesmo. Ele diz ter 26 anos, Riyuki tem 19, Shurei tem 16 anos. Ele foi expulso com 12 ou 13 anos pelo pai. Ainda que seja dito que a conspiração que resultou na punição do rapaz foi culpa do clã de sua mãe, ainda assim, ele era muito jovem... Mas liminaridade – essa obrigação no shoujo e no shounen de oferecer personagens com idade similar ou próxima ao dos leitores é sempre um problema. Seiran é como “André” da Rosa de Versalhes. Só que duvido que ele alimente algum sentimento por Shurei e se o fizer, irá sublimá-lo pelo bem do irmão. 

Obviamente, até que a coisa se resolva, Riyuki, principalmente, vai sofrer. Shurei ainda está intocada por essas questões. Ela ama Seiran como um irmão mais velho, e tem sentimentos fortes por ele, mas tem igualmente sentimentos fortes pelo imperador, só que não se considera digna de ser sua esposa. Já Riyuki vê na moça todas as qualidades que ele poderia buscar em uma mulher: caráter, inteligência, cultura, gosto musical, beleza. Só que ele não quer ser imperador, reinar, e, mais que tudo, não deseja magoar seu irmão. Vamos ver como as autoras desamarram isso.


Há outras personagens na história, claro. Algumas delas já rodam no segundo volume, quando é descoberta uma conspiração para matar Shurei. Há os dois jovens e brilhantes conselheiros do imperador – Shuei Ran e Koyu Ri – que parecem ter papel importante na história, além de enfeitarem os quadros. Mangá harém precisa disso, não é? O pai de Shurei já virou uma das minhas personagens favoritas. E há os conselheiros Sho (*medo*), Sa, e Rou. Velhos sobreviventes do governo anterior e que querem colocar Riyuki para governar de verdade. Todos eles têm seus segredinhos... 

Um dos sábios já apareceu na história e, bem, ele não tem interesse pelo bem comum, mas pelo bem estar do imperador. Isso pode implicar na morte de muita gente ainda... E há duas personagens femininas, a lindinha Korin, que parece fugida de um mangá da CLAMP, e a bela e elegante Shushui, que parece ser a governanta do harém do imperador. A falecida mãe de Shurei também faz aparição em flashback, ela é linda, de uma beleza sedutora mesmo, e não sabia cozinhar. Olhando a mãe de Shurei, talvez dê para entender o motivo da protagonista se achar feia...


De resto, achei que a trama do assassinato de Shurei poderia ter durado um volume a mais. Só que pensando no que aprece ser a estrutura do mangá, talvez as autoras tenham conseguido condensar bem em menos de dois volumes (*porque há uma side story no volume 2*) as revelações secretas sobre as personagens. Mas, ainda assim, queria pelo menos que a trama se estendesse até metade do volume 3. Por conta disso, no volume seguinte, infelizmente, Shurei e Riyuki pouco interagem. Ela vai embora depois de descobrir que Riyuki a enganou sobre suas competências e orientação sexual e ele se submete aos deveres de imperador. 

O confronto com seu irmão também não tirou dos ombros dele do peso do governo, muito pelo contrário. E o rapaz ainda se descobriu cercado de inimigos terríveis e amigos traiçoeiros. Fica no ar se Shurei foi embora por temer não ser digna do imperador, ou por achar o harém um lugar pouco estimulante e de ócio. Escrevo isso, porque um dos prazeres da moça durante o volume 1 e 2 foi ter acesso aos livros da biblioteca imperial, fechados para o mundo exterior e, claro, para mulheres como ela.


Eu recomendo muito a série. Não acredito que ela vá se tornar densa como Ooku de repente, mas acho que ela pode se aproximar da qualidade de Anatolia Story sem os defeitos que esta série tem. Só espero que o mangá não feche com 18 volumes como os livros, ou 22 se contarmos com os gaiden. Acredito que em 15 volumes, no máximo, a coisa já possa se encerrar com qualidade. E torço para o romance da Shurei com o Riyuki deslanchar, e, claro, que a mocinha não perca o seu senso de justiça social, sua inteligência e independência.

[1]Houve outras novels lançadas posteriormente.  A série de livros fechou com 22 volumes, em 2011.  Algumas ilustrações do post são das novels.

6 pessoas comentaram:

Poxa eu adoro Saiunkoku, e torço também para que o romance entre a Shuurei e o Ryuuki deslanche... em qual volume do mangá o Sa Sakujun aparece? Gosto muito dele apesar de ser um "vilão" da história...

Obrigada pelas resenhas Valéria! Eu que perguntei no Formspring sobre elas...^^. Eu gostei das suas colocações, especialmente da aproximação com Anatolia Story. Eu gosto muito das personagens deste mangá...são todas bem construídas...acho que me apeguei a elas já...rs
E eu concordo com você sobre os 15 volumes.

Amei a resenha, principalmente por se tratar de uma das minhas histórias favoritas. Eu morro de vontade de ler o light novel e também o mangá, visto que só assisti o anime, que se eu fizer um spoiler aqui me desculpe: mas não teve final. Justamente por que a história não havia sido concluída nem no light novel e muito menos no mangá que ainda está em andamento. Não sei como funciona essas diferenças. Tipo.. o que pode ter no mangá que não tem nem na light novel e nem no anime e vice e versa. A história é apaixonante e inteligente, a trama acaba se tornando complexa com o desenrolar da mesma. Tem uns furos sim, que ficam inexplicaveis, mas não ofuscam o brilho das autoras quando criaram . Se gostou do pai da shuurei, imagine quando conhecer o Kōyū Ri e o governador Ensei. São muito interessantes. Espero ler mais resenhas suas sobre Saiunkoku e concordo... to cruzando os dedos para que saia no Brasil também!!!

Eu gostei muito do pouco que vi desta série até agora. Como você eu cheguei a começar o anime, mas estive ocupada demais para continuar e não me lembro perfeitamente da história, só de que ela me agradou. Acho que depois de ler a sua review eu devo retomar com prioridade o anime. É muito bom que alguém com um blog conhecido como o seu comente esta série, porque possibilita que pessoas que não a conheçam (que devem ser muitas) possam se interessar por ela. E esta série é boa demais para ser pouco conhecida!

Terminei de ver o anime ontem, agora estou tratando de encontrar a light novel em algum lugar dessa internet. Alguma sugestão sobre onde encontrar??
Não entendo muito de inglês, começo a pensar em me obrigar a aprender só para saber mais dessa história maravilhosa!

Terminei de ver o anime a pouco e estou procurando o mangá para ler, porque o anime deixou muitos furos que eu acho que no mangá se explicam melhor.
Particularmente, acho a Shuurei uma chata idealista demais, no início eu havia amado ela, mas no decorrer do anime peguei um certo nojo. Principalmente quando ela encara a corte imperial para levar os médicos até a província de Sa. Na vida real a corte não concordaria com ela, iria privar mil vezes o imperador e nem permitiria que ela falasse naquele tom de voz(claro, é um anime e o autor faz o que quer, mas acho isso forçado, estamos falando da China antiga, e dogmas não são quebrados tão facilmente naquele período).
Algo que gostei muito, é que os personagens vão amadurecendo, a Shuurei volta a me encantar quando ela pesquisa sobre a morte de Jin, percebe que tem algo a mais e ela resolve não ir mai além daquela pesquisa, porque não era tão influente e seria despedida logo se ela descobrisse algo. Acho que foi uma escolha bem inteligente esperar conseguir um cargo algo e ter influencia para pode acusar oficiais de níveis mais altos que ela, afinal, ela é mulher e ainda sobre preconceito por ser oficial imperial.
Acho que o Tan-Tan é um dos melhores personagens, graças a ele a Shuurei conseguiu ver outros ângulos de cada situação, mas acabou que o Seiran ficou meio esquecido.
Não li o mangá ainda, mas espero que o Riyuki não fique com a Shuurei, rs.
Desculpe se fui grosseira de alguma forma.

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