segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

"Eu posso estar no lado dos anjos, mas não pense por um segundo que eu sou um deles": Algumas considerações sobre Sherlock Holmes



Estes últimos dias estou tomada pela sanha sherlockiana. Culpa do seriado da BBC, culpa dos meus amigos de Twitter (Kotsuki, Lord Anderson) e, claro, do meu apego antigo pelo detetive. Decidi reler alguns casos, e faz bem uns dez anos ou mais que não leio a maioria deles. Comecei pelo Problema Final, que foi usado tanto no último episódio da 2º temporada da BBC, quanto no último filme com o Robert Downey Jr como material para o roteiro. Neste caso, Holmes enfrenta seu nêmeses, Moriarty, e não tem outra alternativa a não ser se atirar para a morte junto com ele.

Uma das coisas interessantes que ambas as últimas adaptações fizeram é dar um diálogo ao detetive e Moriarty. No conto, Watson é estrategicamente afastado para que não sofra dano algum. Quando ele chega, não encontra mais o amigo com vida. Em ambas as produções, a da BBC e a do cinema, o duelo verbal e de interpretações entre Moriarty e Holmes foi um dos pontos altos. Não saberia escolher qual foi melhor, se o diálogo no terraço ou a partida de xadrez. Aliás, eu prefiro o Moriarty do filme ao do seriado e o Downey Jr. estava espetacular nessa seqüência, em um filme que foi cheio de altos e baixos. Mais baixos, que altos, na verdade...

De qualquer forma, algumas frases do seriado da BBC foram realmente interessantes: "You want me to shake hands with you in hell? I shall not disappoint you."/"Você deseja que eu aperte a sua mão com você no inferno? Eu não pretendo desapontar você.", certamente fica melhor em inglês e com a voz do Benedict Cumberbatch. E a outra frase, "I might be on the side of the angels, but never think for one second that I'm one of them."/"Eu posso estar no lado dos anjos, mas não pense por um segundo que eu sou um deles.", causa uma tremenda impressão, mas cai naquela visão equivocada que o povo tem sobre anjos. Anjos, os bíblicos, não eram fofos e meigos, os próprios demônios são anjos, aliás. Anjos bíblicos destroem nações, massacram crianças, lideram batalhas, usam armas... Ou seja, a frase é ótima, mas Holmes pode ser um anjo e ainda assim causar um grande estrago... Aliás, quero muito que ele mate um a um todos caras do bando do Moriarty.

Voltando ao conto original, que eu não lia fazia muito tempo, nele Holmes fala que tem "amigos". Veja bem, isso é uma contradição com o que é dito em As Cinco Sementes de Laranja, quando o detetive fala para Watson que só tem um amigo. Ainda que as duas idéias aparecem no seriado da BBC, não há contradição entre elas, afinal, o Holmes da BBC se finge de frio, mas tem várias pessoas que lhe são queridas. Falando na minha releitura, é engraçado ver as notas da versão da Zahar, porque elas são organizadas como se Watson tivesse mesmo escrito os tais contos. Daí, não é do original que sai a idéia de que Mycroft traiu o irmão (*o que eu considero um absurdo sem tamanho*), mas das especulações de estudiosos de Holmes e de romancista. Aliás, Conan Doyle deveria não dar a mínima para a coerência de datas e outros detalhes. Daí é engraçado os estudiosos ficarem quebrando a cabeça para dar sentido ao que não tem... Mas a gente usa o nosso tempo como quer, não é mesmo?

Nesses dias de Carnaval terminei revendo os dois primeiros episódios das duas temporadas. Confesso que revendo o episódio de Irene Adler (*sem chegar ao final ridículo, eu parei antes*) percebi que fui dura demais. O roteiro é mal amarrado, aquela Adler me enerva muito, mas foram tantas boas seqüências que, no geral, foi um episódio divertido. Já o primeiro da temporada de estréia está em outro nível de discussão. É excelente, afinal, é preciso começar com o pé direito. Já The Blind Banker, que também revi parcialmente, me pareceu muito pior ao ser revisitado. Não é um bom episódio, consegue ser menos estruturado até que o da Irene Adler. O Cão de Baskerville (*que virou uma base*) é melhor em termos de roteiro, mas tem menos cenas marcantes do que o episódio da Irene Adler em uma segunda olhada. Cita dois dos meus casos favoritos – As Cinco Sementes de Laranja e O Pé do Diabo – e isso foi interessante, mas cometeram várias gafes, inclusive a redução do papel feminino mais importante do romance original. Eu sei que compensaram com a Molly salvando o dia (*ainda que não saibamos como*) no episódio 3, mas, de qualquer forma, o seriado não oferece muito quando o assunto são personagens femininas marcantes... E como oferece menos do que os originais ofereciam, aí já viu, né?

Uma coisa que confirmei revendo o Cão de Baskerville foi que juntaram dois investigadores em um. Estava desconfiada que Lestrade tinha sido muito alterado, de um idiota em um investigador competente. Pior, a babaquice do Lestrade original foi transferida para a única mulher policial, por acaso o único negro da série... Mas já falei papéis femininos, não é? Amplie para minorias, agora. Pois é, o primeiro nome do Lestrade na série é "Greg". O policial que tinha respeito por Holmes e seus métodos chamava-se Gregson. Lestrade virou Greg(ory) Lestrade. Percebem a fusão?

Pois bem, para terminar, estou mergulhando no seriado As Aventuras de Sherlock Holmes da Granada Television. Ele é estrelado por Jeremy Brent (Holmes) e David Burke (Watson) durou de 1984 até 1994. A qualidade da adaptação dos contos é muito boa. Tenho certeza de que tinha assistido alguma coisa dele muito tempo atrás, acho que em, VHS, mas quem me reapresentou a série foi o Lord Anderson. Como acontecia muito, entretanto, Holmes nunca foi jovem, e olha que ele é a personagem fictícia mais adaptada para cinema e TV, ganhando de Drácula e Jesus Cristo. Salvo no Enigma da Pirâmide, na adaptação em que o Rupert Everett interpretou o detetive e nas mais recentes, a tendência era colocar sempre um homem de meia idade, às vezes mais, fazendo o detetive. Ora, nos primeiros casos, Holmes mal tinha 30 anos... Holmes não nasceu velho. E Watson, que foi quem ganhou mais nas últimas adaptações, não era baixinho, gordinho e lento de raciocínio... Enfim, mas recomendo a série com o Jeremy Brent, que já estava com 50 anos quando começou a fazer a série, pois é muito boa. Tem torrent com legendas em inglês de todas as temporadas. E é possível baixar com legendas em português, também, mas a qualidade dos vídeos é muito inferior.

Para terminar, caso você queira ler Sherlock Holmes, há uma multiplicidade de edições em nossa língua. Eu tenho várias desde a edição da Melhoramentos, passando pela da L&PM, a da Ediouro (que tem ilustrações de filmes antigos), até a nova, anotada, da Jorge Zahar. Queria a da Francisco Alves, mas esta eu não consegui comprar e acho desnecessário ficar garimpando em sebos só para ter mais uma edição. Não tenho espaço para coleções, infelizmente. Enfim, é possível comprar muita coisa no Estante Virtual, mas é preciso ter cuidado com as traduções ruins. Temos, por exemplo, a piada – repetida em vários livros – que é traduzir "dark", morena, como escura. Daí, a beldade do Cão dos Baskerville, Miss Stapleton, ser a inglesa "mais morena" que Watson já viu e, não, a "mais escura". E, em o Problema Final, lembro que em uma das edições que tenho, "armas de ar comprimido" foram transformadas em "armas aéreas". Enfim, se quiser comprar edições novas, recomendo uma visita à Livraria Cultura, ou ao Submarino que está com promoção dos livros da edição anotada em boxes com desconto (1 e 2).

P.S.: A imagem do post veio do Deviantart. Prestigie o artista.

3 pessoas comentaram:

Otimas considerações.

Concordo com muito do que falou sobre os defeitos das adaptações, mas é fato que grande parte da mitologia de Holmes foi criada nela.

É incrivel a vitalidade do personagem em suas varias reinvenções.

Gostei tb do comentario sobre os Anjos...eu sempre lembro as pessoas que a imagems de anjos como bebe fofinhos e meigos e uma bela distorção. rs

Que Holmes e Watson permanceçam populares por mais um seculo no minino :)

É, Anderson, eu acredito que a nova série e os filmes, também, estão traduzindo Holmes para as próximas gerações. E, claro, com vantagens para Watson que deixa de ser visto como foi pintado em vários filmes do século passado: um bobão. Seria bom se o pessoal parasse de especular e fosse atrás dos contos e romances.

Olá, sei que faz muito tempo desde que você postou esse artigo, mas gostaria de saber, na sua opinião, qual a melhor editora dos livros de SH? A que não modifica tanto e que as traduções sejam corretas... estou querendo comprar, mas estou em dúvida e na internet não encontro nada...

Obrigada!

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