sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Sobre Histórias Cruzadas e outros filmes inócuos...



Eu devo assistir Histórias Cruzadas (The Help) hoje. É um filme que eu estou esperando e que não pretendo assistir no computador ou em DVD. Acabei de ler a crítica da Folha de São Paulo ao filme e achei que valia a pena comentar. O título é o seguinte "Filme retrata preconceito de forma singela". Destaco um trechinho:
"Histórias Cruzadas" vem se somar a uma série de filmes hollywoodianos que tratam o preconceito racial de maneira inofensiva e, por seu bom comportamento, são agraciados com algumas indicações ao Oscar, em geral nas categorias de atuação. Nessa lista, estão "Conduzindo Miss Daisy" (1989) e "Tomates Verdes Fritos" (1991), entre outros. Filmes que arrancam lágrimas, mas não provocam incômodo; que colocam um band-aid para esconder o machucado, mas preferem não tratá-lo a fundo para não arder. Baseado no best-seller de Kathryn Stockett e dirigido por seu amigo Tate Taylor, "Histórias Cruzadas" fala da relação entre empregadas negras e patroas brancas e seus filhos no Mississippi dos anos 60, marcado por segregação racial e luta por direitos civis.
Não discordo que o filme possa até ser inócuo, confirmarei mais tarde, mas sabe o que os três filmes citados pelo autor têm em comum? São filmes protagonizados por mulheres e com um recorte intimista. Um deles, Tomates verdes Fritos, é abertamente feminista, sem concessões. É claro que quem acompanha Hollywood sabe da injustiça feita com Malcom X, por exemplo, um filme indigesto, que afronta, que não mede palavras... É o tipo de filme que a Academia tenta fingir que não existe. Mas, sabe, por que filmes com um enfoque intimista e no cotidiano são "inócuos"? Acredito que por serem filmes normalmente focados nas mulheres. E, bem, é no ambiente doméstico que as crianças desde pequeninas são bombardeadas com os valores e as desigualdades que irão reproduzir depois. Será que falar do "lar" é inócuo? "Indolor"? No máximo um filme "singelo"?

A crítica maior a esse tipo de filme é a seguinte – e quem me fez refletir sobre isso foi um professor na época de faculdade – eles sempre colocam branc@s ensinado aos negr@s como lutar. Assim, sozinhos os negros e negras jamais fariam qualquer coisa, eles precisam de uma caridosa e boa alma branca para fazê-los tentar mudar de situação, ou, simplesmente, pensar sobre o mundo. É o tipo de crítica que eu hoje faço a filmes com professores ao estilo Sociedade dos Poetas Mortos.... Mas não percamos o foco! Sabe qual filme ele usava como exemplo para discutir isso? Mississipi em Chamas. Pergunto-me por qual motivo o autor da crítica não o incluiu na lista. Sabe por quê? Ele é protagonizado por homens e, claro, não trata dessa coisa menor que é o lar, as relações familiares, do cotidiano. Na época, o professor nos recomendou que assistíssemos o excelente Assassinato no Mississipi, que mostra a história dos três militantes, um negro, dois brancos, um deles judeu, que são assassinados por terem ido ao Mississipi tentar organizar a luta pelos direitos civis. É o assassinato desses rapazes que desencadeia o filme Mississipi em Chamas. Só que no filme mais badalado, todos os negros parecem acovardados, precisando ser guiados pela mão pelos dois agentes brancos, Gene Hackman – o estereótipo do sulista branco "gente de bem" e "homem da lei" que não se acha racista mas acredita que as coisas são como devem ser – e Willem Dafoe – o estereótipo do nortista progressista de bom coaração que quer ensinar aos negros como lutar contra o racismo. E eles ficam furiosos com as injustiças contra os pobres negros e contra a mulher branca (coitadinha!) que sofre violência doméstica e se vingam dos racistas. Se vingam dos racistas, não mudam o sistema. Assim, tipo o que o autor da crítica aponta como defeito de Conduzindo Miss Daisy, Tomates Verdes Fritos e Histórias Cruzadas.

Agora, me digam, qual a diferença entre Mississipi em Chamas e os filmes da crítica da Folha? Entenderam? Filme com mulheres protagonistas é inócuo, filme com homens protagonistas é ótimo. Alguém, aliás, me disse de Histórias Cruzadas "Não espere um Mississipi em Chamas". Ah, tá! Entendi! Se você não viu Assassinato no Mississipi, que é, também, um filme protagonizado por homens, corra atrás do filme e veja que os negros não eram todos passivos e que o ativismo dos direitos civis não era somente coisa de nortistas brancos. E, claro, dê uma chance à Tomates Verdes Fritos que é muito mais um filme sobre mulheres brancas lutando para escolherem seu destino e recuperando a auto-estima do que um filme sobre racismo. E eu gosto de Mississipi em Chamas, acho um filme excelente, mas, bem, como discussão sobre direitos civis, ele é inócuo, talvez mais até do que esse Histórias Cruzadas. Mas, depois, eu confirmo.

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