domingo, 9 de junho de 2013

Comentando O Grande Gatsby (The Great Gatsby, 2013)


Ontem, fui assistir O Grande Gatsby (The Great Gatsby, 2013), porque meu marido estava com vontade de ver o filme.  É tão raro ele querer ver alguma coisa no cinema e como eu também queria ver, lá fomos nós.  Depois, claro, ele descobriu que tinha confundido O Grande Gatsby com Na Época do Ragtime e ficou muito frustrado, mas aí, já era tarde e pagamos caro por um espetáculo visual no qual a forma prevaleceu sobre o conteúdo.  O Grande Gatsby é um dos raros casos, que eu me lembre de ter visto, em que um diretor (Baz Luhrmann) quase conseguiu por a perder um filme que só tem algum valor graças ao desempenho do elenco.

Eu nunca li o livro e nem assisti outra das várias filmagens do livro, então, o resuminho terá por base o filme de 2013.  O filme começa em um ano indefinido com Nick Carraway (Tobey Maguire), o narrador, em um sanatório e contando ao médico suas memórias do verão de 1922, em Nova York.  O médico termina por sugerir-lhe que escreva e o rapaz coloca no papel a sua chegada à Nova York para trabalhar no promissor mercado de ações e a sua fascinação pelo misterioso vizinho, Jay Gatsby (Leonardo DiCaprio), um homem riquíssimo e conhecido por suas festas espetaculares.  Mais tarde, Carraway descobre que Gatsby havia tido um relacionamento com sua prima, Daisy Buchanan (Carey Mulligan), agora casada e traída pelo marido (Joel Edgerton), e torna-se cumplice do reencontro e romance dos dois.  Com o andar dos acontecimentos, a história acaba ganhando tons cada vez mais trágicos.


Baz Luhrmann é conhecido por Moulin Rouge, filme que nunca vi e não tenho vontade de assistir.  Não posso julgá-lo por ele. Só que, olhando sua ficha, acabei reconhecendo Austrália entre as produções do homem.  Ah, isso explica, pelo menos para mim, o desejo por oferecer um espetáculo visual deslumbrante, porém desprovido de conteúdo, e a presença de vários nomes australianos no elenco.  A própria escolha do 3D mostra o quanto para o diretor a forma é o que mais importa.  O uso da nova tecnologia não se presta a valorizar o filme, simplesmente, encarece o espetáculo e torna tudo ainda mais exagerado.  As festas de Gatsby, a mansão do milionário (*que mais parece um castelo de desenho da Disney*), tudo é desproporcional, irreal, mesmo quando o assunto é cinema.  

Os 30, 35 primeiros minutos do filme, antes de Di Caprio aparecer em cena, são quase insuportáveis e meu marido queria ir embora.  Cenas frenéticas, muita cor, cortes e ângulos que tinham como objetivo exaltar a competência da direção (*mas cujo efeito foi contrário*) e uma música totalmente fora do lugar.  Respeito quem goste de rap, de Jay-Z, e som altíssimo, mas era para termos jazz e Charleston.  Essa primeira parte do Grande Gatsby lembrou Maria Antonieta (*que eu nunca resenhei aqui*), só que sem o mesmo efeito relativamente satisfatório.  Daí, assim como em Austrália, que são dois filme sem um, a trilha muda e se adequa mais ao período.  O tamanho do filme só se justifica por exibições de tecnologia, som e imagem, que são absolutamente dispensáveis para contar uma boa história.


Aí, entramos no elenco.  Di Caprio, que estava realmente bonito no filme, e Tobey Maguire atuam muito bem, o mesmo vale para boa parte do elenco principal, como Carey Mulligan, Elizabeth Debicki e Joel Edgerton.   Isla Fisher, que faz Myrtle Wilson, amante de Tom Buchanan (Joel Edgerton), marido da personagem de Carey Mulligan, beira o caricato na tentativa do diretor de exagerar sua vulgaridade.  Só que boa parte da presença em cena da atriz se dá exatamente na péssima primeira meia hora de filme. Jason Clarke, que faz o marido de Mirtle e um dos agentes da grande tragédia, cumpre seu papel e nada mais.

O filme é bem sucedido em mostrar a opulência, ostentação e hipocrisia da alta sociedade americana nos anos anteriores ao Crack da Bolsa de Nova York (1929).  Muito desperdício, altos investimentos na bolsa, bebida alcoólica à vontade, mesmo com a Lei Seca.  Tanto o termo “Anos Dourados” (Golden Years), quanto “Anos Loucos” aparecem no filme, são dois rótulos que se aplicam a esta década.  Não há classes médias no filme, temos somente os muito ricos e os miseráveis do vale do carvão.  Outra questão muito bem desenhada é o antagonismo entre novos ricos, caso de Gatsby e seu sócio Meyer Wolfsheim (Amitabh Bachchan), e os velhos ricos, como os Buchanan.  Tanto de um lado quanto de outro da baía, os mesmos atos ilícitos eram praticados, os mesmos vícios compartilhados, porém, um Tom Buchanan, adúltero, alcoólatra, racista, canalha, se sentia muito tranqüilo e seguro para desprezar e espezinhar Gatsby, o novo rico.  Em nenhum momento é dito qual o negócio dos Buchanan, mas apostaria que a família esnobe será uma das que naufragará na Grande Depressão... 


O filme – e acredito que o livro – usa a figura de Gatsby para denunciar a frouxidão moral, travestida de valores puritanos, da alta sociedade americana, ilustrando como a figura do self made man, tão cara à cultura do país, poderia ser vista como um problema em certos círculos.  Gatsby é o homem que se fez por si mesmo, que lutou para chegar ao topo, primeiro por sua vontade de ir além, e, em seguida, empurrado por um amor impossível.  A fixação de Gatsby por Daisy Buchanan é doentia.  A moça, assim como lady Mary de Downton Abbey, não seria capaz de ficar por amor com o moço pobre ou mesmo com alguém sem pedigree.  

Gatsby pode ser fascinante, rico, lindo, inteligente, mas não tem berço e Daisy será sua ruína.  Fora isso, ele, assim como Buchanan, pouco se importam com o que Daisy deseja, ela é musa ou um objeto de exibição, não uma pessoa.  Em um determinado momento do filme, até parece que alguma discussão sobre o papel das mulheres será feito, afinal, a traída Daisy parece sofrer com sua condição de esposa-trófeu, e deseja que sua filha, Pammy, seja tola e não consciente da sua situação.  Só que, bem, contar uma história e fazer reflexões mais profundas não era interesse do diretor, ele queria espetáculo.  Acho que escolheu o livro errado... 


De resto, a história das personagens, suas motivações, características são mal desenhadas.  O passado de Gatsby é até contado, sempre com tons oníricos, exaltando as belas imagens, mas as outras personagens são pouco desenvolvidas.  Mesmo o protagonista, Carraway, fica um pouco frouxo.  Por que ele está no sanatório?  Como chegou lá?  E seu relacionamento com Jordan Baker (Elizabeth Debicki)?  A golfista, segundo li nos resumos do livro, era uma mulher livre, a típica moça moderna (flapper) dos anos 1920, e se tornaria namorada de Carraway.  Em nenhum momento o romance dos dois fica caracterizado e a golfista parece mais a amiga decorativa do que uma personagem com história própria.  

Enfim, mostrar belas imagens era mais importante para o diretor do que contar uma boa história e são 142 minutos muito mal utilizados.  O Grande Gatsby, de F. Scott Fitzgerald, é considerado um dos grandes livros da literatura norte americana.  Lançado em 1925, teve sua primeira adaptação para o cinema em 1926 e seguiu sendo reeditada de tempos em tempos.  Gatsby já foi Alan Ladd (1949), Robet Redford (1974) e o lindinho do Toby Stephens (2000) e eu duvido que uma história tão fascinante possa ser tão rasinha.  Culpa do diretor que quis fazer um espetáculo grandioso, cheio d e pirotecnia, e enfraqueceu a história.  Imagino que se o filme for indicado para algum Oscar, talvez Di Caprio consiga, o prêmio quase certo é de figurino, este, sim, espetacular.  E vale tanto para as roupas das mulheres, quanto para as dos homens (*as imagens deste post não fazem justiça ao deslumbre que é*).


Antes de terminar, convém dizer que o filme consegue cumprir a Bechdel Rule.  Temos mais de duas personagens femininas com nomes, que conversam entre si e, em algum momento, falam de outra coisa que não é um homem.  Mas não é nada empolgante... De qualquer forma, o centro do filme é Gatsby mesmo.  Como o filme não me empolgou, devo ver as versões de 1974 e 2000 para tentar montar uma visão mais favorável da história.  Quer espetáculo visual?  Assista essa nova versão no cinema.  O 3D é desnecessário e encarece a diversão, mas não há remédio. Aqui, em Brasília, não há sessões normais.  É pegar, ou largar.

4 pessoas comentaram:

Vou contar que até gosto de ver filmes com belas imagens, mas, realmente, a história ficou fraca e os personagens e suas motivações mal trabalhadas.

Gatsby, pela narração do Carraway, parece um cara legal, puro, etc. Mas, pela história, do meu ponto de vista, parecia um louco, complexado, sem noção de realidade.

Enfim, o filme me desmotivou a ler o livro...

Gatsby é um dos maiores livros em língua inglesa. Sério. Vale a pena.

Li esse livro no carnaval, nem imaginava q fariam filme dele. É ótimo. Quando descobri já fiquei com aquele pé atrás, quando vi as imagens e o quanto estão tentando empurrar o visual no lugar do que realmente importa no livro... Surgiu aquela dupla sertaneja: NÃOVI & NÃOVEREI. Ideia endossada pela opinião do Bill Maher: ‏Saw Gatsby. They've tried to make this into a movie like 5 times, and 5 times it sucked. Maybe its the book, Old Sport.

Valéria, gostei muito da sua resenha (^_^). Diferente de você, eu gostei bastante do filme. Não pelo enredo, mas pelas atuações e produção. Eu li o livro antes de assistir ao filme (adianto que não vi nenhuma das adaptações anteriores) e esta versão do diretor Baz Luhrmann ficou fiel em vários pontos. Também não entendi o Nick no sanatório O_o No livro não é assim. Creio que incluíram esse cenário por conta da Zelda (esposa de Fitzgerald). Também achei um ponto negativo não terem desenvolvido a relação entre Nick e Jordan Baker (é a personagem feminina mais interessante). Pelo que li (não me recordo da fonte) a frase e desejo de Daisy em querer que sua filha seja uma tolinha, foi dito por Zelda no nascimento de sua filha. Leonardo DiCaprio como Gatsby ficou incrível! Também detestei as músicas e foi pelo mesmo motivo que você. Abraços!

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