segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Comentando o curta-metragem Majorité Opprimée (França/2010)


A atriz e diretora francesa Eléonore Pourriat fez, em 2010, um curta-metragem muito interessante chamado  “Majorité Opprimée” (Maioria Oprimida) sobre como seria uma sociedade dominada por mulheres na qual os homens fossem submetidos à assédio sexual, múltiplas violências, diminuídos nas suas capacidades e por aí vai... Sabe aquilo que toda mulher conhece bem, ainda que não tenha passado por tudo isso, ainda mais no mesmo dia?  Sim, o filme acompanha um dia na vida de um sujeito, Pierre, a partir do momento em que ele sai do seu prédio seu drama começa.  O vemos deixar o filho na escola paternal, nos indignamos com o assédio que ele sofre nas ruas, com o estupro e a insensibilidade das autoridades e de sua esposa.  

Segundo a própria diretora, o filme veio “(...) da minha experiência como mulher nos últimos 40 anos. E da incredulidade dos homens quando eu lhes contava sobre os comentários e comportamento de alguns homens na rua, no colégio, no transporte público, em todo lugar, na verdade.”  Ela conseguiu caracterizar muito bem a coisa, usando, claro, o modelo de sociedade invertida.  Será que algum machista se sensibilizou?  Quem sabe... O filme está aí embaixo, áudio em francês, legendas em português:



Enfim, são 11 minutos angustiantes e com uma excelente trilha sonora.  Eu daria nota dez se não fosse um grande, muito grande mesmo, problema. Lá pelas tantas no vídeo, o filme coloca que machismo e feminismo como equivalentes e o protagonista reclama de como é terrível viver em um mundo feminista... Um... Apesar de muito perspicaz na sua observação dos abusos aos quais as mulheres são submetidas, a autora parece não entender de feminismo.  Os feminismos não almejam a superioridade das mulheres sobre os homens, mas a construção de um mundo melhor e mais justo para tod@s.  Mesmo as vertentes feministas mais radicais defendem, no máximo, que as mulheres, que assim quiserem, possam ter espaços próprios, sem a presença masculina... Enfim, eu usaria “sociedade matriarcal”, não feminista.  De qualquer forma, o vídeo é ótimo, consegue ser feminista na abordagem do problema, mas dá essa super derrapada.

A idéia da inversão com o intuito de provocar a reflexão, não é nova no cinema.  Um exemplo é o filme A Cor da Fúria (White Man's Burden), de 1995, com John Travolta.  A película mostra um mundo no qual os negros exercem os cargos de mando, tem o dinheiro e os brancos vivem uma  vida miserável.  Vendo um homem branco passando por agruras que os negros passam todos os dias, talvez faça os racistas refletirem.  Mas vejam que usei o masculino específico, não o universal.  As mulheres ficam à margem no filme, trata-se de uma película sobre as relações desiguais entre homens do sexo masculino.  Mulheres são vistas a partir do lugar que seus homens ocupam, mais do que por si mesmas.



Um dos erros que muita gente comete – e as feministas marxistas francesas dos anos 1970 desconstruíram muito bem – é inserir as mulheres na classe social de seus maridos.  Um escravo pertence à classe social do seu senhor, perguntaram elas.  Não, óbvio que não.  As mulheres, mesmo as privilegiadas, tinham um pertencimento social condicionado ao lugar de seu pai ou marido, não do seu papel como sujeito.  Ah, mas há exceções!  Sim, mas pense na estranheza que ainda causa uma mulher que se define sem a necessidade de um homem, pior ainda, aquela que é tão poderosa que define o seu homem.  Horror!  Horror!  Christine Delphy e Colette Guillaumin estabeleceram que para além do sistema de classes sociais, existe a coesão da classe dos homens, que Tânia Navarro-Swain define como uma “ampla coalizão em um sistema histórico e social, o patriarcado, que lhes confere “naturalmente” autoridade, prestígio e a posse das mulheres também enquanto classe”.”

No filme, é possível ver essa idéia de “classe dos homens” invertida em ação quando mesmo a esposa do sujeito-vítima se coloca contra ele ou no assédio feito ao sujeito simplesmente por ele ser um homem desacompanhado na rua.  As mulheres passam por isso todos os dias.  Será que algum homem ficou tocado pelo filme?  De resto, foi muito criativo o uso da câmera e a escolha do protagonista.  O ator que faz o papel principal, Pierre Bénézit, não é um sujeito bonitão, é um cara comum.  E, bem, ainda assim, simplesmente por ser homem, ele é assediado... Sim, basta ser homem!  E, quanto à câmera, ela usa enquadramentos que objetificam o sujeito.  Por exemplo, quando a personagem está de bicicleta o foco está na sua bunda... Alguém já viu isso acontecer com alguma atriz em filme?  Ah, sim!  E há ainda o professor muçulmano da escola paternal explicando por qual motivo usa véu e raspa barba e bigode... 



Recomendo muito esse curta.  É um material muito bom para reflexão, apesar de errar feio ao colocar feminismo e machismo como opostos equivalentes.

8 pessoas comentaram:

Tem também o “Acorda, Raimundo”, de 1990, com o Paulo Betti e a Eliane Giardini. Esse eu vi na faculdade há alguns anos.
Tem no Youtube aqui: https://www.youtube.com/watch?v=HvQaqcYQyxU

Vou ver o curta, apesar do fato dele colocar machismo e feminismo como opostos equivalentes... Putz! Que erro mais gritante e infeliz! Será que a autora se considera feminista, estudou alguma coisa sobre o assunto? Não sei se recomendaria a alguém com preconceitos em relação ao feminismo, por que mostrar feminismo e machismo como equivalentes só vai reforçar a visão da pessoa que ambos são excessos a serem combatidos (adivinha qual movimento em geral a pessoa quer combater/se incomoda mais???)

Enfim, o curta parece ser genial apesar do banho de água fria...

Não entendi o final, de quem ela tava ouvindo aqueles gracejos?
Massa até o curta, e acho que sociedade matriarcal é um bom modo de defini-lo e pena que o filme não é um pouco mais comprido pois aí poderia ser explorado mais o tema.

Não entendi o final, de quem ela tava ouvindo aqueles gracejos?
Massa até o filme, acho que voce o definiu bem ao escrever que ele retrata uma sociedade matriarcal e não uma sociedade feminista.

Olá!

Perdão, mas a diretora não chama de "feminismo" e sim de "femismo". Na legenda, não é erro de digitação. Femismo é o equivalente a machismo. Seria legal uma errata por parte do blog.

Abraços!

Guilherme, levantada a dúvida, já que eu coloquei essa versão legendada em português sem assistir, para ajudar os frequentadores, fui rever em francês. Também,fui confirmar, tinha 99,999...% de certeza, que a palavra "femiste" inexiste em francês da França, talvez no Quebec, mas a diretora é francesa mesmo. No filme aparece feministe. quem legendou em português quis consertar, colocando essa palavra - femista - usada na internet do Brasil.

Eu não tenho, portanto, errata a fazer, salvo se houver uma entrevista da diretora - não comentário de quem legendou em português, porque comentar, eu comentei, também - explicando-se. você tem o link?

É isso. Não gosto de usar o termo femismo, ainda que reconheça que há paradigma na língua portuguesa para construí-lo. Prefiro, como fiz no meu texto, discutir o termo usado e propor que o mais adequado seria matriarcado.

De resto, agradeço a sua atenção. Me fez confirmar que femismo não existe em francês e que meus ouvidos não me enganaram.

A folha de são paulo fez uma entrevista com a diretora:

http://www1.folha.uol.com.br/saopaulo/2014/03/1422124-diretora-de-viral-sobre-opressao-diz-que-debocha-do-machismo.shtml

Pois é, Débora, ela se diz feminista. OK, pelo filme, eu acredito. Mas o que ela coloca no filme é o home reclamando da sociedade feminista. é o que é dito em francês.

E obrigada pela entrevista. :)

Related Posts with Thumbnails