segunda-feira, 3 de março de 2014

Algumas considerações sobre o assédio moral sofrido pela mangá-ka Yuu Watase


Eu estou com o link do ANN aberto faz, sei lá, umas três semanas.  Apesar de ser “notícia velha”, acho que vale a pena fazer algumas ponderações.  O fato é qualquer post mais complexo sempre pode demorar muito a sair desde que minha filha nasceu.  Falando nisso, espero terminar antes que Júlia acorde.  Vamos lá!

Yuu Watase é bem conhecida no Brasil e teve algumas das suas obras publicadas aqui, Fushigi Yuugi  (ふしぎ遊戯) e Zettai Kareshi (絶対彼氏。) pela Conrad, e Arata Kangatari (アラタカンガタリ ~革神語~) pela Panini.  Trata-se de uma das mangá-kas mais importantes do momento e com uma carreira que começou em 1989.  Recentemente, ela fez um post relatando o assédio moral sofrido por ela; seu editor a obrigava por meio de pressões diversas a refazer várias páginas da sua série.  Isso aumentava o stress da autora e das suas auxiliares, porque, bem, Arata é publicado semanalmente e é o primeiro shounen da autora.


Cansada, deprimida, com o mangá se desviando daquilo que ela havia planejado, beirando o atraso, a autora descobriu que o tal editor fazia o mesmo com outros mangá-kas sob sua supervisão na  Weekly Shonen Sunday.  O post da autora, que foi retirado do ar, mas está aqui on line, não relata quais mangá-kas estariam na mesma condição, imagino que não uma Rumiko Takahashi ou uma Hiromu Arakawa, ou ainda um Mitsuru Adachi, seria inimaginável para mim que um desses figurões pudesse ser intimidado desse jeito.  Mas o fato é que Watase não estava sozinha e o sujeito acabou demitido e todos respiraram aliviados.

Como não se diz quem são os mangá-kas, como citei, há gente muito importante publicando há décadas na Shonen Sunday, não é possível saber se houve questões de gênero envolvidas.  Se o editor intimidava autoras e, não, autores.  Sabe-se que o editor era homem e ponto.  Talvez, um sujeito ressentido por não ter conseguido ele mesmo, se tornar mangá-ka e tentando fazer suas histórias através de outros.  Uma das coisas que Watase relata é que ele parecia acreditar que seus leitores e leitoras era idiotas.  Agora, algo que me choca nessa história toda, e que aponta para a fragilidade de Yuu Watase, não como autora que vende, cujas séries são transformadas em anime e dorama, mas como pessoa, ou mulher, é alguém tão experiente e bem sucedida se deixar intimidar por um editor.  Ela poderia publicar em qualquer lugar, isso, acredito, é indiscutível, não precisaria se submeter às tiranias de ninguém.  Será que sua insegurança veio do fato de estar fazendo o seu primeiro shounen?  Acontece, mas é triste.  Não posso fazer inferências de gênero mais concretas, porque, bem, não sabemos quem mais era vítima do sujeito.


Agora, falando da questão do editor, trata-se de uma figura-chave no sistema, isto é, na indústria de mangás.  A gente não pode acreditar que um autor de mangá trabalha sozinho, mesmo, caso raro, quando ele ou ela não tem assistentes, existe um editor ou editora, alguém com quem você troca idéias, que faz sugestões e, em alguns casos, pode vetar uma coisa ou outra.  Editores, às vezes, levam o mangá-ka para o hospital, ou o médico até ele, trazem comida quando estão em cima dos prazos, enfim, eles e elas têm múltiplas funções.  Eu acredito que o papel do editor é importante, não raro – e vocês podem ver isso nos freetalks da própria Watase em Fushigi Yuugi – ele pode ser um bom suporte para um autor novato ou que não tem muita noção da realidade... Há mangá-kas que quando eu pego a história logo penso “Está faltando editor!  Essa sujeita precisava de alguma trava/orientação/auxílio.”.  

O fato é que esse tipo de caso mostra bem o quanto é falaciosa essa coisa de que o mangá-ka tem pleno domínio de sua obra.  Raramente tem e se tem, algumas vezes acaba tendo que sair da revista ou parar o trabalho.  Lembro da entrevista que traduzi com Riyoko Ikeda de como ela teve que insistir na viabilidade de um mangá histórico para meninas – o editor achava que História não interessava às garotas – e do ultimatum para que terminasse a Rosa de Versalhes em X semanas depois da morte de Oscar.  Ela obedeceu, claro.  Já li em artigos do Matt Thorn sobre o efeito daninho de certos editores sobre jovens autoras, especialmente, quando tentam impôr a sua vontade e castram a criatividade das mangá-kas, possibilitando a criação de shoujo mangás medíocres em série.  Tipo “mais do mesmo”.


É isso.  Leiam o post do ANN, acho que vale a pena.  Eu dei um resumo da história que, pelo menos até o momento, teve final feliz.  O editor malvado foi embora e Yuu Watase retomou o controle e o gosto por sua série.  Imagino, o quão freqüente isso deve ser e o estrago que esse tipo de mau profissional é capaz de fazer.

2 pessoas comentaram:

Interessante...

Eu comecei a ler Arata, mas acabei abandonando o mangá quando comecei a sentir que ele estava se tornando muito "genérico", muito "mais do mesmo"...

Já é complicado fazer mangá... imagina sob pressão?

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