quarta-feira, 29 de julho de 2015

Novelando: Comentando os primeiros Capítulos de Além do Tempo



Assisti aos primeiros capítulos de Além do Tempo, a nova trama das 18h da Rede Globo.  Na verdade, esse texto deveria ter saído faz pelo menos uma semana, afinal, a novela daqui a pouco faz um mês no ar.  Enfim, sendo uma novela de época, tinha que dar uma olhada, mesmo não tendo boas lembranças do trabalho de  Elizabeth Jhin.  Além do Tempo, pelo menos a sua parte “novela de época”, já que teremos uma segunda fase nos dias de hoje, é simpática, tem alguns segredos a serem revelados e um bom elenco com possibilidades de superar até as limitações impostas pela história e pelo horário, melhor ainda, a resposta da audiência tem sido muito boa para o padrão atual das novelas das seis.  Mas vamos lá, a trama central é a seguinte: 

Final do século XIX, Sul do Brasil. Lívia (Alinne Moraes) e Felipe (Rafael Cardoso) são de classes sociais distintas: ela é uma jovem humilde, obrigada a viver no convento da cidade por imposição da mãe, Emília (Ana Beatriz Nogueira); já ele, um nobre Conde, sobrinho-neto da poderosa Condessa Vitória (Irene Ravache), às vésperas de subir ao altar com a bela Melissa (Paolla Oliveira). A família da Condessa vai de São Paulo para o Sul inspecionar umas terras que a poderosa mulher pretende vender e isso possibilita aos dois se encontrem por acaso e se apaixonem instantaneamente, o jovem inclusive acredita que sempre a amou, obviamente, a partir daí irão enfrentar inúmeros obstáculos.  O que somente a mãe de Lívia sabe é que a moça é neta da terrível Condessa.


Além do Tempo não tem nada de novo ou genial, não é espaço para experimentações narrativas ou estéticas como Meu Pedacinho de Chão ou Cordel Encantado, mas escalou um bom elenco, tem um figurino primoroso, fotografia muito bonita e (pasmem) mantém boa conexão com questões normalmente negligenciadas, como o racismo explícito, as hierarquias sociais e os pronomes de tratamento.  Mais ainda, é uma novela com forte elenco feminino e centrada nas mulheres, suas vidas, seus dramas, suas maldades, seus amores, etc.  Outra vez, nada que não tenha sido visto, será a interação do elenco que poderá fazer com que Além do Tempo se torne lembrada ou seja esquecida.

Até o momento, dentre os protagonistas, o desempenho de Ana Beatriz Nogueira, como a amarga Emília, é que me parece mais marcante.  A atriz não foi talhada para fazer boazinhas e sua personagem é a mais complexa, pois reúne dentro dela amargura, ódio, amor possessivo pela filha, coragem. Sabemos que ama a Lívia, mas não sabe expressar este sentimento, já que teme pela segurança da moça.  É dura, cruel até, com a moça.  Alinne Moraes é boa atriz e as duas conseguiram ótimas cenas.  Já Lívia sozinha, ou com outras personagens, ainda não mostrou muito a que veio, quer dizer, a personagem deve ganhar mais consistência (*ou não*) com o desenrolar da trama.  Sair do espaço do convento já começou a ajudar a personagem a crescer e parece que ela deve chorar muitas e muitas lágrimas ao longo da trama.


Já Irene Ravache me pareceu muito exagerada nos primeiros capítulos, depois, ou me acostumei com ela, ou ela se apropriou da personagem, não sei.  Sua Condessa Vitória é uma mulher capaz de tudo, tudo mesmo, e sem mover mais que um ou dois músculos do rosto.  A cena dela matando uma cobra serviu para ilustrar sua força e depois ainda deu um esporro no capataz/capanga/whatever, Bento, interpretado pelo excelente Luiz Carlos Vasconcelos, para que parasse de fazer drama, pois ela já tinha acabado com a peçonhenta.  Anteontem – não vi o capítulo de ontem – Ravache foi fantástica ao expressar seus sentimentos em um close de rosto ao entrar no quarto do sanatório onde algum segredo da trama se esconde.  Não sei se foi revelado, não fui atrás de spoilers, mas se foi, acho muito cedo.  A cena, no entanto, trouxe para a personagem da Condessa uma nuance de carinho até então não vista e rompeu um pouco com o maniqueísmo.

De qualquer forma, ainda acho o tom da personagem, sua frieza e crueldade, um tiquinho acima do tom, mas a interpretação de Irene Ravache ajuda a salvar as coisas.  A Condessa é dura com todos, distante mesmo com o sobrinho-herdeiro, por isso mesmo, é difícil entender a ligação e carinho da personagem por Melissa, a vilãzinha interpretada por Paolla Oliveira...  Melissa é untuosa com a Condessa, faz caras e bocas infantis, e mal consegue disfarçar seu tédio em alguns momentos. Ofende a mãe, deseja internar o filho do noivo, trata mal as criadas, é racista, etc.  Ela tem todos os vícios. Fora isso, ela se atira de forma pouco pudica para cima de Felipe e a Condessa, apegadíssima às tradições, nem parece se incomodar.  Ou há um segredo a ser revelado, ou é incoerência sem tamanho.  Além disso, o que é aquele batom cor de uva?  É ação de merchandising, porque não faz sentido algum dentro do contexto da história...  


Eu preferia que a personagem tivesse sido dada para a excelente Letícia Persiles.  Paolla Oliveira está linda, melhorou como atriz, mas acho que a personagem está exagerada.  Lobo em pele de cordeiro, mas com tanta cara de loba que não enganaria ninguém.  Falando ainda no povo “do mal”, Pedro (Emilio Dantas) irá se corromper para tentar atingir seus objetivos, isto é, conquistar Lívia.  Já e viu que mentirá, prejudicará e fará de tudo.  Deve se aliar à Melissa em algum momento.  De resto, ainda é racista, e deve rejeitar Carola (Ana Flavia Cavalcanti) por ela ser negra, e se acha melhor que os outros.

Continuando com o elenco de apoio, ele é muito bom, e aí reside um dos fortes da novela.  Nívea Maria está ótima como a governanta de confiança da Condessa que, ainda assim, é espezinhada por ela e não perdoa o fato de seu filho, o educado e bom caráter Afonso (Caio Paduan) ter sido reduzido à “valet de chambre” do conde.  Imagino que o rapaz vá se libertar disso em breve.  Outra que está muito bem é Carolina Kasting, que outrora era escalada para protagonista de novelas, e que faz a cozinheira que lidera uma greve contra a demissão do jardineiro negro, Raul (Val Perré).  Foram boas as cenas e é outra personagem com segredos, pois algo em seu passado a liga o jagunço Bento.


As questões de gênero estão em discussão em pelo menos duas sub-tramas.  Uma delas é a do assédio de Bento à Anita, a criada interpretada por Letícia Persiles, e sua chantagem em relação à Rosa.  Denunciado à governanta, a moça, Anita, foi culpabilizada, afinal, se ele lhe faltou com o respeito é porque ela provocou.  Outra sub-trama é a da menina Felícia, a espetacular Mel Maia, que deseja brincar e explorar, usar calças porque são mais cômodas, mas é castrada pela mãe que quer que ela se porte domo uma pequena dama.  O pai a apóia, mas foge do confronto com a esposa. 
No geral, são boas as cenas com a Mel Maia e sua família. Trata-se do núcleo cômico e, bem, nem sempre as piadas vão funcionar.  Luís Melo é ótimo.  No início não gostei de Flora Diegues (Bianca) e Inês Peixoto (Salomé), a filha mais velha e esposa que fingem ser finas e falar francês, mas a seqüência do chá com Melissa e sua mãe, Dorotéia (Julia Lemmertz), terminaram sendo engraçadas.  Bianca virando BFF (Best Friend Forever) de Melissa, que estava debochando dela, e lhe dando um abração foi hilária.  Assim como as intervenções de Felícia, que é uma diabinha, e sua “preceptora”, a noviça fugida Rita (Daniela Fontan).  E o humor foi quebrado com a discussão do racismo em relação à Chico (João Gabriel D’Aleluia), o filhinho de Raul, sem parecer forçada ou destoante.


Falando em crianças, o menino Kadu Schons saiu direto de Os de Mandamentos para Além do Tempo.  Difícil avaliá-lo, porque suas cenas são poucas e contidas.  Rejeitado pelo pai, que o julga fruto de um adultério, e tratado com dureza e frieza por todos, adulado por Melissa para ressaltar sua própria bondade e qualidades como futura esposa, ele é o pobre menino rico.  Seu crescimento dependerá da interação com Chico e Felícia ou com Lívia, não sei.  No momento, só dá para sentir pena dele.  O que me chama a atenção é Severa (Dani Barros).  Posso estar errada, mas a preceptora má pode ser uma referência ao caráter dúbio de um chará da literatura.  Quando li sobre a novela, diziam que ela guardava um segredo.

Uma das coisas que eu temia era que a doutrinação espiritualista clichê fosse intensa, mas, ao que parece, Elizabeth Jhin está se contendo, ou tenha amadurecido um pouco.  Há um personagem do mundo espiritual, um anjo ou espírito, que é Ariel (Michel Melamed).  Ele tem a função de colocar as coisas nos eixos, promover encontros, evitar tragédias, etc. É um tipo de personagem que já apareceu antes em outras novelas e seriados antes.   Anjos são velhos visitantes da ficção, houve um, inclusive, que em uma saudosa novela, O Sexo dos Anjos, tinha a função de encaminhar a protagonista para a Morte, sua patroa. 


As únicas outras menções espíritas que vi vieram do Conde Felipe, que julga estar reencontrando Lívia, e de Gema (Louise Cardoso), mãe de Pedro e Anita.  Ela falou em pagar em outra vida, mas isso poderia ser de ampla interpretação.  O fato é que o espiritismo estava na moda entre nobres no final do século XIX, e a trama peca por não precisar as datas, mas a maioria não deixava de seguir o catolicismo.    De repente, a ênfase maior será na segunda parte da trama.

O que não gostei mesmo é a representação da vida religiosa.  Ainda não vi novela da Globo na qual, em menor ou maior grau, o convento não fosse um lugar de repressão, a prisão ou o esconderijo forçado da mocinha.  Nessa novela, inclusive a freira responsável pelas noviças (Norma Blum) e o padre (Carlos Vereza), personagens positivas, são coniventes com a “vocação forçada” de Lívia.  Fica parecendo que o dinheiro que Emília fornece é uma das razões.  No final do século XIX, havia freiras à força, mas havia, também, muitas diretrizes para que tal situação não fosse aceita.


O fato, é que nunca introduzem uma noviça ou freira que tenha uma personalidade mais complexa e seja feliz por ser freira, ou mostram o convento também como um espaço de libertação para muitas mulheres.  Eu que estudei as clarissas, e tive que ler muito sobre vida religiosa feminina, acho isso mais do que pobreza, é o reforço de uma imagem única, uma versão mais próxima ou atenuada da Religiosa de Diderot.

Enfim, escrevi demais.  A novela tem uns segredos um tanto instigantes: a mãe de Alex, quem está no sanatório, qual a relação entre o pai de Melissa e a Condessa, qual o passado de Rosa e Bento, se Severa esconde alguma coisa, e, talvez a mais complicada, Bernardo pode estar vivo.  Ora, Felipe Camargo está escalado para ser o pai de Lívia.  Será que só quando a trama for contemporânea?  O sujeito sumiu e é quem espreita no entorno de seu túmulo?  Se sumiu, que desculpa dará?  É isso.  A novela é boa, mas essa primeira fase, a única que devo assistir, está correndo demais em certas questões.  Espero que algumas coisas não se atropelem, enfim.

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