terça-feira, 22 de dezembro de 2015

Comentando Ōoku #9


Quando vi que minha última resenha de Ōoku (大奥) tinha sido em fevereiro, mal pude acreditar... Tinha ficado de resenhar na semana seguinte o volume #9 e, bem, o ano terminou e eu nem devo lembrar direito do que aconteceu... Queria ter mais tempo e ser mais organizada, infelizmente, não consigo ser nenhuma das duas coisas.  Vamos lá, apesar de já ter confirmado – estou com o volume #11 em mãos – que a série não termina no volume #12, efetivamente, uma nova fase começou no volume anterior e, bem, parecem ser tempos sombrios.  

  Se eu tivesse que estabelecer quem são os protagonistas desse volume de Ōoku diria que Tanuma Okitsugu, Aonuma (*o loiro da capa do volume #8*) e Hiraga Gennai são as personagens dominantes.  Somados a ele temos a neta de Yoshimune, Matsudaira Sadanobu, filha de Munetake, a filha mais dotada e que foi preterida pela primogênita, Ieshige.  De novidade, e das grandes, o volume #9 começa a desenhar o que, pelo menos aos meus olhos, parece ser a primeira vilã de fato de Ōoku, uma figura terrível, fria e calculista, que das sombras consegue manobrar para que seu filho se torne shogun.  Sim, vocês leram bem, no volume #11, o shogun volta a ser um homem.

Tanuma Okitsugu, amada, odiada e poderosa.
Neste volume, Aonuma vai para o Ōoku com a incumbência de ensinar a medicina e outras ciências ocidentais, enfrentando a resistência dos nobres do harém, que o vêem como indigno de estar em tão prestigiosa posição.  Ao chegar ao Ōoku, o nome de Aonuma é Gosaku, e cabe a Kuroki, seu pajem e responsável por introduzi-lo nos hábitos do lugar, renomeá-lo.  Kuroki vem de uma família de médicos, mas não confia nos praticantes da profissão em virtude dos maus exemplos que presenciou.  No início, não vê Aonuma com bons olhos. Os esforços do jovem, seu desprendimento em atender mesmo os indivíduos de mais baixa condição e seu sucesso o fazem repensar a questão.  Outra personagem que completa o trio é Kisuki, um criado dos níveis mais humildes do Ōoku.  São os primeiros alunos de Aonuma.

Na verdade, ao debelar um surto de gripe (influenza), as aulas de Aonuma e sua posição começam a mudar, especialmente depois que o consorte da nova Shogun, Ieharu, decide prestigiar o seu trabalho.  Este volume enfatiza as diferenças na prática médica japonesa (*chinesa, na verdade*) da época e o que era feito entre os holandeses, ou, pelo menos, o que chegava de medicina ocidental através deles.  Segundo o mangá, o estudo da anatomia era bem mais avançado entre os europeus.  Já o uso de lavar as mãos – coisa que realmente não deveria ser tão disseminada entre os europeus à época como a série  quer fazer crer – pode ajudar a salvar vidas.  

Matsudaira Sadanobu frustrada por não concretizar o sonho da mãe.
Quando Gennai visita o Ōoku, algo que só o poder de Okitsugu pode garantir, já que se trata de uma mulher, temos ainda outras discussões científicas, especialmente, sobre o uso da eletricidade.  Gennai, como comentei na resenha anterior, é uma personagem histórica e muito rica e é através dela que vemos a vida fora do harém.  Com o patrocínio de Okitsugu, Gennai viaja em busca de indícios de como curar a peste.  Termina encontrando comunidades nas quais a peste praticamente desapareceu e que usam de métodos curiosos para conter o contágio.  Levanta-se a teoria de que a origem da peste está nos ursos, e que eles seroam o vetor da doença.

Voltando ao Ōoku, a nova soberana é muito mais capaz que sua mãe, Ieshige, e atendeu seu pedido fazendo de Tanuma Okitsugu sua conselheira-chefe.  Os poderes de Okitsugu passa a exercer, o fato de receber em audiência toda sorte de pessoa em sua residência particular, despertam a inveja das outras conselheiras, despeitadas por ela ter uma origem tão baixa e ter conseguido se tornar a segunda pessoa depois da Shogun, já suas reformas, algumas delas controvertidas, como a taxação dos mercadores, estímulo a novos cultivos, ao estudo da ciência ocidental, e outras que preveem a abertura do Japão para um contato mais direto com os estrangeiros, despertam a ira da neta de Yoshimune.  Mais importante, tudo isso de fato ocorreu no final do século XVIII no Japão.  Esqueçam essa idéia de país fechado, ou de que o Shogunato foi um período marcado pela unidade da classe samurai m torno de idéias arcaicas.

As três netas de Yoshimune.
Falando da neta de Yoshimune, Matsudaira Sadanobu, trata-se de outra personagem importante da história do Japão, suas reformas políticas representaram a reação ao que fora feito durante o governo de Ieharu, ao trabalho progressista de Okitsugu.  Educada com rigor e crueldade por sua rancorosa mãe, Munetake, e orgulhosa de ser neta de Yoshimune, Sadanobu parecia reunir todas as virtudes necessárias para se tornar shogun.  Ademais, Ieharu e seu marido – uma das personagens simpáticas e trágicas do volume – não conseguiram produzir herdeiros, a única filha da soberana é descrita como frágil e doentia.  No entanto, ela nunca será shogun e termina adotada por um outro clã, perdendo o nome Tokugawa, o que impedirá a ela e seus sucessores de assumirem o trono... Sadanobu credita sua desgraça à Okitsugu e ainda muito jovem trabalhará para a sua queda sem jamais saber que a conselheira não foi responsável pelo plano que a deserdou.

Enquanto isso, dentro o Ōoku é gestada não somente a reação às medidas progressistas de Okitsugu e seus esforços de cura da peste.  É fato que a autora, Fumi Yoshinaga, tem uma visão favorável às reformas de Okitsugu, a personagem é pintada com tintas positivas, uma servidora do Estado, incapaz que tomar medidas em proveito próprio, sempre comprometida com o bem comum, ainda que usufrua sem vergonha do luxo que sua posição lhe permite ter, da mesma forma, Sadanobu não é apresentada de forma negativa, mas como um contraponto à conselheira, alguém que manipulada em virtude de seu temperamento, seu orgulho de ser neta de Yoshimune, e de sua pouca idade.  Esta forma equilibrada de apresentar pontos de vista diferente, marca toda a série.  Só que neste volume #9 é introduzida uma personagem, a neta do meio de Yoshimune, que irá se mostrar a primeira vilã de verdade, por assim dizer, de Ōoku, Tokugawa Harusada.

Harusada e sua agenda secreta.
Neste volume, vemos pouco de Harusada, mas é possível imaginar até a sua voz, aveludada, pausada, seu comportamento reservado de alguém que deseja passar a imagem de desinteresse pelas altas posições.  No volume #9 é ela quem manipula Okitsugu para que, contra sua própria vontade, centralize poderes em suas mãos atendendo ao desejo de outras conselheiras e magistradas.  Quem convenceu as outras oficiais a delegarem suas funções?  Obviamente, a própria Harusada... É ela, também, quem sela o destino de Sadanobu, roubando-lhe o seu lugar no clã Tokugawa, mas a prima jamais saberá disso... Harusada, filha caçula da filha caçula de Yoshimune, tem planos que irão se concretizar nos volumes #10 e #11: colocar seu filho no trono.  Sim, teremos um Shogun do sexo masculino em breve... 

Já no final do volume, Aonuma enfrenta um surto de varíola vermelha e Gennai encontra uma vila na qual todos os homens tiveram a varíola vermelha... como assim?  Foram inoculados.  A inoculação historicamente foi o primeiro passo para o desenvolvimento de vacinas contra a vacina na Europa.  Prática conhecida em regiões da África e do Oriente implicava em contaminar com uma versão menos agressiva da doença, normalmente raspas da ferida de um infectado que poderiam ser aspiradas ou introduzidas através de um corte, uma pessoa sã.  Ela adoecia, mas a mortalidade era de 1 para cada 10, muito baixa se comprada à doença com toda a força.  

Gennai e seus amores... 
Vejam que, na Europa, de 8% a 20% de todas as mortes eram causadas pela varíola, o ganho era grande, mas ainda havia risco e rainhas que estimulavam a inoculação, como Maria Antonieta, foram acusadas à época de tentarem matar marido e filhos.  Não havia consenso e havia risco.  Agora, como as pessoas efetivamente adoeciam, nas Europa e América do Norte a prática era restrita aos abastados.  A primeira vacina – que vem de vaca mesmo – foi desenvolvida a partir da menos agressiva varíola bovina.  Já no século XVIII começou-se a observar que as pessoas – especialmente aquelas leiteiras – que tinham pego a doença das vacas tinham, ou imunidade, ou maior resistência à versão humana.  

Enfim, quando o volume termina, estamos discutindo a possibilidade de desenvolvimento de uma vacina.  Sadanobu é contra e é atiçada por Harusada, a reagir contra os planos de Okitsugu.  Um plano para a eliminação de Okitsugu, Aonuma e Gennai é posto em andamento.  Contra Gennai, que comentei no volume anterior que é a única personagem da série que parece ser bissexual, será uma de suas amantes o veículo da sua queda.  A cientista e escritora erótica é incapaz de ser fiel, incapaz de se fixar em um só objeto romântico e, lá no fundo, talvez ame sua mecenas... Temos até um beijo entre Gennai e Okitsugu nesse volume.  

Gennai na capa do volume americano.
É curioso que Fumi Yoshinaga, que fez sua fama produzindo material BL (yaoi) mantenha-se tão sóbria em relação aos romances entre homens em Ōoku e seja tão generosa nas amizades intensas e mesmo amorosas entre as mulheres.  Além disso, conseguiu compor de forma muito delicada vários romances heterossexuais.  Neste volume, aliás, nos oferece um casal, Ieharu e seu consorte, belos, jovens, fugazes  e, de certa forma, trágicos... Mas  vamos terminar por aqui.  Espero não demorar um ano para resenhar os volumes #10 e #11.  Eles seguem comigo para as férias.

2 pessoas comentaram:

Estou bem atrasado na leitura de OOku. O inglês arcaico de derrota fácil, fácil. Daí, acaba sendo uma leitura que demanda mais tempo e atenção, o que não é uma coisa que eu consiga ter com tanta frequência. Mas adoro essa série.

"O inglês arcaico ME derrota fácil"
Desculpem.

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