Semana passada, assisti Zootopia 2 com a Júlia. Foi no sábado da semana de estreia. Comecei a resenha e ela está atrasada. Tenho sido bem negligente com as minhas resenhas e fica parecendo que eu assisti menos coisas ainda, porque vi quase nada este ano. Enfim, sendo bem direta, gostei mais deste segundo filme do que do primeiro. Ele me surpreendeu ao trazer a discussão da gentrificação (*explico o que é isso daqui a pouco*), uma crítica ao capitalismo desregrado bem direta e mostrar como funciona o chamado Efeito Matilda, curiosamente omitido de TODAS as críticas que eu li ou assisti. Mas vamos ao resumo do filme.
"Após desvendarem o maior caso da história de Zootopia, Judy e Nick são surpreendidos por uma ordem do Chefe Bogo: os dois detetives precisarão frequentar o programa de aconselhamento Parceiros em Crise. A união da dupla é colocada à prova quando surge um mistério ligado a um recém-chegado à cidade: o misterioso e venenoso réptil Gary De’Snake. Para encontrar as soluções para o caso envolvendo a víbora, Judy e Nick devem desvendar novas partes da cidade, sendo testados o tempo todo."
Eu não fiz resenha do primeiro Zootopia, filme lançado em 2017. O filme era simpático, colorido, teve alguns momentos divertidos, mas achei um tanto forçado nas suas discussões sobre estereótipos e preconceitos. A celebração da diversidade é importante, volta e meia discuto isso no blog, mas Zootopia me pareceu um tanto superficial. O que eu lembro com muito carinho do primeiro filme foi a participação do falecido jornalista Ricardo Boechat, pois Zootopia teve várias versões com jornalistas importantes convidados para participações especiais. Desta vez, não repetiram essa brincadeira, infelizmente.
Já o segundo Zootopia tem uma vantagem clara sobre o primeiro, sem a necessidade de apresentar as personagens principais, conseguiu fazer uma expansão do universo, que meio que se resume à cidade do título, que está completando cem anos, e seus arredores. Fora isso, o filme levantou algumas discussões importantes que colocam em xeque a visão idealizada da cidade. Por exemplo, por qual motivo ela só abriga mamíferos? Como Zootopia foi criada com suas várias zonas que reproduzem climas e vegetações tão diversos? Quem inventou tudo isso? No centenário da cidade, há a celebração do criador do sistema que arante tudo isso. E, claro, uma das questões do filme é discutir se ele, que pertencia a uma riquíssima família de linces, realmente criou aquilo que lhe foi atribuído.
Se no primeiro filme a trama girou em torno da (suposta) incompatibilidade entre carnívoros e herbívoros, da discriminação de animais menores e (supostamente) mais fracos, o segundo filme fala de exclusão social por um novo prisma. Onde foram parar os répteis? E os mamíferos aquáticos? E descobrimos que há favela em Zootopia, que ela fica fora das zonas climáticas higienizadas que vimos no primeiro filme e que os linces querem avançar a tundra sobre essas regiões já marginalizadas da cidade. Há uma idealização dessa região fora dos limites, claro, aquela ideia de que os pobres é que sabem se divertir de verdade, mas isso não atenta contra a qualidade do filme.
A expansão da tundra sobre a favela e feira do rolo de Zootopia faz parte do processo que eu chamei de gentrificação, um termo utilizado para indicar a transformação de um bairro, geralmente comumente associado a áreas antes consideradas de baixo valor, habitado por gente pobre, em um lugar valorizado economicamente e/ou culturalmente. Por exemplo, o Bairro da Lapa, no Rio de Janeiro, antes associado à boêmia popular, malandragem, com um ar decadente, graças à bolha imobiliária gerada pelos grandes eventos (Copa e Olimpíada), passou a ser um bairro valorizado por ficar perto do Centro e passou a receber parte da elite, que não consegue morar em bairros super caros, além das classes média média e alta. Temos a revitalização de casarões decadentes, transformados em casas de show, cafés, restaurantes mais refinados ou academias. A área passa a ser vista como turística e um tipo de boêmia chique substitui o perfil anterior. Os aluguéis dispararam e gente que sempre morou na Lapa não tem mais condição de ficar lá. Uma maior presença do poder público não ajuda a população tradicional do bairro, mas os que estão chegando, ajuda a expulsá-los.
No caso de Zootopia, a gentrificação começou com a anexação do bairro dos répteis, na sua expulsão da cidade, de forma que a maioria dos moradores nem tem a informação de que eles já foram parte da metrópole, que antes não era somente dos mamíferos. Dentre os répteis, os mais estigmatizados são as cobras, as serpentes. Vistas como seres traiçoeiros. Essa representação da cobra como animal pouco confiável e mau não é endossada pelo filme, mas tem profundas raízes no imaginário cristão, no mito do Éden. Não há serpentes em Zootopia e quando Judy e Nick tentam provar que elas estão dentro da cidade, ninguém acredita neles. Uma coelha não deveria ser policial, mesmo que ela tenha salvo a cidade, e raposas continuam sendo vistas como pouco confiáveis, ainda que não tanto quanto as serpentes, claro. Aqui, podemos levantar facilmente discussões sobre racismo e sexismo, afinal, Judy, Nick, Gary são discriminados por serem o que são, sem que suas qualidades sejam rreconhecidas
Falando nos protagonistas, nessa nova história, Judy e Nick são oficialmente parceiros e suas personalidades foram preservadas. Judy vive para seu trabalho e é capaz de fazer qualquer coisa para cumprir uma missão. Já Nick é pragmático e muito cínico ao observar a realidade ao seu redor. Ambos continuam sendo tratados como oficiais de segunda classe pelos colegas de delegacia, todos grandes herbívoros e carnívoros. Essa desconfiança acaba colocando os dois em choque com seus superiores, quando Judy decide investigar a existência de uma serpente em Zootopia. Ninguém acredita nela, mas ela está certa. Já Nick prefere não se envolver, mas acaba não conseguindo.
Acredito que faltou um pouco de coragem em relação ao desenvolvimento da relação entre Nick e Judy. Eles são parceiros de trabalho, eles são amigos, mas, pelo menos para mim, eles são um casal. Acredito que eles se amem mesmo, romanticamente, eu digo. Como Zootopia celebra a diversidade, por qual motivo não investir nisso? Por que evitar dar esse passo a mais? E não estou pedindo que eles se casassem no final do filme ou que houvesse grandes demonstrações românticas, mas que a coisa virasse cânon, porque para os fãs isso já é realidade.
Comentei de Efeito Matilda, a minimização das invenções e descobertas de mulheres cientistas, com os homens não raro se apropriando de seus feitos e levando a fama, ele está no filme quando é mostrada a invenção das barreiras de isolamento climático (*elas têm um nome específico, mas eu esqueci*). Não foi um lince, macho, rico e carnívoro (*lembrem do primeiro filme*), quem inventou a estrutura que garantiu o desenvolvimento de Zootopia, mas uma serpente, fêmea, idosa e pobre. Aqui, mais uma vez, há o sexismo, mas há o racismo e o classismo, também. Essa discussão é bem feita dentro de Zootopia 2. Não vou falar de outros detalhes da trama, porque teria que dar grandes spoilers, mas, como já expliquei, saí bem satisfeita da sala de cinema. E temos uma cena pós-crédito, mas é preciso esperar muito. E recomendo a entrevista com os diretores do filme publicada no G1. Eles explicam por qual motivo o novo filme demorou tanto a ser feito.
O segundo filme trouxe personagens do filme anterior, praticamente todo mundo da delegacia, a preguiça Flecha, os pais de Judy etc., mas temos várias personagens novas. Gary De’Snake (Gary A'Cobra) é o mais importante. Ele quer provar que as cobras foram injustiçadas e consegue a ajuda de Judy e de Nick, muito a contragosto. Temos a castora Nibbles, uma influencer que divulga teorias da conspiração e que conhece o submundo de Zootopia. E há o prefeito Cavalgante, um galã de cinema de ação que foi eleito com o apoio dos linces. Imagino que boa parte das personagens retornem no próximo filme.
De resto, a animação é de altíssima qualidade, como no anterior. A dublagem nacional, como é material Disney, é muito competente. Os temas mais complexos, como gentrificação, estão bem acessíveis para todos os públicos e a associação entre capitalismo e exclusão, também. A questão do sexismo, no entanto, escapou para todos os críticos que eu li, ou assisti comentando o filme, mas é importante em Zootopia 2 e como feminista, eu não deixaria passar mesmo. E é isso. Zootopia 2 é muito bom, recomendo. Deve ser indicado ao Oscar, claro, mas não é o favorito.




















































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