terça-feira, 29 de dezembro de 2015

Japão e Coréia do Sul fazem acordo histórico sobre as "mulheres do conforto"



“Não havia opção, não podíamos dizer que não queríamos ir. Se o fizéssemos éramos vistas como traidoras e todos sabemos o que acontecia aos traidores”. Kim Bok-dong tinha 14 anos quando foi arrancada de sua vila pelos japoneses para trabalhar em uma fábrica.  Logo descobriria que, na verdade, seu destino era ser escrava sexual a serviço das tropas japonesas.  Ela é uma das 46 mulheres do conforto sobreviventes na Coréia do Sul.  Seu relato foi citado na matéria do jornal português Expresso sobre o acordo histórico entre Japão e Coréia do Sul prevendo compensação para as mulheres vítimas do sistema de mulheres do conforto.  Ontem e hoje, espantei-me de ver um post sobre as mulheres do conforto de 2010 catapultado para o topo dos mais visitados do Shoujo Café.  Como estou fora de casa e com uma internet ruim, só depois terminei descobrindo o que estava acontecendo.

Finalmente, o Japão admitiu pública e oficialmente que existiu uma sistemática exploração sexual de meninas (*algumas tinham míseros 10 anos quando começaram a ser estupradas*) e mulheres durante a ocupação japonesa de países asiáticos e a II Grande Guerra.  As chamadas “mulheres do conforto” eram, via de regra, arrancadas de suas famílias e confinadas em bordéis para o uso das tropas japonesas.  Os estupros regulares e maus tratos poderiam durar meses ou até anos.  


Terminada a guerra, com a maioria dos crimes de guerra japoneses relevados graças à intervenção norte americana, coube a essas mulheres esconder seu passado e esquecer os anos de abuso.  Algumas terminaram condenadas a suportar as recriminações de seus próprios compatriotas, mesmo não sendo culpadas, mas, em sociedades patriarcais, questões relativas à sexualidade feminina são estigmatizadas.  O tempo passou, as histórias começaram a ser contadas, e a pendência judicial vinha desde 1965.  

Durante todo esse tempo, a postura do Japão era ou de negação – nunca houve o sistema de mulheres do conforto – ou de admissão com ressalvas – algumas mulheres eram (naturalmente) prostitutas e as tropas precisavam de alívio.  Quando coreanos e chineses se pronunciavam de forma mais agressiva sobre a questão, o governo japonês se fazia de ofendido (*Ex.: 1 e 2*).  Ano passado, o Papa Francisco recebeu algumas das coreanas que pleiteavam compensação.  Imagino se isso não teve impacto sobre esse acordo entre Coréia e Japão.  Não seria surpresa.


O pedido de desculpas, que fique bem claro, foi firmado entre Japão e Coréia do Sul.  Segundo vários sites, a mensagem oficial foi a seguinte: “O primeiro-ministro [Shinzo] Abe pede as mais sinceras desculpas e exprime o seu remorso perante todas as mulheres que foram submetidas a experiências dolorosas e incomensuráveis e sofreram feridas físicas e psicológicas incuráveis como “mulheres de conforto”.  

Foi anunciada a criação de um fundo de 1 bilhão de ienes (8,3 milhões de dólares) para  apoio e compensação das vítimas.  Infelizmente, a maioria das cerca de 200 mil mulheres exploradas sexualmente, ou está morta, ou é muito idosa.  Além disso, mesmo que as  coreanas tenham sido a maioria, há chinesas, filipinas, coreanas do norte, indonésias e mulheres de outras nacionalidades que não serão contempladas pelo acordo.  Outro detalhe, a estátua em memória das mulheres do conforto em Seul (*foto abaixo*) terá que ser retirada como parte do acordo, ou seja, admitem, se penitenciam, mas fazem exigências esdrúxulas.  E a Coréia aceitou... 


Segundo a BBC, durante uma década (1995-2005) houve um fundo de apoio às vítimas, mas era algo privado e, não, uma ação do governo japonês.  Na verdade, os governos conservadores no Japão tentaram solapar qualquer rediscussão dos crimes de guerra do país e, claro, isso incluía as mulheres do conforto.  Enfim, trata-se de uma data histórica, mas somente parte do problema está se resolvendo.  Para fechar, sugiro uma olhada no projeto “Fotografias da Alma” sobre as mulheres do conforto.  Aqui, outro ensaio fotográfico com mulheres do conforto da Indonésia e Malásia, principalmente.  Elas não receberão indenização, nem desculpas.  Deixo, também, o link para a resenha do filme Flores do Oriente que trata das mulheres do conforto e do “Estupro de Nanquim”, uma  série de massacres e outros crimes cometidos pelas tropas japonesas quando tomaram esta cidade da China.

1 pessoas comentaram:

Uma das maiores vergonhas da história da humanidade. Um pedido de desculpas que faz exigências em troca não é um pedido sincero: isso é uma manobra política de ambos, Japão e Coréia do Sul.

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