terça-feira, 29 de novembro de 2016

Três quadrinistas Árabes que você precisa conhecer (*Artigo Traduzido*)

Mutilação Genital Feminina (Doaa el-Adl)
Dia 25 de novembro é a data escolhida pela ONU para marcar o Dia da Eliminação da Violência contra as Mulheres.  A partir daí, são 14 dias reforçando a necessidade da igualdade de gênero e do fim de qualquer agressão contra mulheres e meninas por serem simplesmente isso, mulheres e meninas.  A data foi criada para lembrar o assassinato brutal das irmãs Pátria, Minerva e Maria Teresa, conhecidas como “Las Mariposas”, em 1960, pela ditadura [de direita] de Rafael Leônidas Trujillo, da República Dominicana.  Elas pagaram com a vida por sua militância.  

10 de dezembro,  fim da campanha, é o o Dia dos Direitos Humanos comemora a data em que a Assembleia Geral das Nações Unidas adotou a Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamando os seus princípios como o “ideal comum a ser atingido por todos os povos e todas as nações.”  Sim, eu acredito que isso é importante e houve um ano em que eu publiquei um post por dia lembrando da violência contra as mulheres.  Também, é importante, que este movimento todo coincida com o Novembro Negro, porque são as mulheres negras as vítimas preferenciais da violência de gênero em nosso país.
"Eu quero que você deixe tudo para trás quando vier
para a universidade.  ENTENDIDO?!!" (Doaa el-Adl)  Poderia ser Brasil, não é?
Por conta disso, é em novembro que a BBC publica sua lista com as 100 mulheres mais influentes do ano.   A jogadora de futebol, Marta, representou o Brasil este ano.  Na lista há três cartunistas de países da África do Norte, que é majoritariamente islâmica e recebeu um grande afluxo de povos vindos da Península Arábica durante a expansão do Império Árabe-Muçulmano (*além de fenícios, gregos, romanos, germânicos etc.*).  As três cartunistas são Doaa el-Adl (Egito), Nadia Khiari (Tunísia) e Riham Elhour (Marrocos).  

Como achei interessante, decidi traduzir a matéria e publicar aqui.  Se clicar no nome de cada uma, vocês irão cair em entrevistas ou matérias sobre elas.  Os cartuns são em sua maioria de Doaa el-Adl, foi a que eu mais achei usando o Google.  Segue a matéria (*há um vídeo, para assistir, é só ir até o site da BBC*):


100 Mulheres de 2016: Mulheres Cartunistas Árabes desafiam a autoridade
Por Severine Dieudonne & Naomi Scherbel-Ball
BBC News

Em alguns países árabes, as mulheres ainda precisam pedir permissão a um parente do sexo masculino para obter um passaporte, se casar ou sair do país. Embora a prática da "tutela masculina" nem sempre esteja consagrada na lei, persiste na vida cotidiana dentro de muitas famílias.
Como parte da temporada 100 mulheres, a BBC pediu três cartunistas do Norte da África para pegar suas canetas e ilustrar como as tradições continuam a afetar a vida das mulheres em seus países.


"Eu fui ameaçada por fazer cartuns, acusada de balsfêmia."
Egito

"A questão que mais simboliza a tutela masculina no nosso país é a questão das noivas jovens", diz a premiada desenhista egípcia Doaa el-Adl.  "Há uma tendência entre os homens ricos do Golfo de viajar para as áreas rurais pobres egípcias para encontrar noivas temporárias muito mais jovens."
Como uma caricaturista política engajada em abordar questões de tabu como FGM e assédio sexual, el-Adl frequentemente atrai controvérsia e até já foi acusada de blasfêmia.

A expressão "noivas jovens" significa meninas que acabam de atingir a idade legal para o casamento no Egito - que é de 18 anos -, mas cujas famílias as casam homens estrangeiros muito mais velhos.  Em muitos casos, os homens vêem esses casamentos como acordos de curto prazo e abandonam as meninas pouco depois.
"Noivas criança"
El-Adl observa que, paradoxalmente, uma lei introduzida para tentar parar a prática realmente a encorajou.  Se um homem estrangeiro quer se casar com uma menina que é mais de 25 anos mais jovem do que ele, então ele é obrigado a pagar a sua família o equivalente a pouco mais de US $ 6.000 (£ 4.800).

Embora esse seja um preço relativamente pequeno a pagar para um homem rico dos Estados do Golfo, provou ser um grande incentivo para famílias pobres egípcias, lutando para lidar em tempos econômicos cada vez mais desesperadores.  "Os homens nessas sociedades estão basicamente vendendo essas meninas", diz el-Adl. "E o Estado falhou em impedir que isso acontecesse."


Nadia Khiari
Tunísia

"Quando comecei a desenhar, fiz isso de forma anônima e todo mundo supôs que eu era um homem", diz a cartunista tunisina Nadia Khiari.  "Eles não podiam imaginar que uma mulher pudesse desenhar, e muito menos desenhar personagens cheios de humor e inteligência."

Khiari é a criadora de Willis de Tunis – um cartum estrelado por um gato cujas aventuras fornecem comentários irónicos sobre a vida na Tunísia pós-revolucionária.  Seu tema escolhido para este cartum  - que também apresenta Willis - é a pressão contínua sobre as vítimas de estupro para casar com seus abusadores, a fim de evitar trazer vergonha para suas famílias.


Policial: "Sua filha foi espancada e estuprada!
Mas o estuprador quer se casar com ela..."  Mãe: "Ufa!  Nossa honra está salva!"
A inspiração para desenhar este cartum veio em resposta aos comentários controversos de um apresentador de talk show da TV tunisina que foi suspenso de seu trabalho em outubro, depois de sugerir que uma menina que tinha sido sujeita a anos de abuso sexual por três parentes deveria se casar com um deles quando ela ficou grávida.

Atitudes como esta persistem, diz Khiari, apesar da nova legislação introduzida em 2014 para consagrar a igualdade de gênero na nova Constituição pós Primavera Árabe.  "O corpo de uma mulher pertence à família e, mesmo que tenha sido vítima de violência sexual, é a honra da família que deve ser preservada acima de tudo", diz ela.  "O governo tunisiano não reconhece o estupro pelo que ele é, a prática não é vista como um crime sério".


Riham Elhour 
Marrocos

Riham Elhour foi a primeira mulher desenhista a ser publicada na imprensa marroquina.  Seu aniversário é no Dia Internacional da Mulher, 8 de março, e ela diz que ela "nasceu feminista".

O que começou como um passatempo da infância tornou-se sua profissão quando ela ganhou um prêmio Unesco mais de 15 anos atrás.  O tema que ela escolheu para sua caricatura é a viagem no exterior, e o número de homens marroquinos que estão usando a lei para impedir que suas esposas viajem para o exterior.
Formas de pressionar uma mulher...  
Embora muitas das leis de tutela masculina do Marrocos tenham sido anuladas nas reformas feitas em 2004 e 2014, as mulheres ainda precisam legalmente da permissão formal do marido para deixar o país se quiserem levar seus filhos com elas.  "Os homens podem usar isso para controlar a vida das mulheres", diz Elhour.  

Riham Elhour ainda é a única cartunista de seu jornal.  Mas ela permanece firmemente convencida de que através de sua arte ela será capaz de mudar a forma como as mulheres são vistas em Marrocos.   "Quero que meus desenhos façam com que as mulheres lutem por seus direitos", diz ela. "Eu não quero que eles fiquem se lamuriando sobre serem a vítima.  Eu sou uma lutadora.  Todas as mulheres são lutadoras".



Algumas observações:
  • FGM (Female genital mutilation), a mutilação genital feminina é prática comum em vários países africanos e é uma atrocidade que aparece em alguns países asiáticos.  Não é uma prática islâmica, mas encontrou acolhida em vários países majoritariamente islâmicos, onde são usados "falsos" hadiths (*ditos do profeta Maomé*) e outras fontes de autoridade para justificar que meninas continuem tendo seus clitóris, ou mesmo outras partes de sua genitália retirados.  É tradição, em muitos lugares as meninas não casam se não forem mutiladas, é condenada pela ONU e outras organizações e muitos grupos de mulheres na África lutam contra a FGM.  Há campanhas para que clérigos muçulmanos participem, porque como vozes de autoridade poderiam ajudar e muito a colocar fim a esta violência.  E, não, não é correto chamar de circuncisão, porque não existe paralelo entre o que judeus e muçulmanos com seus meninos (*ainda que muita gente considere uma grande mutilação e seja uma violência*).  O objetivo da FGM é confiscar o prazer sexual das mulheres.
  • O casamento temporário é uma prática islâmica muito mais comum entre os xiitas do que entre os sunitas, mas e prática muçulmana reconhecida.  Há sunitas que a consideram vergonhosa e, em alguns casos, é uma maneira eficaz de disfarçar a prostituição, afinal, você pode se casar por 30 minutos com alguém.  O problema é que velhos, e não tão velhos assim, homens ricos de países do Golfo usam da prática para ter acesso à meninas de países pobres como o Egito, o Iêmen e outros.  Famílias miseráveis podem não ter tantos escrúpulos.  No Irã, onde a prática é lícita, há casamentos temporários feitos entre jovens para que eles e elas possam namorar em paz sem que a polícia os incomode.  Qualquer coisa, são casados.
  • Quem paga o dote entre os muçulmanos é o noivo.  É uma forma de compensação para a noiva (*e sua família*) em caso de divórcio inciado pelo marido sem motivo justo.  Historicamente, no geral, quando o noivo paga o dote, o status das mulheres tende a ser ligeiramente superior.    No geral... 
  • A Tunísia foi o ponto de partida para a Primavera Árabe e o único lugar onde ela deu certo, especialmente, se comparado com tragédias ocorridas em outros países.
  • Duas notícias terríveis do Marrocos: Duas adolescentes pegam três anos de cadeia por se beijar, elas eram primas e foram denunciadas pela família; na véspera do dia da Eliminação da Violência contra as Mulheres, um programa de TV feminino deste país colocou no ar um tutorial de maquiagem para disfarçar as marcas da violência doméstica (*sim, você leu certo*).

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