sábado, 3 de março de 2018

Comentando Três Anúncios para um Crime (Three Billboards Outside Ebbing, Missouri, 2017)


Sexta-feira, finalmente assisti, Três Anúncios para um Crime (Three Billboards Outside Ebbing, Missouri), um dos francos favoritos ao Oscar deste ano.  É um excelente filme.  Duro, violento, com interpretações bem acima da média.  Frances McDormand está magnífica como a mãe sedenta de justiça e que não mede esforços, ou tem escrúpulos para conseguir o que deseja, que quem matou e estuprou sua filha seja preso (*ou morto, não acho que ela se importasse*). É uma mistura de Mãe da Praça de Maio com Rambo, por assim dizer.  O roteiro, que espero ver premiado no domingo, é redondo, não há excessos, nada fica faltando, todos os minutos são bem aproveitados e a trilha sonora está lá para colaborar.  Ainda tenho mais carinho pela Forma da Água, mas se o prêmio principal fosse para Três Anúncios, ele estaria em ótimas mãos.

Nosso filme começa com Mildred Hayes (Frances McDormand) tendo a ideia que dá nome ao filme, alugar três outdoors (*curioso, mas em inglês é billboard*) para chamar a atenção da polícia, da imprensa e de todos, enfim, para o fato dos assassinos e estupradores de sua filha, Angela (Kathryn Newton), não terem sido encontrados.  Ao acusar o xerife William 'Bill' Willoughby (Woody Harrelson), amado pela comunidade e sofrendo com câncer terminal, Mildred atrai várias retaliações.  Seu filho (Lucas Hedges) é perseguido no colégio, seu ex-marido (John Hawkes) vem tomar satisfações e o perigoso policial Jason Dixon (Sam Rockwell) decide transformar a vida de Mildred em um inferno.  À despeito de tudo o que acontece com ela e com o que a protagonista faz (*e ela comete crimes diversos*), Mildred continua firme na sua sede de justiça.

Uma mãe em busca de justiça.
Pretendo que esta resenha seja curta.  Primeiro, porque tenho que resenhar Me Chame pelo seu Nome ainda e, segundo, porque escrever demais faria com que eu desse spoilers demais.  Três Anúncios para um Crime é um filme que pode, sim, perder parte do seu impacto a depender do que a gente revele a mais sobre a trama.  Os três anúncios, que dão título ao filme, que aparecem em sequência em uma estrada quase deserta – daí a protagonista conseguir alugá-los – eram “Estuprada enquanto estava morrendo” ("Raped While Dying"), “E Até agora ninguém foi preso?” ("And Still No Arrests?"), e “Como é que pode, Chief Willoughby? ( "How Come, Chief Willoughby?").  Quando a gente olha essa história toda, espera pelo “baseado em fatos reais”, mas o roteirista,  Martin McDonagh, disse ter tido a ideia do filme ao ver outdoors semelhantes em uma estrada do Sul dos EUA.  McDonagh também dirigiu o filme e, para mim, é o grande injustiçado nas indicações, ainda mais com Nolan e a diretora de Lady Bird indicados. 

Ebbing, a cidadezinha do filme, é um ovo e, apesar de ter uma população multirracial, é dominada pelo racismo aberto da população branca.  Há quem tenha certo controle de sua língua e comportamentos, caso do Chefe Willoughby, há quem dê vasão ao que há de pior, como Dixon e sua mãe.  Uma das polêmicas do filme é que teriam redimido o terrível Jason Dixon, um racista, capaz das piores violências.  Sim, concordo, mas em um filme onde ninguém é bom, começando pela protagonista, a redenção de Dixon me pareceu coerente com a narrativa, ainda que empurrada por um recurso deus ex-machina que foi a carta do chefe de polícia.  Falando em Dixon, quando olho para ele penso em um Forest Gump do mal e, não, em um simples racista.

Quem mandou colocar os anúncios?
O policial me parece alguém que sofre de algum retardo mental, adulto, mas com comportamentos infantis.  Há brinquedos em sua mesa de trabalho, ele só lê quadrinhos (*vejam o uso depreciativo da Nona Arte!*), ele é dominado pela sua mãe, uma mulher cruel e capaz de lhe dar os piores conselhos.  É o Forest Gump deixado sob a influência do pior lixo branco possível.  Daí, tudo o que ele consegue fazer é descarregar sua raiva e frustração em gente que considera inferior: negros, gays, no anão  (Peter Dinklage) etc.  Mas o Chefe Willoughby vê qualidades nele.  Ao chegar no final do filme, minha visão de Dixon tinha se tornado menos dura, sem, contudo, acreditar que ele se tornou bonzinho, ou não ver nas suas agruras algum tipo de punição pelos seus atos cruéis.  Se Sam Rockwell receber o Oscar de Ator Coadjuvante, ele estará em boas mãos, só que há dois atores do filme indicados e Woody Harrelson faz um excelente trabalho, também.

O Chefe de Polícia, William Willoughby aparece nos outdoors de Mildred, ele é um homem de bem, um homem de família, no sentido mais stricto da coisa.  As cenas ternas de um filme tão árido e violento são dele com sua família.  Apesar do papel central de Mildred no filme, da ascendência dela sobre as demais personagens, descontando a protagonista, os homens têm muito mais espaço na película do que as mulheres.  No caso de Willoughby, ele é uma personagem sincera.  Ele tenta cumprir as leis, ele é racista e homofóbico na média geral, pensem que estamos em uma cidadezinha do Sul dos EUA, e ele tenta fazer o que é certo.  As pessoas precisam parar de se enganar e perceberem que estão inseridas em uma sociedade.  Willoughby não é uma exceção, é a regra.  Dixon, descartado o fato de eu acreditar que ele tem algum problema mental, é um caso extremo.

Quem não tem nada a perder,
ou acha que não tem, não se intimida.
O chefe fica furioso – embora não extravase isso – com Mildred, mas admira a sua coragem, sua determinação.  Em nenhum momento, tocou-se na questão, mas ele tem filhas.  Duas meninas lindas.  E se fossem elas as vítimas?  Eu fiquei esperando que alguém levantasse isso, mas nada é dito no filme.  Nada.  A personagem de Willoughby é carregada de nuances e ele tem seu drama pessoal, um câncer terminal.  Não é culpa de Mildred, mas o fato do chefe de polícia estar com a saúde debilitada alimenta o ódio da cidade contra ela.  Faz com que ela seja vista como uma pessoa má e, não, uma mãe que sofre.

E, sim, é preciso falar da protagonista.  Frances McDormand está soberba como a radicalização da mãe em busca de justiça, ou vingança, ela não parece distinguir muito bem as duas coisas.  Ao longo do filme, por meio de um feedback, percebemos que, apesar de dura (*e ela é mesmo*), Mildred sente culpa.  Se ela tivesse emprestado o carro para a filha... Se ela não tivesse discutido tão violentamente com a adolescente... Se ela fosse mais amorosa... Se... Imagino a dor de um pai, ou uma mãe, que acredita poder ter evitado tamanha tragédia com uma de suas crianças. 

Mildred é capaz de tudo.
A morte de Angela, a filha, tem também impacto na aparência de Mildred.  No flashback, atentem para o cabelo bem cuidado, as roupas “normais”, estava maquiada.  Durante o filme, Mildred se veste quase que com um uniforme, um macacão, não o mesmo, mas sempre assim e com o cabelo meio largado.  Ela me lembrou Pereirão, a personagem de Lília Cabral em Fina Estampa.  Será que o Aguinaldo Silva já comentou isso?  Não fui olhar... Enfim, trata-se de um luto eterno. Parece que a mulher, a mãe, envelheceu com a perda da filha.  

Daí, fica até difícil acreditar que aquela mulher tão dura, até cruel, capaz de tudo, era uma vítima de violência doméstica.  Até imagino ela batendo no marido, interpretado por John Hawkes, não apanhando dele.  Falando no marido, Mildred se tornou impermeável a qualquer agressão, seja a do marido, que a trocou por uma menina de 19 anos, seja da polícia, ou dos cidadãos de bem da cidade que querem calá-la.  Já li casos de pais e mães que lutaram por anos, sofreram atentados, perderam empregos, tiveram que mudar de país, porque não desistiram de buscar justiça.  Mildred é crível, uma versão barra-pesada e desbocada dos pais e mães que buscam compensação, respostas, culpados pela morte de seus filhos.

A mãe é pior que o filho.  
E o filme é ambíguo em relação ao empenho da polícia.  Como Três Anúncios tenta nos fazer olhar com bons olhos para o Chefe de Polícia, somos levados a crer que, sim, mas o resto dos policiais, em especial Dixon, estão se lixando para a resolução do crime.  É somente mais um, mais uma moça estuprada e morta.  Mais uma de muitas... essa dúvida o filme não vai tirar.  E independentemente de como a trama será conduzida a partir dos três outdoors, a gente não sabe de houve empenho por parte dos agentes da lei em resolverem o crime de imediato, em procurar suspeitos, ou, simplesmente, como a protagonista aponta, “estavam muito ocupados torturando negros”.

Falando em negros, há três personagens negras no filme, a chefe e amiga de Mildred, Denise (Amanda Warren); Jerome (Darrell Britt-Gibson), que trabalha para a empresa que coloca os outdoors; e o novo chefe de polícia, Abercrombie (Clarke Peters), que tem umas cenas ótimas.  Todas as três personagens são discriminadas, intimidadas (*menos o chefe*), agredidas por serem o que são, negras.  Todos três mostram simpatia pela dor de Mildred, assim como a personagem do excelente Peter Dinklage, que por sofrer de nanismo também sofre com a discriminação em vários momentos do filme.  E nem Mildred é gentil com ele.  Dinklage tem um papel pequeno, mas, acredito, teve o efeito de operar certa mudança em Mildred.  Enfim, vejam o filme.

Encontro amoroso?
Falando da Bechdel Rule, o filme se qualifica, acredito, por uma conversa entre Mildred e sua patroa-amiga.  Elas falam dos outdoors.  Há, também, a discussão de Mildred com a filha.  As outras conversas entre mulheres são sobre homens.  Por exemplo, a que a esposa do Chefe de Polícia tem com Anne (Abbie Cornish) tem com Mildred.  Aliás, não qualificaria Três Anúncios como um filme feminista, é um filme sobre uma mulher forte, sem dúvida, mas nada sabemos sobre as convicções da protagonista, o que temos é sua sede de justiça/vingança.  Uma mulher forte em um ambiente extremamente violento e machista.  Além disso, a única personagem caricata do filme é Pamela (Kerry Condon), a novinha que é mulher do ex-marido abusador de Mildred.  Enfim, ela não é uma pessoa, enfim, parece uma boneca que é incapaz de articular dois raciocínios.  Como representação feminina, não se sustenta.

Três Anúncios para um Crime recebeu sete indicações para a 90ª Cerimônia do Oscar: Melhor Filme, Roteiro Original, Melhor atriz, duas indicações para ator-coadjuvante, Melhor Trilha Sonora e Melhor Edição.   O filme vem de vários triunfos.  Levou o Globo de Ouro de melhor filme dramático, roteiro origina, melhor atriz e melhor ator coadjuvante (Sam Rockwell).  Venceu o Bafta na maioria das categorias que concorreu, inclusive filme, roteiro e atriz.  Venceu o prêmio do sindicato dos atores, levando melhor elenco, melhor atriz e melhor ator-coadjuvante (Sam Rockwell).  Enfim, o filme chega ao Oscar como grande favorito junto com A Forma da Água.


Woody Harrelson é um dos destaques do filme.
Concluindo, Lucas Hedges e Kathryn Newton estão em Lady Bird.  A jovem atriz fez o papel de Amy na última adaptação de Little Women.  É isso.  Gostei muito de Três Anúncios para um Crime.  Seu ponto de partida criativo, sua dureza, a força das interpretações torna Três Anúncios para um Crime um grande filme.  Gostei mais de A Forma da Água, não vou negar, mas se o prêmio maior do Oscar for para Três Anúncios, estará em ótimas mãos.  Recomendo muito.


2 pessoas comentaram:

Consegui ver os nove filmes e os classificaria assim:

Três Anúncios para um Crime, Me Chame pelo Seu Nome e A Forma da Água no topo. Me Chame pelo seu Nome foi o meu favorito, mas não tem o impacto dos outros dois. É mais uma linda história de amor no verão italiano do que qualquer outra coisa, pelo menos para mim. A Forma do Água eu gostei mais conforme fui pensando sobre o filme. Algumas cenas são muito bonitas e o final me emocionou muito (ainda que eu tenha gostado mais do final de Me Chame pelo seu Nome, com a cena da lareira). Mas acho que Três Anúncios leva o prêmio de melhor filme e o del Toro leva melhor direção. Eu não me incomodaria nem um pouco se isso acontecesse. Acho que Três Anúncios seja até o melhor dos três mesmo, ainda que não seja o que eu mais gostei.

Corra!, roteiro me incomodou e não acho que mereça os prêmios que tem levado, mas o filme é muito interessante.

O Destino de Uma Nação e The Post - A Guerra Secreta. Não são filmes que me emocionam, mas também não me ofendem.

Lady Bird - A Hora de Voar. Não esperava nada e fiquei encantado com o filme. Mas não acho que merecia estar no Oscar. Mesmo sem ter visto, acredito que Mudbound merecia estar no lugar aqui.

Dunkirk. Não senti nada vendo esse filme. Pura falta de emoção. Mas ainda é melhor que o último colocado.

Trama Fantasma. Detestei esse filme. Protagonista insuportável. Trata mulheres feito lixo. Fiquei com dó da mocinha, se metendo em uma enrascada até vir a grande virada no final que só serviu para me deixar com nojo de toda a trama. História com capa elegante para um conteúdo vulgar. Mas vai ver o problema sou eu, já que está todo mundo amando. Pior é ver machinho defendendo o protagonista porque ele estava dentro da casa dele e as mulheres estavam lá porque queriam. Assim, você pode fazer o que quiser, desde que seja dentro da sua casa. :P

Maravilhoso comentário! muito sensato e bom de ler. Eu torço com todas as forças para que "Três Anúncios para um Crime" vença Melhor Filme, mas se "A Forma da Água" vencer, eu não irei ficar triste.

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