domingo, 8 de abril de 2018

Ainda sobre educação no Japão, a dificuldade em discutir sexo e prevenção nas escolas

Gravidez na adolescência significa atraso na vida escolar da menina.
 Se podemos evitar, ou ajudar, por qual motivo não fazê-lo?
Comentei esta semana uma matéria do Japan Times sobre a gravidez na adolescência e a forma como isso é tratado pelas escolas públicas japonesas.  Enfim, o mesmo jornal (*imagino que seja uma série sobre a questão*) trouxe uma outra matéria relacionada ao tema, a dificuldade da sociedade japonesa em lidar com o sexo e a educação sexual dentro das escolas.

O texto começa citando uma entrevista de um urologista, Dr. Yasuhiko Onoe, de dezembro de 2016,  no qual o profissional foi incapaz de se referir ao pênis por seu nome correto e utilizou-se de uma palavra infantil, “ochinchin”.  A partir daí o JT ressalta que a mídia em geral em dificuldade em usar os termos adequados para os órgãos sexuais, recorrendo aos infantilismos, ou recorrendo a termos ocidentalizados, como “penis”, em inglês, e escrevendo em katakana.  Chocante, para dizer o mínimo.

Educação sexual mantém nossas crianças seguras. 
Lembrando que "kids",  em inglês, não necessariamente
se remete à crianças pequenas, ou crianças
.
Daí, a matéria pula para 16 de março deste ano, quando um membro da Assembleia Metropolitana de Tokyo e filiado ao partido Liberal Democrático, Toshiaki Koga, fez uma reclamação formal contra uma aula de educação sexual ministrada em uma escola de nível ginasial na região de Adachi.  A aula tocou em assuntos difíceis, como relação sexual (seikō), contracepção (hinin) e aborto (jinkō ninshin chūzetsu).  Um levantamento feito entre os alunos e alunas detectou que 44% deles considera correto para um aluno do Ensino Médio (colegial) fazer sexo.  O deputado – ou algo semelhante – argumentou que é possível discutir DSTs (Doenças Sexualmente Transmissíveis) sem falar em relação sexual, contracepção e aborto, que esses seriam temas pesados demais para a faixa etária de 13-15 anos.  O JT alertou no texto que, assim como a gravidez na adolescência, as DSTs vêm avançando entre os adolescentes e jovens japoneses.

O Comitê de Educação de Tokyo alertou as escolas de que é cedo para discutir a questão e que os três termos citados acima não poderiam ser usados de forma alguma, mas que poderiam e deveriam falar de DSTs.  O comitê de educação da cidade de Adachi replicou que não houve nada de impróprio na aula e que o objetivo era prevenir as gravidezes precoces e, não, estimular os alunos e alunas a fazerem sexo.  Segundo o Japan Times, Adachi é uma das prefeituras mais pobres de Tokyo e que os estudos apontam que a gravidez precoce está muito associada ao ciclo de pobreza da sociedade.  O governo de Tokyo não recuou.  Nada de aulas, conselhos individuais e orientação é suficiente.  

Livro didático censurado em Rondônia.
Triste, mas nem nos meus tempos de colégio o pessoal parecia tão obtuso em relação a esses assuntos.  Lembro dos vídeos de terror com doenças sexualmente transmissíveis, lembro que um professor de Geografia no 1º ano (*por conta própria, ou sei lá*) usou parte de sua aula para falar de educação sexual, lembro de um monte de coisas, mas a escola, mal ou bem, tomava uma posição.  De qualquer forma, ainda que o puritanismo japonês possa ter características próprias, vivemos tempos complicados.  

Ano passado, pais acionaram MP para proibir livro escolar com desenho de pênis em Rondônia.  O pênis foi censurado.  Para quem não lembra, corpo humano, reprodução e tudo mais é conteúdo do 8º ano (*antiga 7ª série*), quando os alunos e alunas tem uma média de 12-14 anos.  Houve, também, a questão com o quadrinho sobre O Diário de Anne Frank, banido por citar a palavra "vagina".  Pelo jeito, é melhor engravidar precocemente, contrair DSTs e ter outros problemas do que ser informado e ser acolhido.

1 pessoas comentaram:

É muito triste perceber que ainda as políticas educacionais são patriarcais e conservadoras tanto quanto a ignorância (fruto de uma educação familiar e escolar também patriarcal e fruto de uma religiosidade meramente coercitiva, dogmática e dominadora) de nossos pais, avós e ainda dos pais de uma geração nascida dos anos 2000 pra cá! Ou seja, a sensação que me dá é quando tomo conhecimento de medidas adotadas como essa em Rondônia é de não faria diferença estar meu pai ou minha mãe - um senhor de 1945 e uma mulher de 1964 - ou um parlamentar, um juiz ou promotor desses..
Às vezes esse exército de conservadorismo subestima a inteligência ou a mera capacidade lógica de nossos adolescentes, principalmente considerando o conteúdo das letras de músicas propagadas pelos grandes veículos de mídia de massas.. Que a educação, mesmo com tantas tentativas de asfixia, nos salve!

Parabéns pelo post e discussão, Valéria!

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