segunda-feira, 4 de março de 2019

Comentando A Caminho de Casa (EUA, 2019)


Como levo Júlia ao cinema desde os dois anos, ela acabou tomando gosto pela coisa.  É bom, porque eu gosto de cinema, mas é igualmente ruim, já que tenho que assistir (*ou tentar*) praticamente todo filme infantil que entra no circuito e dublado.  Pois bem, sábado assisti A Caminho de Casa (A Dog's Way Home).  Nenhuma novidade para mim, que cresci assistindo Lassie e Benji na Sessão da Tarde, mas é um filme que entrega o que promete, isto é, uma cadelinha fofa, muitas cenas dramáticas e desafios a serem enfrentados até o final feliz óbvio que é o reencontro com o dono.  Poderia não fazer a resenha, não fiz de Lego 2, que era bem mais interessante para um adulto, mas o filme tem algumas coisas que gostaria de pontuar.

Lucas (Jonah Hauer-King) e sua amiga Olivia (Alexandra Shipp), encontram uma cachorrinha em um canteiro de obras junto com muitos gatinhos e uma gata mãe.  A cachorra, que já tinha perdido a mãe e os irmãos, levados pelo serviço de controle de animais, vê em Lucas a possibilidade de ter um protetor e amigo.  O rapaz termina por levá-la para a casa onde mora com a mãe e lhe dá o nome de Bella. A mãe de Lucas, Terri (Ashley Judd), é uma ex-combatente que sofre de depressão.  A presença da cadela ajuda na sua recuperação e Bella acaba sendo levada (*clandestinamente*) até para o hospital onde seu dono trabalha para ajudar outros veteranos que fazem terapia.  Nesse meio tempo, Lucas continua alimentando os gatos no terreno com a obra, o que faz com que seja hostilizado pelo dono do lugar, Gunter Beckenbauer (Brian Markinson). 

Bella escolhe Lucas, por assim dizer.
Depois que Olivia liga para o serviço de proteção aos animais e para uma ONG avisando que ainda há gatos no local e não pode haver demolições na área, o sujeito decide se vingar.  Usando de contatos no serviço de controle de animais, ele consegue que Bella seja classificada como pitbull, raça proibida na cidade de Denver (Colorado), onde acontece a história.  Bella é apreendida, Lucas paga uma multa e é permitido levá-la para casa. No entanto, ele é avisado que se Bella for pega novamente, ela será abatida. Para evitar isso, Lucas envia a cadelinha para morar com parentes de Olivia em Farmington, Novo México, até que ele e sua mãe possam encontrar outra casa fora dos limites da cidade de Denver. No entanto, Bella sente a falta de Lucas, foge no dia que ele iria buscá-la para levá-la para a nova residência, e começa uma perigosa viagem de quase 650 quilômetros para casa.  

Apesar da história já vista, A Caminho de Casa não é um remake de alguma coisa, mas baseado em um livro de autoria de W. Bruce Cameron.  Vi na livraria hoje, com o cartaz do filme como capa do livro.  Enfim, sendo breve, se você for assistir ao filme da cachorrinha não irá se sentir ofendido/a, porque tudo é muito bem executado, por assim dizer.  Temos um monte de fofura e bons sentimentos em tela.  Só achei longo demais, Júlia começou a dispersar, eu reduziria em 15 ou 20 minutos sem problema.  Achei estranho, porém, que somente ouvíssemos os pensamentos de Bella e, não, de outros cães que aparecem no filme.  Que ela não entendesse gatos, lobos, pumas, pássaros, OK, mas os cachorros deveriam falar a mesma língua, eu imagino.

A médica brasileira Nise da Silveira foi uma das pioneiras
no tratamento de doenças mentais com o auxílio de animais.
Um dos trunfos do filme é fazer com que Bella pense e se comporte como um cachorro normalmente o faz.  Pode parecer bobo em alguns momentos, mas é crível, a voz interior de Bella convence como um cachorro pensando.  Já o título se explica pelo comando que Lucas estava ensinando para a cadelinha "volte pra casa", em situação de perigo.  E ela é capturada por não atender ao comando, pois imaginou que o sujeito do controle de animais e a polícia iriam fazer mal ao seu querido Lucas.  Depois disso, ela fará de tudo para ir para casa, só que, assim como em A Vida Secreta dos Bichos, depois de mais de dois anos de jornada, ela encontra outros ocupantes em seu lar.  O que Bella faz para encontrar sua família, não vou contar.

Não sabia que havia proibição em cidades norte-americanas da criação e posse de pitbulls, mas, ao que parece, a ideia de que esse tipo de cachorro é uma ameaça existe em vários lugares.  Eu tive uma Rottweiler, outra das raças malditas, e era o animal mais dócil do mundo, meu irmão colocava criancinhas para andar de cavalinho sobre a Pandora.  Agora, que ninguém se atrevesse a tentar invadir o nosso quintal, ou fazer mal para a minha mãe.  Mas uma vira-lata que tivemos antes, a Puppy, era inflexível em relação à proteção do quintal, mesmo gente conhecida, só entrava com alguém da família.  Dito isso, é bem terrível que se lance um estigma sobre uma determinada raça a ponto de exterminá-la.

Lucas e Bella desenvolvem uma amizade muito especial.
Um tema que se repete no filme é o da adoção.  Não somente a que os humanos fazem, acolhendo animais em situação de rua, caso de Bella, mas dos bichos que adotam outros de espécies diferentes.  Bella é adotada pela mãe gata.  Posteriormente, depois de presenciar a morte de uma puma, e o filme se posiciona criticamente contra a caça "esportiva" nesse momento, a cadelinha adota sua filhote, agindo como mãe adotiva do grande felino. A graça é que rapidamente a pequena puma começa a trazer comida para Bella, mas não a de sua preferência, gatos gostam de peixe, bela prefere frango e o queijo que Lucas costumava lhe dar.

O filme também mostra a situação de abandono e precariedade em que vivem muitos ex-combatentes norte-americanos.  Há o núcleo do hospital, onde Lucas trabalha e sua mãe se trata.  A mãe do rapaz não consegue emprego por causa das sequelas de guerra e, por isso, eles vivem em situação econômica apertada.  As pensões não devem ser essas coisas e há quem queira usar esse exemplo para impôr reformas no sistema previdenciário dos militares no Brasil (*sou crítica ao projeto em geral, não vou defender que os militares são privilegiados porque o para os civis é muito pior*).  A crítica maior, no entanto, vem através de um outro ex-combatente, Axel (Edward James Olmos), que acolhe Bella, mas a mantém na corrente.  

Roubar quando se tem fome é um crime?  
Axel mora nas ruas, visivelmente tem problemas mentais sequelas de guerra, e Bella passa a ser sua companhia forçada, por assim dizer.  Quando o homem finalmente morre, e não fica claro se foi suicídio, ou não, Bella quase termina perdendo a vida, também, afinal, ela está presa ao seu corpo. Na verdade, o filme trata de uns temas muito pesados para um produto infantil para toda família.  E sem recorrer ao dramalhão, embora fique no quase lá, há questões sérias que aparecem.  É errado roubar quando se tem fome?  Trata-se de Bella, claro, mas não se aplicaria a um humano?  É correto deixar um animal à mercê de um tutor irresponsável e cruel?  

Essa parte merece destaque, porque Bella termina sendo resgatada por dois rapazes durante um acidente na neve.  Ela e outro cão localizam um sujeito soterrado por causa de uma avalanche e os dois jovens acreditam que ambos os cachorros pertencem ao sujeito, que passa semanas no hospital.  Por conta dessa parte do filme, vi pela primeira vez um casal formado por dois homens (Barry Watson e Motell Gyn Foster) em um filme (*desenho animado, já tinha visto*) infanto-juvenil norte-americano, com um bônus, porque era um casal interracial.  Não sei se as crianças menores perceberam, mas a coisa era evidente.  Só que se estabeleceu uma espécie de hierarquia e reprodução de papéis de gênero um tanto estereotipados, um pólo masculino e outro feminino, por assim dizer.  Um era mostrado saindo para trabalhar, o outro ficava com cachorros.  Um era mais sensível, o outro, mais racional.

Bella consegue voltar para casa.
Lucas e Olívia também terminaram formando um casal interracial, na verdade, todos os casais que aparecem no filme, três, se não me engano, eram assim.  E Jonah Hauer-King e Alexandra Shipp formam um casal muito fofinho.  Ela, eu não consegui reconhecer, mas trata-se da atriz que interpreta Tempestade na nova franquia dos X-Men.  Já Jonah Hauer-King, que é um rapaz bem talentoso e bonitinho, foi o Laurie da última versão de Little Women e, como comentei nas resenhas que fiz da série da BBC, ele estava excelente no papel.  Espero ver mais filmes com ele. Como o da cachorrinha estava dublado, não tenho muito o que falar da interpretação do rapaz.

É isso.  Só fiz a resenha para comentar o quanto um filme tradicional e clichê pode ter muitas representações positivas de gênero e raça e ainda tocar em alguns temas difíceis de forma coerente.  Fala da questão da miséria nos EUA, das políticas nem sempre eficientes de acolhimento dos ex-combatentes, incluir um casal homoafetivo sem que isso cause qualquer impacto na história, é um casal como qualquer outro, além de contar com um elenco multirracial mostrando a diversidade da população norte-americana.  Cumpre a Bechdel Rule?Provavelmente, sim, pois deve haver alguma conversa entre duas personagens femininas com nomes sobre Bella.  É isso.  Não precisava ter assistido essa sessão da tarde no cinema, mas não me causou nenhum dano.

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