sexta-feira, 8 de março de 2019

Jornal do Shoujo Café: Dia Internacional das Mulheres ~Entre Marielles, Feminicídios, Sonegação de Informação e tentativas de sabotar a Capitã Marvel~



Não sei se este é o pior 8 de março que já vi, mas, certamente, entrará na conta dos piores.  Mais cedo, no trabalho, a cada cumprimento de "Feliz Dia da Mulher" (*sempre no singular, somos todas iguais mesmo*) ou "Vamos Comemorar o Nosso Dia", tive que mobilizar com todas as forças a adulta que existe em mim e cumprimentar de volta e sorrir.  Minha vontade seria perguntar "Qual o motivo da comemoração?".  

Somente ontem tropecei em sei lá quantas notícias de feminicídios e tentativas de feminicídios e estupros e outros (*Ex.: 1 - 2 - 3 - 4 - 5 - 6 - 7*).  Adolescentes, mulheres adultas, casadas, solteiras, pobres, de classe média, enfim, mulheres na sua diversidade unidas por uma realidade, em uma sociedade marcada pela violência de gênero, todas podem ser vítimas de um homem que, um dia, ou nunca, talvez, disse que lhes amava.  Bom se deparar, também com uma pesquisa que aponta que "Mulheres morrem mais por agressão que por câncer em 12 cidades do país", imaginem o buraco onde estamos e pensem que podemos descer ainda mais.  A culpa dessa desgraceira toda, segundo a ministra Damares, seria a defesa da igualdade de gênero.  Se as mulheres ficassem no seu lugar, nosso mundo seria somente de rosas.

Uma vida pela frente.
Hoje, mais cedo, uma das moças de ontem morreu.  Ela tinha bebido demais em um churrasco de Carnaval, passou mal, foi tentar se recuperar, terminou dormindo em um dos quartos. Foi violentada pelo cunhado do seu namorado. CUNHADO. O dito cujo, o namorado, ao presenciar a cena, vendo o outro homem nu com uma garota desmaiada, ela tinha somente 19 anos, poderia ser minha filha, a espancou e tocou fogo em seu corpo.  Tudo isso sem que ninguém se desse conta, ou fizesse uma intervenção.  Ela morreu mais cedo hoje.  Talvez, apareça alguém para fazer o julgamento moral da jovem, ao invés de condenar o ato bárbaro e a conivência de todos. A Record, optou por ficar entre a manchete picante e a piada.  Nojento.

Na mesma fatídica manhã, todos os portais estamparam a notícia de que uma senhora de 101 anos, sim, exatamente isso, foi violentada (*mais de uma vez, com certeza*) pelo seu genro.  O sujeito estava casado fazia 20 anos com a filha da idosa que, desconfiando de alguma coisa, filmou o celerado.  Quando nós, feministas, dizendo que basta ser mulher, que não é necessariamente uma questão de "ser bonita" segundo os padrões vigentes, há quem ria de nós, quem diga que é um absurdo.  Não é.  A violência contra as mulheres é sistêmica e reiterada.

Não se enganem, a agenda moral é a principal desse governo.
Só para reforçar que não estamos em momento de comemoração, ontem o presidente da república, o mesmo que postou pornografia pesada no seu Twitter oficial durante o Carnaval nos envergonhando internacionalmente (*mais uma vez*), decidiu mandar recolher a Caderneta de Saúde do Adolescente, porque ela traria informações inadequadas para a faixa etária e citou crianças de 9 anos como se adolescentes fossem. As informações seriam relativos à educação sexual, ensinando coisas básicas, como higiene da genitália (*o Brasil tem um número alarmante de câncer de pênis, porque muitos homens adultos não sabem essas coisas mínimas*), o uso de preservativos com o intuito de impedir as DSTs e a gravidez precoce, entre outras coisas úteis.  Parece que há versão menina e menino da tal cartilha.

Nós vivemos, nesse momento, uma epidemia se Sífilis em nosso país, mulheres e meninas são contaminadas e contaminam seus bebês ainda no ventre, mas o conselho do presidente é que "(...) Quem tiver a cartilha em casa, dá uma olhada porque vai estar na mão dos seus filhos, e, se você achar que é o caso, tira essas páginas que tratam desse tipo de assunto.".  Informação é poder, especialmente, quando se trata de meninas que podem adoecer e engravidar em um país no qual a interrupção da gravidez é praticamente impossível pelas vias legais.  No entanto, a palavra de ordem não é empoderar, o lema não é salvar vidas, é tornar a vida dos miseráveis ainda mais miserável.  E tenham certezas de que a pobreza tem sexo e tem cor.

Até professoras recebem, na média, menos que seus colegas.
Se não acredita, saiu o estudo   “Diferença do rendimento do trabalho de mulheres e homens nos grupos ocupacionais - Pnad Contínua 2018”.  Estava almoçando e assistindo o jornal destrinchá-lo.  As diferenças salariais entre homens e mulheres continuam grandes, as mulheres negras continuam ganhando menos.  Mas sabe uma coisa curiosa?  Quanto maior a escolaridade feminina, maior a diferença, porque os cargos de mando nas grandes empresas e corporações continuam, em sua maioria, nas mãos dos homens.  Escapa o serviço público, pelo menos em termos de salários iguais via concurso, porém, não é nada que o governo atual não possa dar um jeitinho.  E, claro, se a reforma da previdência proposta passar, as mulheres serão as mais prejudicadas.

Aliás, na mesma live em que falou da caderneta, o presidente condenou a exigência de curso de prevenção de assédio no edital do BB.  As maiores vítimas de assédio sexual tendem a ser mulheres e esse curso, que se tornou de praxe, fazia parte das boas normas de conduta dos funcionários, mas, para o novo presidente, ninguém precisa fazer cursinho, pois é questão de educação.  Percebendo o comportamento dele e de seus filhos, acredito que a maioria de nós deveria se posicionar pela existência desse e de outros cursos, inclusive, o de uso responsável da internet.

Muito simbólico esse desfile.
Ah, mas teve coisa legal esta semana?  Sim!  A Mancha Verde venceu com um samba enredo homenageando a corajosa Aqualtune, princesa africana, avó de Zumbi dos Palmares.  O tema se remetia à luta de negros e negras contra a escravidão e tinha uma linda mulher grávida como destaque.  Linda e com a minha idade, 43 anos.  No Rio, a Mangueira fez um dos desfiles mais corajosos que eu já vi, com uma linda menina na comissão de frente, e venceu.  O samba em si é bom para usar em aula, quer dizer, não onde eu leciono, mas é.  

Marielle foi homenageada e uma bandeira do Brasil belíssima sintetizou todo o desfile.  Um dos autores do samba era Manu da Cuíca, uma mulher.  Mas como ficar feliz se os responsáveis pela morte de Marielle estão livres, leves e soltos?  Semana que vem, completaremos 1 ano do assassinato dela e de sue motorista, Anderson.  Lembro de Boechat, dizendo que o crime seria rapidamente resolvido, porque era de interesse da polícia... Sei... Sei... 

A bandeira que a Mangueira levou para a Avenida.
Terminando, assisti Capitã Marvel ontem.  Se tiver condições, o dia está puxado, eu faço a resenha, mas queria deixar uns comentários sobre uma nojeira que está acontecendo.  Há um canal brasileiro do Youtube super famoso que publicou um vídeo com um título mais ou menos assim "Capitã Marvel é o PIOR filme da Marvel". Eles, porque são todos homens, claro, começam tentando fingir que não fazem parte do grupo de desocupados que está fazendo campanha para derrubar o filme antes mesmo de sua estréia, dando nota baixa no rotten tomatoes e imdb. Eles são diferentes, eles são profissionais e neutros.  Cheios de risinhos e complacência, eles começam a dizer coisas como "Pior, não, o terceiro pior, vai!" "Ah, mas tem umas garotas que vão gostar e a nossa opinião de nerd velho não conta." "Ah, conta, sim, eu vou dar minha opinião.". Podre. Não assisto mais nada desses sujeitos, nem compro um alfinete sequer que eles coloquem para vender.  

Não vou citar nomes, porque o Google coloca o vídeo deles em uma busca das mais simples "Capitã Marvel hoje". Meu marido estava procurando horários das sessões e quase desistiu de ir. Quase. Ele estava mais curioso que eu, ao que parece.  Resumindo, histórias de mulheres, sobre mulheres incomodam muita gente.  Muita mesmo.  Há homens com uma masculinidade muito frágil, daí, usam seu poder (*audiência, tempo, recursos e outros*) para tentar prejudicar tudo aquilo que possa, pelo menos por algumas horas, tirar deles e de seus machos maravilhosos os holofotes.

Uma heroína, só por existir, incomoda muita gente.
E acreditem, Capitã Marvel é um bom filme.  Eu colocaria na lista dos melhores do MCU (Marvel Cinematic Universe), Universo Cinematográfico Marvel.  Melhores não quer dizer melhor, mas essa questão de melhor, ou pior é um tanto subjetiva.  Já o machismo (*para não falar em misoginia*) é mais do que evidente, ele fede, ele tenta contaminar tudo, tanta intimidar as mulheres desde a sua infância mais remota e, em alguns casos, ele mata.  Em muitos casos, aliás.  E não, não há motivos de verdade para comemorar este 8 de março.

4 pessoas comentaram:

Eu queria uma opinião sua sobre a polêmica da gaviões da fiel

Não sei do que se trata a polêmica, Moisés.

A comissão de frente da escola gavioes da fiel, que gerou polêmica no meio cristão, já que apresentou o diabo a derrotar "Jesus". A escola rwwpondeu que na verdade, o homem a quem o diabo derrota seria o monge Santo Antao (não sei se você conhece ele, ele não é um santo muito famoso por aqui) porem saiu um vídeo onde supostamente um dos responsáveis pelo desfile da uma entrevista e diz que de fato o homem derrotado pelo diabo era Cristo e que a intenção era realmente provocar o cristianismo. Como cristã, você deve imaginar a revolta de padres e pastores nos púlpitos das igrejas. Pesquise e diga sua opinião, porque eu gosto de saber da opnião de pessoas esclarecidas como você sobre tais assuntos

Moisés, sou da opinião que a arte é livre para abordar temas religiosos em um país laico. Há quem se ofenda? OK. Eu, de minha parte, sei que Jesus Cristo não precisa de advogados, mas de testemunhas. minha formação cristã me ensinou que devo orar pela mudança de vida das pessoas e, não, entrar em contendas tentando impôr goela abaixo minha visão religiosa. Minha formação me ensinou, também, que Carnaval, por princípio, não é coisa de cristão, ainda que meu pai, que não nasceu em um lar evangélico, todos os anos, quando a Mangueira sempre era a última a desfilar, ligasse a TV pela manhã para ver a escola passar. No mais, o mundo jaz no maligno e, no momento em que vivemos, tenho mais certeza disso do que nunca. Parei para olhar o desfile da mangueira, porque sou historiadora e feminista, vi ali material que seria pertinente para o blog. Não assisti o desfile inteiro, no entanto. Agora, abrir post no Shoujo Café para discutir se a Gaviões da Fiel cometeu blasfêmia? Estamos em um Estado laico, ou deveríamos estar. Eu não assisto Carnaval, não frequento Carnaval, não ensino minha filha que Carnaval é uma coisa legal, ainda que não a tenha privado de participar da festa da escola. E só abriria um tópico se as reclamações dos "cristãos" estivessem colocando em risco a liberdade de expressão.

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