quinta-feira, 27 de janeiro de 2022

Com Maus sendo banido de bibliotecas, precisamos mais do que nunca manter viva a memória do Holocausto

"Em 27 de janeiro de 1945, soldados soviéticos entravam no campo de concentração de Auschwitz, no sul da Polônia, libertando milhares de sobreviventes do regime nazista.  Nesta quinta-feira, o mundo marca o Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto.  Em mensagem, o secretário-geral da ONU homenageia os “6 milhões de judeus que morreram”. A mensagem menciona ainda os povos roma e sinti, conhecidos por ciganos, e “as outras inúmeras vítimas de um horror sem precedentes de crueldade calculada”."  

O trecho veio da página da ONU marcando o Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto, que usa como marco a libertação de Auschwitz, e é necessário mais do que nunca lembrar do extermínio planejado e executado minuciosamente pelo governo alemão e seus agentes de judeus e outras minorias.  Sim, um genocídio é sempre uma ação de Estado, que é quem dispõe dos meios para isso, contra seu próprio povo, ou outros povos, no caso do nazismo, as vítimas caiam nos dois casos.  Para que chegássemos ao Holocausto, tivemos anos e anos de discursos que legitimavam a violência, justificavam a exclusão de minorias e insensibilizavam às massas.  O Holocausto não começou em Auschwitz, ou em outros campos de extermínio, ali, foi a concretização de um programa, a Solução Final.

Mas estou lembrando que hoje é o dia de lembrar as vítimas do Holocausto, porque é importante, porque o neonazismo está em ascensão, assim como a negação do Holocausto, e porque escolas públicas do estado norte-americano do Tennessee baniram Maus, a primeira e única graphic novel, nome chique para quadrinho, a vencer o Prêmio Pulitzer (1992), e que revisita as memórias do pai do autor (Art Spiegelman) em relação ao antes, durante e depois do Holocausto.   Em Maus, o autor conta a experiência de seu pai e sua mãe antes, durante e depois do Holocausto, dos efeitos que a vivência, especialmente, de seu pai teve sobre sua vida.  Spiegelman escolheu usar animais para identificar os povos, por exemplo, alemães são gatos, judeus são ratos, norte-americanos são cães, poloneses são porcos, franceses são sapos etc.  É importante lembrar que o discurso nazista animalizava os judeus, porque ao privá-los da sua humanidade tornava mais fácil fazer com que a população não os considerasse como gente como eles.  Desumanizar o inimigo é recurso utilizado pela extrema-direita até nossos dias. Maus é um quadrinho fundamental e já o dei de presente para quatro pessoas e, acredito, darei de presente de novo para mais alguém.

Segundo a matéria da BBC, mas há outras, o comitê de educação do Condado de McMinn apontou que o quadrinho é inadequado para os alunos e alunas do 8º ano por conter palavrões e nudez (*de ratinhos*).  Alguém propôs censurar os palavrões, mas o presidente do comitê disse se preocupar com os direitos autorais e a decisão foi de retirar os exemplares das bibliotecas.  

Lembro que algo semelhante foi feito com Gen Pés Descalços em escolas japonesas e as reações ao caso.  Todo mundo lembra de Gen para falar da bomba, mas o mangá discute o antes de Hiroshima, critica o imperialismo japonês e a violência do governo nipônico contra seu próprio povo.  É um mangá antes de tudo pacifista e que não nega a História, nem tenta reforçar a ideia de que o Japão foi tão vítima da guerra quanto, sei lá, os coreanos.  Retirar esses quadrinhos das bibliotecas escolares é uma forma de impedir que os estudantes tenham acesso a informação, algo fundamental quando estão em disputa as narrativas sobre o passado, sobre racismo e outras nojeiras que não podem ser esquecidas para que não continuem acontecendo.  Quanto menos testemunhas (*porque já se vão mais de 70 anos do fim da 2ª Guerra*) e testemunhos mais fácil esquecer, por isso, falar do Holocausto é importante e ler Maus pode ser uma introdução sólida ao tema.  Por isso mesmo, melhor retirar o livro da biblioteca, porque tem ratinhos pelados...

O fato é que o neonazismo está em alta, aqui, no Brasil, em especial, onde as células extremistas de direita estão em rápida expansão desde 2018.  E não vou terminar sem recomendar o vídeo do The Intercept com a antropóloga Adriana Dias, que estuda os movimentos neonazistas brasileiros e suas ligações antigas com o atual presidente, desde quando ele nem era cogitado como candidato.  vídeo abaixo:

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