terça-feira, 17 de janeiro de 2023

Comentando o volume #5 a Rosa de Versalhes: Um final irregular ou como um editor pode atravancar o trabalho de uma mangá-ka

Concluí a releitura do correspondente ao tomo #9 do volume #5 da edição da JBC da Rosa de Versalhes (ベルサイユのばら), obra máxima de Riyoko Ikeda, neste último fim de semana.  Não reli o primeiro gaiden ainda, nem o incluirei nesta resenha, porque não faz mesmo sentido juntar os momentos dramáticos retratados no volume #9 original com esse extra meio cômico e rocambolesco.  Foquemos, então, no desfecho da história de Oscar, Maria Antonieta e Fersen, cujo nascimento abre o mangá e cuja morte deve fechá-lo, também.  

Não vou retomar a história toda, peço que leiam as resenhas anteriores (*volumes 1 - 2 - 3 - 4*), mas só para delimitar um pouco as coisas.  A Rosa de Versalhes conta a história de três personagens, a rainha Maria Antonieta da França (1755-1793), o Conde Hans Axel von Fersen (1755-1810), seu amante, e Oscar François de Jarjayes (1755-1789), uma jovem da alta nobreza francesa, cujo pai, na falta de um herdeiro homem, decidiu criar sua filha caçula como um rapaz.  

Oscar, uma personagem fictícia, comanda a guarda real, que tem o dever de proteger a rainha e acabou se tornando a personagem favorita das leitoras, foi deslocada para a posição de protagonista, tornando-se uma das personagens dos mangás mais amadas de todos os tempos.  A série foi o primeiro mangá shoujo histórico e rompeu a bolha do seu público alvo, atraindo, desde a época de sua publicação (1972-74), uma legião de fãs adultas, além de homens que também se encantaram pela série.  

O volume #4 fecha com o início da Queda da Bastilha, marco da Revolução Francesa e do início da Idade Contemporânea, e a morte do amado de Oscar, André.  A heroína, no entanto, não se deixa derrotar pela dor, mas continua liderando a derrubada da fortaleza da Bastilha, oferecendo a sua experiência militar ao povo que, mesmo armado, não tem condição de tomar um dos símbolos do governo Absolutista que estava sendo derrubado.  Os guardas franceses reais realmente se juntaram ao povo no ataque à fortaleza, Oscar é o elemento ficcional da narrativa, mas que ajuda a reforçar alguns dos pontos da autora, a revolução é feita pelo povo, a coletividade.  Isso, porque o Marquês de Launay, governador da Bastilha manda alvejar Oscar crendo que morto o comandante, o povo se dispersaria. Um indivíduo pode ter impacto nos acontecimentos, mas não é capaz de parar os mecanismos da História, essa, com "H" maiúsculo.

Seque-se, então, a longuíssima, belamente desenhada e dramática morte de Oscar.  Se não houvesse seguimento ao mangá, a agonia da protagonista, que abraça a morte como uma amiga que a levaria ao encontro do amado, André, seria um fechamento perfeito para a narrativa do mangá.  Oscar afirma que viveu intensamente, odiou, chorou e amou, e que e nada se arrepende.  Alain se fere tentando protegê-la e presencia a morte da mulher que amou (*e que beijou à força no volume #4, em uma das cenas desnecessárias do mangá*) e Rosalie, a menina que Oscar acolheu em sua casa e que a ama e forma apaixonada, se desespera.  As últimas palavras da heroína são "Vive La France".  No anime, até disso Oscar foi um pouco roubada, porque na produção de TV, Oscar fica tão arrasada que é Alain, um homem, que praticamente a tem que arrastar para liderar seus homens.  André a levou para a revolução, é como se a protagonista não tivesse real envolvimento com os eventos estava presenciando.

É fácil imaginar o impacto emocional da morte de Oscar, na verdade, uma sequência de perdas que começaram com a morte de André, sobre as leitoras. Há entrevistas e outras matérias sobre a série que falam das crises de choro, das aulas em escolas femininas que foram canceladas e da carta ameaçadora que a autora recebeu com uma navalha.  "Você matou Oscar, agora se mate."  Dramático, sem dúvida, mas somente uma série que se tornaria eterna nos corações das japonesas e de tantos fãs pelo mundo a fora poderia produzir tal efeito.  

A partir da morte de Oscar, a autora recebeu um ultimatum e retomo uma fala de Riyoko Ikeda sobre o encerramento da série que diz muito sobre as minhas impressões sobre essa releitura "(...) Por fim, me foi assim mesmo imposto que terminasse a série em no máximo dez semanas a partir da morte de Oscar, e foi isso que fiz fielmente, abreviando um pouco os últimos momentos de vida de Maria Antonieta."  Não sei se até então houvera autor, ou autora, que ousara matar a protagonista moral de sua história e seguir adiante, isso porque, o mangá não era sobre Oscar, mas sobre as mulheres de Versalhes, como a autora explicou também em entrevista.

E a qualidade do mangá cai depois da morte de Oscar, porque, bem, Riyoko Ikeda teve que correr.  Ela precisava conduzir seu mangá até a morte de Maria Antonieta e Fersen, mas não poderia se demorar na condução dos acontecimentos. Resultado?  A série não perde em qualidade dramática, ou romantismo, porque Fersen e Antonieta estarão sob os holofotes daí para diante, mas perdemos em qualidade de narrativa histórica.  Fora isso, a autora tem uma difícil tarefa que é defender Maria Antonieta, mantê-la como uma heroína romântica, ao mesmo tempo em que está posicionada a favor da Revolução Francesa e imbuída de quase todos os (pre) conceitos históricos sobre o movimento.

Vou romper o cronológico da história e comentar uma sequência em especial.  Maria Antonieta foi julgada e condenada baseada em acusações que poderiam ser vistas como justas (*seus gastos exorbitantes, manter contato com líderes estrangeiros que lançaram suas tropas sobre a França*) e injustas (*ordenar que as tropas atacassem o povo, o caso do colar*), mas nada gerou tanta revolta quando a acusação de que ela teria abusado sexualmente de seu filho de oito anos que, aliás, lhe tinha sido tomado depois da execução do rei.

As leitoras sabem que Maria Antonieta é inocente, as mulheres que assistiam ao julgamento são colocadas clamando que aquilo era demais, que nenhuma mãe, mesmo a austríaca, a vadia (*o termo aparece várias vezes no texto traduzido e era usada para ofender a Maria Antonieta mesmo*), faria isso.  Qual a manobra que a autora faz então?  Ela tem verdadeira devoção por Robespierre e Saint-Just, então, ela coloca os dois, que aparecem pouco nesse final do mangá, horrorizadinhos e culpando Hébert que, naquele momento, 1793, era da mesma facção que os dois fofos pelo "exagero".  Na verdade, todos estavam juntos na empreitada de executar a rainha, não tinha santo nessa brincadeira, não.  

Aliás, Ikeda apresenta Maria Antonieta como personagem trágica nesta reta final do mangá, alguém que não mantém sua consciência de classe, ela se sente merecedora do lugar que ocupa nessa sociedade extremamente desigual, mas que se arrepende de parte o que fez.  Diferentemente, porém, da Antonieta do filme de Norma Shearer, que serve de inspiração para certas passagens do mangá, a de Riyoko Ikeda decide morrer como rainha e não irá vestir a aparência de penitente, ou baixar sua cabeça.  Não temos uma espécie de vida de santo, mas uma Maria Antonieta que evoca várias vezes a figura da mãe, a imperatriz Maria Teresa, cujo exemplo, quando tivera tempo, jamais seguiu.

Voltando, depois da morte de Oscar, o rei é alertado da Revolução em Paris e a autora continua pintando Luís XVI como uma figura patética.  Ele reclama com o Duque de Liancourt, porque ele ousou invadir seus aposentos e acordá-lo, "É mais uma revolta do povo, qual é a pressa?"  "Não Majestade!  Não é uma revolta, é uma revolução.", teria dito o duque e Ikeda coloca sua fala no mangá.  Liancourt e outros nobres tentam convencer o rei a fugir e tentar resistir em alguma região fiel e longe de Paris (*havia, sim, esta opção*), porém Luís XVI resiste.  

A partir daí, Ikeda faz questão de marcar, sem mostrar, que Polignac e a facção que ajudou a desencaminha a rainha fugiu.  É uma forma de reafirmar sua vilania das personagens, claro, mas a Polignac real foi meio que obrigada pela Rainha, que sabia o quanto sua amiga era odiada, a fugir.  Polignac, nesta época, já estava doente e irá morrer de câncer pouco tempo depois.  O Conde de Artois, futuro Carlos X, o mais odiado da família depois da Rainha Maria Antonieta, também parte, e o cita mais adiante junto com o outro irmão, o Conde de Provence.  Provence, que era muito discreto, só abandonaria a França no final de 1790, quando o rei aceita assinar a Constituição Civil do Clero, que literalmente submetia a Igreja ao Estado. Quando Luís se submete a isso, muitos nobres partem, inclusive as tias do rei, lembram da confusão com a Du Barry?  Pois é, mas nada disso está neste volume da Rosa de Versalhes.  Ambos são vendidos nessa reta final do mangá como conspiradores contra a França e seu irmão, o rei.

Luís XVI, instado a ir fugir, é colocado afirmando que se o fizesse, o duque de Orleans tomaria o trono.  Uma das grandes falhas dessa reta final do mangá é colocar somente esta menção ao duque que era, de certa maneira, o vilão quase titular da Rosa de Versalhes.  Eu esperava, porque não lembrava mais, que Ikeda colocasse o cínico voto de Orleans pela execução do primo na história, aliás, o voto dele fez toda diferença para que Luís XVI fosse para a guilhotina, mas a autora prefere colocar o discurso de Saint-Just.  E não estou reclamando, a fala de Saint-Just foi poderosa e aparece em questão de vestibular até hoje, mas perder a chance de colocar Orleans, ou inserir posteriormente a informação de que ele perdeu a cabeça na guilhotina (*antes de Maria Antonieta, aliás*) é um desperdício.

Nesta reta final, Fersen, que esteve praticamente ausente do volume anterior, ganha um peso enorme.  Ele está em Versalhes quando da marcha das mulheres para matar e/ou capturar a família real e presencia a cena espetacular (*que foi colocada de forma simbólica no anime de Omiisama E..., porque não está no mangá*) em que Maria Antonieta aplaca a ira da multidão ao sair de camisola e se curvar diante do povo que pedia sua morte.  Fersen visita o pai de Oscar, que foi o último nobre a planejar uma fuga de Antonieta (*sim, só para repetir, o General Jarjayes existiu*) e visitá-la na Concierge, sua última prisão.  Junto com Jarjayes, ele chora a morte de Oscar e não a recrimina por ter aderido à Revolução, mas diz que prefere defender a monarquia, na verdade, defender a mulher a quem ama.

Depois do ataque à Versalhes, a família real tem que se mudar para as Tulherias, que havia sido residência real antes o complexo monumental construído por Luís XIV.  Fersen visita Antonieta e planeja junto com a família real e o General Bouillé, que é citado como infame por nome na Marselhesa, a fuga do Rei, de Maria Antonieta, dos filhos e da Princesa Elisabeth, irmã caçula de Luís XVI e que se recusara a abandoná-lo, e que somente neste último volume recebe falas e alguma importância.  

A parte da fuga para Varennes (20-21 e junho de 1791) é a mais longa dessa reta final do mangá com toda a exposição dos erros e problemas na execução de um plano que terminou por acelerar a vinda da república. Como peça chave para o fracasso da empreitada, dentro do mangá, está a teimosia do rei que, curiosamente, não é desenhado de forma cômica nessa parte a história. É difícil entender como Ikeda me veio recentemente com essa história de que Luís XVI é seu homem favorito da Rosa de Versalhes.  Como?  Como?  Ele parece totalmente descolado da realidade.  E há um momento, bem antes, em que Antonieta diz que terá que ser o homem da família, naquele sentido bem quadradinho dos papéis de gênero, mas não dá em nada, não, porque Luís XVI é o rei, a rainha acaba cedendo e passa muito tempo chorando nos braços e Fersen.  Não a culpo, dada a situação.

Além de discordar da proposta de rota do General Boillé e outras sugestões, Luís XVI dispensa Fersen no maio o caminho.  O  sueco não esperava ser dispensado e fica absolutamente desesperado com o possível fiasco da tentativa de fuga que já estava visivelmente comprometida.  O conde deveria fugir por outra rota e a família continuar para Varennes.  Ikeda, não sei por qual motivo, optou por não colocar um dos detalhes mais legais dessa história toda, o rei, que estava disfarçado, foi reconhecido por uma moeda com sua efígie e, por conta disso, foi denunciado e capturado.  

Depois de capturados, temos uma sucessão de cenas muito violentas com Maria Antonieta sendo xingada e fisicamente agredida, além do fato de seus cabelos terem ficado brancos por causa do estresse naquilo que ficou conhecido como "síndrome de Maria Antonieta".  De volta a Paris, a fuga do rei, lida como uma traição, apressa a república.  Neste momento o mangá, Fersen está incógnito em Paris e disfarçado entra nas Tulherias.  Ainda há uma proposta de fuga, mas Luís XVI, de novo desenhado de forma séria, recusa argumentando que tinha um compromisso com o povo francês e com o Estado.  Se o rei não foge, a Maria Antonieta afirma que também não irá.  

Ikeda, antes dessa última proposta ao rei, mostra Fersen dando um anel para a rainha escrito "Tudo me leva a estar ao seu lado.".  É possível que esta peça houvesse de fato existido, a rainha cita o anel em uma carta, mas ele desapareceu.  No mangá, quando está para ser morta, Antonieta consegue mandá-lo e volta para  Fersen.  O anel aparece no filme com Norma Shearer, aliás.  Esta sequência mostra, também, Antonieta e Fersen fazendo juras de amor eterno e o conde afirmando que jamais se casaria, porque a rainha era sua verdadeira esposa e ele amava desde quando a vira pela primeira vez 19 anos antes.  E Ikeda afirma que, pela primeira e única vez, eles teriam feito amor.  

Muito provavelmente, a autora da Rosa de Versalhes está se baseando na única entrada do diário do Conde Fersen que manteve uma frase que ele usava quando passava a noite com suas amantes (*Antonia Fraser fala disso na sua biografia da Rainha*), "Reste-là" (Fiquei lá.).  Há duas teorias, ou eles teriam de fato somente tido relações nesse momento, já em 1792, ou o sobrinho-neto do conde, ou ele mesmo, vai saber, censuraram as outras entradas semelhantes.  O fato é que amantes, eles eram, a própria ciência apontou isso.

O fato é que Ikeda afirmou em uma entrevista que tinha um pouco de repulsa a Fersen, porque ele tinha várias amantes e planejara os detalhes da Fuga para Varennes na casa de uma delas.  Ikeda diz que retirou toda essa carga de Fersen, porque, bem, se estivesse no mangá, cairia por terra a ideia de um amor puro e idealizado.  A Valéria aos 15 anos talvez concordasse com ela, a Valéria de quase 47 anos vê isso como uma incompreensão da própria cultura da época, ou uma super idealização do amor.  Fersen amava Maria Antonieta, mas jamais poderia tê-la como esposa, logo, ele nunca se casou, é uma forma e manter sua fidelidade a ela, mas isso nada tem a ver com ter amantes, fazer sexo, criar outros laços de afeto, com o agravante dele ser um homem solteiro e desimpedido.  Se nem André se manteve casto por Oscar, por qual motivo o conde seria repulsivo por ter amantes?

Depois desse último encontro entre a Rainha e Fersen, o mangá corre para o seu final, só não digo que voa, porque ainda há alguns acontecimentos que precisam ser atendidos de forma mais demorada, como a execução do Rei, a separação entre Luís Charles e a mãe e o martírio final da Rainha.  Agora, os acontecimentos políticos são muito maltratados nesses últimos capítulos e nem falo de simplificação, é mais omissão mesmo.  Há de se apontar, também, e volto a isso no final da resenha, que a tradução/adaptação do mangá neste último capítulo deixou MUITO a desejar.

Como já afirmei antes, Ikeda tem lado.  Ela defende a Revolução, ela é fã dos jacobinos, eles representam os ideias de igualdade, liberdade e fraternidade.  Por conta disso, ela cria, porque está na tradução brasileira, na americana e tenho que checar na italiana, uma falsa divisão social.  Ela usa o termo "quarto estado" para separar burgueses, que ela desenha como os rentistas, os homens ricos, enfim, dos demais.  Ora, a Revolução aboliu os estamentos, os jacobinos em sua maioria eram burgueses, ainda que da pequena burguesia, não eram sans-culottes, termo para os trabalhadores urbanos radicalizados e que nem aparece no mangá.  

A oposição maior era entre uma nobreza liberal e setores burgueses que queriam manter a monarquia e os que queriam aboli-la, no entanto, a autora, talvez por seu background comunista, talvez por maniqueísmo, concentra a questão nas relações materiais e chamando os malvados de burgueses.  E se os maus são os burgueses, já que nem se fala mais de nobreza, os bons podem tudo, precisam ser justificados em todas as suas ações e é isso que ela faz com os jacobinos, quando há algum problema, é questão de cunho pessoal, não coletivo.  Não vou me estender em questões históricas factuais, posso escrever um post só sobre isso, se vocês quiserem, mas só a pedido mesmo, mas há uma única entrada para os girondinos no mangá, o Marquês de Lafayette de herói no volume anterior vira em traidor da Revolução em um quadro somente por causa do massacre do Campo de Marte.  

Falei do incidente extensamente na minha resenha de A Revolução em Paris, a Guarda Nacional reprime e mata populares que estavam enforcando desafetos, como se tivessem direito a isso.  E esses acontecimentos conduzem à invasão do Palácio das Tulherias, quando a família real quase foi morta em 10 de agosto de 1792.  Não sei por qual motivo, mas Ikeda fala em vários ataques e não deu o peso necessário a um acontecimento tão traumático e que levará a família real para a prisão do Templo, antigo palácio-fortaleza dos Templários.  A monarquia é abolida depois disso e temos o início da república.

Ikeda nem entra em detalhes, sequer fala de Marat, por exemplo, e  sua morte, elemento que apressou a radicalização da revolução, ou de Danton.  Agora, de todos os problemas factuais, acredito que o mais cruel de todos, porque à época do mangá isso já era sabido, é a autora colocar que Luís Charles foi muito bem tratado pelos revolucionários.  Ao tirarem o menino de Maria Antonieta, ela pergunta aos homens se eles não tinham filhos, um dos sujeitos diz que teve, que seus filhos morreram de fome por causa da rainha e seus gastos.  

Muito bem, há informações muito detalhadas, ainda que algumas possam ser contestadas, sobre o péssimo tratamento dado ao jovem Luís XVII.  Ele ficou boa parte do tempo sob a guarda de um sapateiro que deveria fazê-lo esquecer de sua condição de nobre, era surrado, recebia pouca comida, era obrigado a cantar as músicas revolucionárias muitas vezes sob o efeito de álcool que era obrigado a consumir.  Depois da execução de sua mãe (16 de outubro de 1793) e da princesa Elizabeth (10 de maio de 1794), o menino passou a ser mantido o máximo de tempo possível em uma cela imunda e morreu de tuberculose aos 10 anos de idade.  Desculpe, mas salvo por algum erro de tradução e houve um tanto de escolhas estranhas nesse volume, isso não é bom tratamento.

A despeito de toda a correria o drama final de Maria Antonieta e sua interação final com Rosalie são bem desenvolvidos.  A Rosalie da Rosa de Versalhes foi inspirada em Rosalie Lamorlière (1768-1848), uma jovem que serviu à rainha Maria Antonieta em seus últimos dias na prisão.  Ikeda lhe deu um passado que a uniu tanto à personagens históricas (Jeanne e Polignac), quanto à Oscar.  Muito bem, a jovem tem destaque no final da série ao servir de carcereira da rainha e tornar sua vida menos dura.  Em seus dias finais, Maria Antonieta foi submetida a condições duríssimas e qualquer demonstração de simpatia por ela poderia render a transferência e mesmo a execução de qualquer um que estivesse responsável por cuidar dela.  

A Rosalie do mangá permanece a seu serviço, porque seu marido, Bernard, tem conexões com os altos círculos jacobinos.  Ela presencia o desespero da rainha e ajuda o General Jarjayes a visitá-la.  Antonieta se recusa a tentar um plano de fuga que deixasse seus filhos para trás.  Rosalie guarda relíquias da rainha, como a fita que preia seu cabelo antes que este fosse cortado.  Ela relata dos sangramentos de Antonieta que, provavelmente, estava sofrendo de câncer de útero.  Outra funcionária da prisão comenta que a umidade é péssima para as mulheres e isso deve se ligar ao fato de muitos acreditarem que a esposa de Napoleão, Josephine, ficou estéril por conta das péssimas condições as quais foi submetida.

Os últimos quadros da história, a morte da rainha são belissimamente desenhados e sobrepõe os momentos felizes de Maria Antonieta com suas horas finais, a inspiração para os quadros de Riyoko Ikeda devem ter vindo do filme com Norma Shearer.  A rainha usa branco porque, segundo Antonia Fraser, lhe negaram o direito de usar o negro das viúvas, o que os revolucionários não sabiam é que o costume mais antigo é que as rainhas viúvas da França usassem branco.  Por conta disso, acabou sendo uma forma acidental de reafirmar tradições monárquicas.  Enfim, Maria Antonieta morre no mangá com a cabeça erguida e como filha da poderosa Maria Teresa, arrependida de seus excessos, mas certa de que os revolucionários não tinham o direito de derrubar a monarquia.  

Do nada, então, Ikeda tasca um Napoleão Bonaparte, fala que logo a morte de Antonieta seria esquecida e a França estaria a espera de um herói.  Realmente, olhando no conjunto, essa inserção de Napoleão não faz sentido na narrativa.  Ikeda admirar Napoleão, OK, mas ao colocá-lo ali, ela meio que quebra a intensidade dramática da morte da rainha e nega o tipo de visão histórica, como obra coletiva, que vinha afirmando ao longo dos seus últimos volumes.  E Napoleão apareceu outras vezes, porque durante os Estados Gerais, ele tinha trocado palavras com Oscar e a protagonista previra seu futuro brilhante.  Para quem não sabe, Ikeda fez um longo mangá biográfico ele, Eikou no Napoleon ~Eroica ~The Glory of Napoleon (栄光のナポレオン - エロイカ).

Caminhando para o fim, temos duas míseras páginas para a morte de Fersen.  Ele merecia mais, mas entendo que Ikeda não teve muita alternativa.  Lembrem que o volume #1 abre com o nascimento de Fersen, Antonieta e Oscar.  Muito bem, aqui, a tradução/adaptação da JBC desliza muito, porque Fersen é descrito como alguém que passou viver da memória de Maria Antonieta e do amor dos dois, passou a odiar o povo (os revolucionários) e tornou-se "uma autoridade sem escrúpulos" e foi linchado pelo povo na rua.  Sim, ele morreu desse jeito mesmo, era um reacionário nos seus últimos anos.  

A tradução me incomodou, fui até a versão em inglês, disponível na internet, e lá está "a coldhearted lord" (*um senhor/nobre/político/autoridade insensível*).  Muito diferente de "sem escrúpulos", não é mesmo?  O que está em japonês? "愛する女性をその手から奪いとった民衆を憎悪するあまりやがて心つめたい権力者となっていった".  Como ficaria traduzido? "Ele odiava as pessoas que tiraram a mulher que amava de suas mãos e, eventualmente, tornou-se um governante de coração frio".  Que escolha ruim essa de "sem escrúpulos", não é mesmo?  A gente entende o trauma de Fersen e sua rejeição às ideias revolucionárias, mas, não, que ele se torne sem escrúpulos, corrupto, o que quer que seja.

É o único problema?  Não.  Quando Ikeda fala do tal "quarto estado", aparece a palavra "proletário", o termo não era usado na época e duvido que Ikeda errasse nisso.  Em inglês, usaram "needy" (necessitados/pobres), termo que deve ser próximo do que está no original, mas não vou correr atrás disso.  Agora, há um erro crasso que não me escapou.  Quando Maria Antonieta reencontra Rosalie, a moça esclarece que não pode chamá-la de "majestade", mas deve usar "madame".  OK.  Ela comenta que seu marido conseguiu colocá-la naquela função.  OK.  Daí, Antonieta a chama de "mademoiselle" (senhorita), ao invés de "madame", afinal, ela era casada, ou de tratá-la pelo nome.  O que estava no original?  Rosalie-san. O erro não se justifica.  Ua tradução deficiente pode impactar a qualidade de um produto.  

Prolonguei demais esta resenha.  Aqui, fiz muito mais críticas do que em outros volumes, porque o pano de fundo histórico é o mais problemático.  Por outro lado, a gente sabe que Ikeda não pode trabalhar com o cuidado que gostaria.  A morte de Oscar é como uma bomba e é difícil continuar a série depois disso, o editor teve medo.   Ainda assim, a primeira peça da Rosa de Versalhes para o Takarazuka, em 1974, a montagem que salvou a Revue de sua crise, foi sobre o amor de Fersen e Maria Antonieta.  Gostando deles, ou não, trata-se de um casal histórico extremamente romântico e Riyoko Ikeda soube dar cores ainda mais bonitas ao amor dos dois.  É isso, quando for possível, resenho o gaiden.

Antes de concluir, preciso lembrar que minhas outras resenhas da Rosa de Versalhes foram roubadas e replicadas em um site especializado na série de Riyoko Ikeda.  Se você encontrar este texto em outro lugar, com data anterior a desta publicação, por favor me avise.  Aparentemente, a pessoa parou, mas nunca se sabe e preciso reunir mais provas para um futuro processo.

1 pessoas comentaram:

Eu realmente adorei ler o manga da Rosa de Versalhes e eu adoro ler as suas resenhas e tenho que admitir que as suas resenhas de Little Women fez eu comprar o livro no final do ano na Amazon e eu e meu irmão acabamos também comprando e lendo Rapazinhos e Os Meninos de Jo, eu gostei dos livros (mesmo que o final de Dan foi um pouco mais triste do que eu esperava) e tenho uma pergunta, você leu esses livros? Você já leu e tem opiniões sobre Rapazinhos e os Meninos de Jo?

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