Faz um pouquinho mais de um mês que eu escrevi meu primeiro texto sobre a novela das sete da Rede Globo. Continuo assistindo Vai na Fé e como não costumo acompanhar telenovelas contemporâneas, está sendo uma experiência diferente. Para se ter uma ideia, acho que a última contemporânea que assisti foi Salve Jorge (2012-13) e do horário das sete foi Ti-Ti-Ti (2010-11). Sei, também, que a autora de Vai na Fé, Rosane Svartman, é uma das mais badaladas da Globo no momento, e sua Totalmente Demais (2015) está entre as novelas mais vendidas da emissora no exterior (*o Coisas de TV fez um vídeo sobre o top 10*). Enfim, se eu continuo assistindo, investindo o meu tempo nessa novela, é porque gosto dela, certamente não é para passar raiva.
De um mês para cá, Carlão (Che Moais), marido de Sol morreu. Ele teria que sair de cena para que a protagonista pudesse se desenvolver. No acidente que matou a personagem, também estava Ben (Samuel de Assis) e o advogado acredita que sobreviveu praticamente ileso para poder fazer justiça às vítimas do acidente, que eram gente pobre e que ficou em situação ainda mais precária. Lumiar (Carolina Dieckmann) toma para si o dever de fazer justiça pelo marido, mas Theo (Emílio Dantas) e Orfeu (Nicollas Paixão), seu parceiro no crime, eram os donos do caminhão cheio de produtos contrabandeados que causou o acidente.
Theo descobre que Carlão estava entre as vítimas e passa a manipular Lumiar para que ela atrase o processo e evite que o marido reencontre a paixão do passado, enquanto ronda Sol se aproveitando do fato de estar de caso com Kate (Clara Moneke). Hugo (MC Cabelinho), que é apaixonado pela jovem e faz parte do "movimento", avisa Orfeu que Theo está circulando pelo bairro da Piedade. O marginal é fã de Carlão, que era lutador de boxe, e ameaça o sócio, não quer que ele vá mais até o bairro da Zona Norte do Rio.
Na verdade, a relação entre Orfeu e Theo vai se desgastando com o risco da polícia descobrir o esquema dos dois e imagino que o chefão de Piedade deva ser eliminado pelo vilão oficial da trama. Orfeu sempre ameaça Theo e o pressiona, inclusive a forçar Lumiar a tentar resolver o caso do caminhão por vias ilícitas. Com a morte de Carlão, Jenifer (Bella Campos) acaba descobrindo que ele não é seu pai biológico e começa a buscar por respostas, que a mãe não quer dar, e seu caminho deve se cruzar em breve com Ben e Theo, seus dois possíveis pais.
Fiz um resumo meio desorganizado temporalmente, mas é nesse pé que a novela está. A igreja continua sendo um dos eixos do núcleo de Piedade, mas não estão fazendo um bombardeio em cima da vida religiosa de Sol. Há imprecisões que podem ser fruto da falta de pesquisa, como a invenção de um curso de discipulado, que nada tem a ver com batismo, mas que se presta a servir de referência para quem sabe o que é o catecismo católico, ou escola bíblica, que é dominical, durante a semana. Tudo isso, no entanto, é de menor importância.
O que vai realmente medir se quem escreve a novela entende o que é, de forma geral, ser evangélico, é como Sol irá de comportar em relação a sua vida amorosa e sexual, agora que é viúva. Como crente, ela não estará autorizada a sair transando com Lui (José Loreto), ou mesmo entrando em um triângulo com Lumiar e Ben. Viuvez não significa liberdade sexual, muito pelo contrário, se quiserem realmente manter Sol como evangélica, a trama terá que lidar com elementos como a culpa e mesmo o afastamento da igreja. Dada a forma como a personalidade de Sol vem sendo construída e a sua relação com a família, será traumático isso. Sei que não haverá como contornar, mas essa discussão sobre vida sexual ativa deve vir, também, no namoro entre Jenifer e Otávio (Gabriel Contente), mas espero que a novela não perca tempo nisso.
Falando em Jenifer, o drama em torno da identidade de seu pai está sendo bem conduzido. Conseguiram até espaço para o humor, mesmo em um tema bem pesado, porque o passado de Sol envolve violência e a menina pode ser fruto do que Theo fez com sua mãe. Sabemos, claro, que não será, a graça toda é acompanhar como a história será desenrolada, mas é fato que a moça tem direito à verdade, mas que é preciso compreender o trauma de Sol. Ela tentou enterrar o seu passado e sempre foi tratada com desconfiança pela mãe e até pelo marido. Sol realmente acredita que teve culpa do que lhe aconteceu e quer distância de Theo e, por conta desses mal-entendidos de novela, de Ben, também.
Algo que mobilizou o fandom da novela e que parece que não será efetivado, é um romance entre Yuri (Jean Paulo Campos), bolsista amigo de Jenifer, e Fred (Henrique Barreira). Vejam bem, eu não sou dessa geração que vive de shippar personagens, mas veio a tona a fala de uma das colaboradoras da autora, que me pareceu no mínimo racista. “Por que o pretinho tem que se apaixonar pelo cara que tratou ele mal? Por que alimentar o imaginário de que homens héteros grosseiros são gays enrustidos?” Por qual motivo chamar a personagem de Jean Paulo Campos de "pretinho"? Então, se fosse um branco estaria OK? E desde quando o Fred é grosseiro? Vão transformar a personalidade dele por conta da forma como ele foi (mal) tratado por Guiga (Mel Maia)? Parece mais uma restrição a um romance interracial. E, repito, eu nem fico torcendo por isso, mas é a forma como a coisa foi colocada que me irrita.
Agora, nada me incomoda tanto quanto a destruição de Lumiar. Desde o início, era sabido dos recalques da personagem, de como se relacionava mal com o estilo de vida dos pais (*que tem viés de seita*), ou sua tentativa eterna de adiar o sonho de Ben de tirar um ano sabático, no entanto, ela era apresentada como uma profissional competente e de caráter. Lumiar, neste momento da trama, está prejudicando gente pobre, porque acreditou no papo de Theo de que seu casamento estaria em risco caso Ben encontrasse Sol. Está mentindo para as pessoas que ama e, durante algum tempo, negligenciou algo que sempre foi fundamental para ela, sua carreira.
Que ela ficasse insegura com a proximidade de Sol, eu até engulo, mas o que se está fazendo é a demolição da personagem que parece encarnar todos os estereótipos do feminino, ela é emocionalmente instável, é influenciável e ficou burra por amor. É triste e que ninguém venha me dizer que tem que ser assim, porque é possível fazer diferente. Poderiam até colocá-la fazendo de tudo para engravidar, porque ela sabe que Ben quer ter filhos e mentiu para ele que somente desejava adiar a maternidade, seria uma saída menos ofensiva Lumiar poderia perder Ben sem precisar ser destruída. Aliás, ela desconfiava de Theo e, de repente, passou a confiar cegamente nele. Enfim, a abordagem das inseguranças da personagem está sendo feita de forma machista e acredito que as coisas ainda vão piorar.
De 22 de janeiro para cá, o destaque da novela continua sendo o seu elenco. Sharon Menezzes e José Loreto tem interagido pouco nessa fase da história, mas continuam brilhando, quero que voltem a ter mais cenas juntos. Samuel de Assis, que eu só conheci nesta novela, se sai muito bem em todas as suas cenas, encanta quando está no tribunal, e como está se reencontrando com Sol, vai crescer ainda mais. Emilio Dantas é um vilão que a gente ama odiar, o que é importante, e a autora parece estar construindo muito bem a imagem do cafajeste que tortura psicologicamente a esposa, defendida por uma sofrida e sincera Regiane Alves, enquanto dá os seus pulos com a amante, a espetacular Clara Moneke.
E abro destaque para Clara Moneke, porque essa menina tem um potencial enorme e cada uma das suas cenas, que sempre oscilam entre a comédia e algum drama, são ótimas. Ela brilha em todos os momentos que aparece, sempre com seu ar abusado, e não sei se ela só segue o roteiro, ou cria alguma coisa de suas falas, mas o fato é que não existe aparição da Kate que não seja brilhante. Sem Kate e espero que o papel dela só aumente, a novela seria menos deliciosa. Será ótimo ver a reação de Kate quando ela compreender que está sendo usada por Theo, que a está transformando em uma cópia da Sol jovem que ele cobiçou e violentou. Ninguém no núcleo jovem é tão interessante quanto ela, mesmo que Bella Campos esteja mostrando que deixou Pantanal para trás e que pode ser muito versátil, desde que lhe deem a chance.
Ainda nos elogios, é preciso falar de Renata Sorrah, porque Wilma, a mãe de Lui Lorenzo é outro caso de papel secundário que vale o capítulo inteiro. Seu texto cheio de referências e citações a novelas, filmes, peças de teatro, literatura, são sempre bem-vindos e sua a forma cruel e amorosa com que trata o filho, bem, dá pena de Lui Lorenzo, que também tem sido alvo de Erika, interpretada pela competente Letícia Salles, outra que deixou sua personagem de Pantanal para trás em busca de novos desafios. Dito isso, todo o drama de Lui Lorenzo por causa do procedimento de harmonização facial tem rendido boas cenas de humor e apontado para algo que eu sempre comento quando vejo a foto de alguém que passou pelo processo, entre o antes e o depois, o antes sempre era melhor.
Não vou esticar mais este texto. Gosto de Vai na Fé, fico feliz com o sucesso de crítica e público, mas me sinto incomodada às vezes. Quanto à vida romântica de Sol, como o pastor da igreja não parece ter esposa, o que é raríssimo para a profissão, poderia ser outro interessado na protagonista. De resto, espero que Sol fique com Lui Lorenzo e que Ben seja somente uma boa recordação do passado e, daqui para frente, um pai presente para Jenifer.
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