domingo, 19 de fevereiro de 2023

Tudo bem dividir a conta em um encontro no Japão? Os japoneses e as japonesas respondem.

O Sora News, aproveitando o Dia dos Namorados no Japão, publicou uma pesquisa feita pelo aplicativo de namoro Omiai perguntando quem deve pagar a conta em um encontro.  Aliás, cabe explicar que Omiai(お見合い) é um costume japonês em que indivíduos solteiros são apresentados uns aos outros para considerar a possibilidade de casamento.  Enfim, participaram da pesquisa 217 homens e  247 mulheres em algum relacionamento romântico, é uma amostra pequena, ainda assim, útil.  A faixa etária dos entrevistados vai da adolescência até os 59 anos e o resultado marca bem as questões de gênero e geracionais dos entrevistados.  Vamos aos dados, depois, eu comento.

“Quero que o homem pague tudo pra mim.”
● Mulheres na adolescência: 14%
● Mulheres de 20 a 29 anos: 11%
● Mulheres de 30 a 39 anos: 21%
● Mulheres de 40 a 40 anos: 30%
● Mulheres de 50 a 59 anos: 44%

“Quero pagar por tudo.”
● Homens na adolescência: 15%
● Homens de 20 a 29 anos: 16%
● Homens de 30 a 39 anos: 30%
● Homens de 40 a 49 anos: 26%
● Homens de 50 a 59 anos: 48%

“Quero dividir os custos igualmente.” 
● Mulheres na adolescência: 67%
● Mulheres de 20 a 29 anos: 48%
● Mulheres de 30 a 39 anos: 40%
● Mulheres de 40 a 49 anos: 26%
● Mulheres de 50 a 59 anos: 25%
● Homens na adolescência: 55%
● Homens de 20 a 29 anos: 36%
● Homens de 30 a 39 anos: 26%
● Homens de 40 a 49 anos: 26%
● Homens de 50 a 59 anos: 14%

“Quero pagar por tudo.”
● Mulheres na adolescência: 2%
● Mulheres de 30 a 39 anos: 4%
● Mulheres de 50 a 59 anos: 2%

“Quero que a mulher pague tudo para mim.”
● Homens de 20 a 29 anos: 6%
● Homens de 30 a 39 anos: 4%
● Homens de 40 a 49 anos: 4%



Observando as porcentagens, fica claro que quanto mais velhas as pessoas são, mais elas aderem à ideia de que os homens devem arcar com as despesas.  A faixa de 50-59 anos seria a mais apegada a essa ideia.  São pessoas que cresceram nos anos 1960 e 1970 e foram bombardeados com a ideia de que o homem deveria ser o provedor, fora, claro, que poucas mulheres estavam no mercado de trabalho formal neste período, especialmente, as casadas.  Aliás, não sabemos pela matéria se as pessoas que responderam são empregadas, tem renda, enfim.  

Quando a questão é dividir as contas, mais uma vez, temos a questão geracional, pois são os mais jovens os que mais aderem a essa ideia.  Ainda assim, há mais de 10 pontos de diferença entre as meninas e meninos adolescentes.  Os meninos rejeitam mais a ideia de dividir a conta por igual, muito provavelmente, por se sentirem responsáveis por arcar com os custos de um encontro.  Algo semelhante ocorre na faixa dos 20-29, quando a maioria dos homens e mulheres está no mercado de trabalho.  


Já na faixa dos 30-39 anos, a diferença entre homens e mulheres é bem maior, elas são mais favoráveis a dividir, eles resistem à ideia.  O fato é que muitos homens são educados até os nossos dias, e isso não é somente no Japão, para se sentirem culpados por não serem capazes de pagar as despesas de suas parceiras.  As exceções (Mulheres pagarem tudo) não cabe nem comentar, porque é isso, ponto fora da regra.

Acredito que os resultados, mesmo em uma amostra pequena, apontem para os mecanismos de inculcação de papéis de gênero e como eles podem estar mudando no Japão.  No entanto, é preciso lembrar que para além dos discursos de igualdade, temos as questões materiais.  Segundo dados do ano passado, as mulheres japonesas ganham em média 44% do que os homens recebem pela mesma função.  Por isso mesmo, arcar com a conta, ou dividir em partes iguais, é muito mais penoso para elas do que para eles.


Procurei matérias brasileiras sobre o mesmo tema e não encontrei dados semelhantes ao da matéria do SN, mas artigos que traziam estatísticas mais gerais e comentários e não tinham a demografia.  Muito bem, segundo a matéria do Terra, as mulheres preferem dividir as contas, porque os tempos mudaram, mulheres trabalham fora e há os discursos feministas (*obviamente, a matéria usa no singular*) que empoderam as mulheres.  Ainda assim, muitos homens continuam sendo educados para acreditarem que devem pagar tudo e podem se ressentis com isso.  Já a matéria do Estado de Minas, ressalta que os homens preferem, ou dividir, ou pagar tudo.  É meio como no Japão.  Nesta mesma matéria, algumas mulheres entrevistadas ressaltaram que o homem pagar tudo é demonstração de gentileza, para essas mesmas entrevistadas, a mulher pagar tudo sinalizaria que o sujeito poderia se aproveitar para ficar encostado.  Ou seja, não há a ênfase no homem provedor, mas há uma desconfiança em relação ao comportamento masculino.

A matéria do Estado de Minas levantou a questão do empoderamento feminino e das mudanças de comportamento, mas sem tocar na renda, por outro lado, o texto ressalta que muitos homens esperam compensação (*leia-se sexo*), quando pagam um jantar, ou algo semelhante, para uma mulher.  Isso colocaria as mulheres em uma situação desigual e mesmo de risco, porque o homem acredita que tem o direito a ter acesso ao corpo de uma mulher por ter pago um jantar.  Fora, claro, que há quem acredite que ao pagar um café, um sorvete, um lanche, ou um jantar, está sustentando uma mulher.


E isso me fez lembrar do caso Caio Castro, quando o ator disse que não era pai de mulher alguma para arcar com suas despesas.  É um exagero, claro, mas aponta para uma visão que defende uma igualdade entre os sexos feita à força e sem reflexão.  Lembro que na época em que o ator falou sobre isso, houve quem levanta-se que as mulheres gastam mais que os homens em um encontro, seja em roupa, maquiagem, ou no transporte, mesmo ganhando muito menos que eles em muitos casos, fora que alguns produtos para mulheres simplesmente custam mais caro mesmo por motivo nenhum (*pink tax*).  Remexendo nesse caso, descobri que o ator processou um influencer que apontou o ridículo de achar que está sustentando uma mulher (*ele usou o termo pai, então subentende-se isso*) por pagar um jantar.  O vídeo do rapaz processado me pareceu muito coerente em apontar o quanto isso é ridículo.

Enfim, não sei como a maioria das pessoas resolvem essas questões, mas lembro que desde o meu namoro, costumávamos alternar quem pagava. Meu marido meio que tomou um susto no início, mas eu tinha zero experiência e acabei fazendo como achava que tinha que fazer mesmo.  E assim meio que segue até hoje no casamento.  Quem ganha mais costuma arcar com mais contas, mas isso não invalida o que eu pontuei acima sobre os gastos das mulheres sendo postos na balança, especialmente, as que estão nesse circuito de encontros e relacionamentos fora de um casamento.

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