domingo, 2 de julho de 2023

Comentando o primeiro capítulo de Ōoku (Netflix/2023): uma animação surpreendentemente fiel e carregada de emoção.

No dia 29 de junho, estreou mundialmente na Netflix a adaptação de Ōoku  (大奥), série animada baseada no mangá de mesmo nome de Fumi Yoshinaga.  A série cobre, em seus 10 episódios, os primeiros volumes do mangá  publicado entre 2005 e 2020 na revista shoujo Melody, que é para um público mais velho.  A série foi muito premiada e já foi adaptada para live action inúmeras vezes, a última adaptação estreou este ano na NHK e terá uma segunda temporada.  

Pois bem, Ōoku é uma série de história alternativa, que começa no início do século XVI, quando uma terrível doença, a varíola vermelha, dizima a população masculina, em especial, os jovens.  Este evento serve de ponto de divergência, algo importante no gênero história alternativa (ucronia),  entre a nossa linha temporal e a da série.  A carência de homens foi fator determinante no fechamento do Japão ao contato com o exterior (Sakoku).  No início, havia a esperança de que a doença fosse embora e houve o esforço para a manutenção da estrutura patriarcal da sociedade japonesa, porém, conforme o tempo passava, as mulheres terminaram assumindo o poder, porém, resquícios desse mundo dominado pelos homens continuaram lá e intrigavam a 8ª shogun, Yoshimune.

A série começa com a ida do jovem Yunoshin Mizuno para o Ōoku.  Ele faz parte de uma família samurai empobrecida, ele ama uma mulher rica da casta dos comerciantes chamada O-Nobu e não pode se casar com ela.  Ao ir para o Ōoku, ele conseguirá recursos financeiros para a sua família, permitindo que sua irmã possa se casar, porque conseguir um marido para si era muito caro, e obrigaria O-Nobu a esquecer dele e aceitar um pretendente adequado.  No Ōoku, Mizuno acaba descobrindo um ambiente corrompido, marcado por intrigas e violências, inclusive de caráter sexual.  O fato de tantos homens jovens e saudáveis estarem ali confinados é uma demonstração do poder da shogun e um desperdício na opinião do jovem.

Guiado por Sugishita, um experiente funcionário do Ōoku, ele começa a se adaptar, mas atrai a atenção do Camareiro-Chefe do harém que decide tirá-lo da condição de serviçal e colocá-lo no grupo que pode ser digno da atenção da nova shogun e esta é Yoshimune, que chega da distante província de Kii para assumir o poder.  Fujinami, o Camareiro-Chefe, acredita que Mizuno vá atrair a atenção da soberana, o que de fato acontece, mas o que nem o rapaz, nem Yoshimune sabe, é que a a tradição do Ōoku obriga o primeiro homem que se deitar com a shogun a morrer, porque sendo ela uma virgem, ele lhe roubaria a pureza e derramaria seu sangue.  Assim, o alto oficial salvaria seu próprio amante, Matsushima, o homem mais qualificado a se tornar concubino da shogun, de uma possível seleção inicial.

Quando me deparei com o primeiro capítulo de Ōoku com 79 minutos, eu me assustei.  É o tamanho de um modesto longa metragem.  A escolha foi ousada e acabou sendo certeira.  Todo o primeiro volume do mangá coube dentro desse tempo, deixando de fora muito pouca coisa que está no original.  Para quem nunca leu nada do que escrevi sobre essa série, ou a desconhece, o primeiro volume pode ser lido como uma obra fechada, somente o seu último capítulo se presta a fazer a ponte com o que vem depois, porque mostra Yoshimune procurando entender por qual motivo as mulheres são obrigadas a usar títulos e nomes masculinos, é essa descoberta que leva a um flashback que começa no volume #2 e irá ocupar o restante da série.  Eu imagino que Yoshinaga começou a lançar Ōoku calculando que, caso o mangá não desse certo, ele poderia parar nesse primeiro volume.

Eu pensei que a Netflix iria fazer uma lambança com Ōoku, mas o primeiro capítulo, mesmo com uma animação abaixo da média, porque ela é mais estática do que dinâmica, e se afastando em alguns momentos do traço da Fumi Yoshinaga, conseguiu oferecer um espetáculo muito digno.  A própria animação mais parada pode ter contribuído para reforçar que se trata de uma atmosfera opressiva e cheia de regras, ou seja, ela ajudou a marcar muito bem o que é o Ōoku, além disso, a música, o uso da câmera foram muito competentes.  Os créditos finais tem algo de épico e, ao mesmo tempo, intimista.  Enfim, foi emocionante mesmo, porque eu nunca imaginei ver esse mangá transformado em anime.  NUNCA!  

E eu quase chorei pela forma respeitosa como o primeiro volume foi adaptado, como conseguiu igualar o filme de 2010, como não diminuíram o papel de Sugishita mostrando inclusive como ele se tornará próximo de Yoshimune, eu já fico imaginando o impacto quando Arikoto estiver em cena. Aliás, esse primeiro capítulo deixou o do dorama de 2023 no chinelo.  Sem chance de comparação.  A adaptação da NHK colocou o primeiro volume em uma hora de episódio e cortou todas as tramas paralelas que tanto sabor dão para a história.  O anime nos deu o duelo, permitiu aprofundar a personalidade de Sugishita, mostrou bem o caráter de Yosimune e não eliminou o menino costureiro.

Pena que sempre adaptem a mesma parte do mangá.  Eu iria ficar realmente atordoada se a Netflix anunciasse uma adaptação integral de Ōoku, uma segunda temporada, ou, pelo menos, o arco da vacina e o arco final, como será no dorama. Algo mais fantástico seria poder ver o arco de Yoshimune, quando termina o flashback, e entender quem é Manabe e o papel de Hisamichi, o braço direito e melhor amiga da shogun.  O anime cobriu muito pouco, pois pegou somente do volume 1 até o início do volume 4.  


Em português, a série tem como subtítulo "Por Dentro do Castelo", uma tentativa de aproximar do título em inglês "The Inner Castle", só que a ideia na língua inglesa tenta capturar o sentido na língua japonesa.  Ōoku quer dizer "grande interior", não é a parte de dentro do castelo, mas uma área dentro do castelo do shogun, em Edo, atual Tokyo.  Era a residência da esposa e das concubinas do chefe militar e governante de fato do Japão entre  1603 e 1867, além de toda uma multidão de serviçais.  Por isso, talvez ficasse melhor, "a parte de dentro do Castelo", ou algo próximo.

É isso, vou continuar assistindo e devo fazer mais resenhas, aviso que a série tem muita violência de vários tipos, não é material para crianças, a classificação indicativa é 16 anos.  Quinta-feira mesmo, vi que tinham lançado, também, mais capítulos legendados do dorama.  Ver Ōoku em evidência é algo realmente fantástico, fora que é um reconhecimento do trabalho de Fumi Yoshinaga.  Resta saber se essa atenção toda vai fazer com que algum dos seus mangás chegue no Brasil.  Se quiserem ler as resenhas dos volumes da série e outros textos que fiz sobre Ōoku, basta clicar na tag.

2 pessoas comentaram:

Fiquei muito intrigada quando vi seu comentário no instagram sobre esse anime, fui correndo assistir e fiquei hipnotizada com a história, só sosseguei quando cheguei ao "final" hoje. Agora pretendo ler o mangá e, claro, ler teus textos sobre Ōoku aqui no Shoujo Café. Obrigada pela indicação preciosa, Valéria!

Gostei bastante do primeiro capítulo. Eu acompanhava as suas resenhas aqui pelo blog e, como sou ruim de nome e li elas há um certo tempo, consegui me surpreender com a história. Seria um sonho isso publicado no Brasil, tanto pela história em si quanto pela mangaka. E, tendo em vista as surpresas que o mercado nacional tem dado, a esperança aumenta, mesmo que seja pouco provável

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