sexta-feira, 14 de julho de 2023

Livraria na Hungria é multada por vender os quadrinhos de Heartstopper fora de um saco fosco

Heartstopper, série da autora britânica Alice Oseman, tornou-se um sucesso mundial empurrada pela série da Netflix que estreou no ano passado.  Contando com um elenco marcado pela diversidade, a série tem como protagonistas dois adolescentes, Charlie e Nick, que parecem não ter nada em comum, mas acabam se tornando amigos e descobrindo o amor.  É tudo muito água com açúcar e eu sei disso, porque meio que assisti pelas beiradas, porque minha filha se interessou e sentou para ver, graças, aliás, a um vídeo do canal da Louie Ponto. Eu paro para assistir aos vídeos dela, a Júlia eventualmente está por perto e vai atrás das séries que ela comenta.  Foi a mesma coisa com Xo, Kitty!, mas voltemos.

A Hungria tem um governo de extrema-direita, tipo era o nosso anterior, só que organizado e competente.  O que isso quer dizer?  Eles não fazem somente destruição e causam desespero, efetivamente, o governo de Viktor Orbán tem levado adiante políticas contra a comunidade LGBTQIAPN+, baniu os estudos de gênero, entregou as universidades públicas do país à iniciativa privada, adotou políticas contra a imigração, usa ideias antissemitas em seus discursos etc.  Assumidamente racista, ela disse em discurso do ano passado que "[Nós húngaros] estamos dispostos a nos misturar, mas não queremos nos tornar pessoas mestiças".  

Enfim, é um governo que usa muito bem o pânico moral para conseguir fazer avançar políticas que, supostamente, visam proteger a pureza do povo húngaro e seus (*supostos*) valores cristãos.  Há um artigo interessante da BBC do ano passado mostrando o quanto ele é admirado pelas reacionários nos EUA e no Brasil. E a União Europeia tolera tudo isso para que Orbán não abrace Putin, porque a despeito do que os tolinhos acreditam, Putin não é socialista, a Rússia atual não é a URSS, e o governante daquele país está muito mais próximo da extrema-direita mesmo.

Pois bem, a Lira, a segunda maior livraria da Hungria, foi multada quinta-feira pelo governo do país por vender os volumes do quadrinho fora de uma embalagem de alumínio.  O valor da multa é elevado, 12 milhões de florins (U$36.000).  E por qual motivo uma capa inócua rendeu tudo isso?  Vou citar direto da Reuters"O governo do primeiro-ministro Viktor Orban promove uma agenda fortemente cristã-conservadora e aprovou uma lei em 2021 proibindo a "exibição e promoção da homossexualidade" entre menores de 18 anos, apesar das fortes críticas de grupos de direitos humanos e da União Europeia." Pânico moral, criação de um inimigo (*uma velha estratégia fascista*), mobilização em torno de valores de um passado que nunca existiu (*reacionarismo, ultranacionalismo*), tudo isso tira a atenção da população daquilo que importa de verdade e ainda alivia a consciência, afinal, a culpa é do outro, o inimigo interno (*LGBTQIAPN+, feministas, comunistas etc.*) ou o externo, como os imigrantes, por exemplo.


Dentro da nova legislação, que é muito parecida com a que existe na Rússia de Putin, qualquer relacionamento fora da norma da heteronormatividade é prejudicial às crianças. Mesmo com essas e outras medidas estigmatizando os LGBTQIAPN+, discriminando minorias e demonizando os estudos de gênero, Orbán foi reeleito para um quarto mandato em 2022. A Lira decidiu recorrer, não sei se vai dar em alguma coisa.  É um caso  semelhante ao escândalo feito com o quadrinho Vingadores: a Cruzada das Crianças na Bienal do Livro no Rio de Janeiro tempos atrás, só que lá efetivamente a extrema-direita passou uma lei de censura e vem se perpetuando no poder.

A Hungria fica muito distante do Brasil, mas o governo de lá faz parte da extrema-direita mundial, que é muito articulada e colabora entre si, e era muito próximo do governo Bolsonaro.  E estou comentando essa notícia para marcar bem que esse poderia ser o nosso futuro se a extrema-direita não tivesse sido derrotada e para lembrar que direitos podem ser perdidos, aliás, é muito mais difícil obtê-los do que os perder e que devemos honrar a luta de gerações passadas para que mulheres, LGBTQIAPN+, negros e outras minorias pudessem gozar de cidadania.  O que você tem agora, pode não ter mais amanhã, basta votar errado, se calar, ou embarcar em discursos absurdos que se multiplicam por aí.

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