terça-feira, 4 de novembro de 2008

Eleições Americanas



Eu não voto, mas estou torcendo. Se não existissem outros motivos eu diria: Tenho medo da Sara Palin. Vai que o McCain bate as botas? Mas a eleição não está ganha por lá, muito longe disso. Aliás, as urnas podem ser amargas. Ontem recebi uma newsletter daqueles sites da direita religiosa americana dizendo que Obama pode ser o anti-cristo. Well, se for, amiguinhos, não há como pará-lo, afinal, é o anti-cristo. Imagina essas e outras bobagens repetidas por aí. De bõnus segue o texto do Contardo Calligaris da Folha de hoje.

Por Contardo Calligaris

Última hora

PELAS 9 da manhã de segunda-feira, entrei no DMV (equivalente ao Detran) da rua 34 para renovar minha carteira de motorista. Esperando que meu número fosse chamado, sentei ao lado de uma mulher entre 50 e 60 anos, branca, aparentemente de classe média.

Eu estava com todos os jornais do dia, mas o que aparecia em cima da pilha era o "Wall Street Journal", que favorece a candidatura de McCain. A mulher me apostrofou imediatamente, apontando para as fotografias dos dois candidatos na primeira página do jornal: "Eu soube de coisas que me deixam com medo. Você sabia que ele não nasceu nos Estados Unidos? E que ninguém tem acesso a seu histórico escolar, que é completamente sigiloso?".

Por um momento, pensei, honestamente, que a mulher estivesse se referindo a McCain e disse: "Sim, McCain nasceu no Panamá, fora dos EUA, e daí?".

A mulher, visivelmente desconcertada: "McCain? No Panamá?". Expliquei que, na época em que o candidato republicano nasceu, seus pais viviam na base naval americana no Panamá. A questão tinha sido levantada no começo das primárias: visto que um requisito da Presidência é que ela seja ocupada por um cidadão nascido nos EUA, McCain podia ou não ser presidente?

A mulher: "Isso de McCain eu não sabia. Não, eu falava de Obama". Eu: "Mas ele nasceu no Havaí". A mulher: "Isso é o que dizem, mas a certidão de nascimento dele é falsa, nem tem carimbo. De fato, ele nasceu no Quênia. E, além disso, seus registros de estudante, quando ele era amigo de terroristas, em Harvard, são inacessíveis".

Eu: "Essa história não me afeta muito... Sabe, a gente conhece todo tipo de pessoa na faculdade... De qualquer forma, quero escolher alguém que coloque o interesse do país em primeiro lugar". Usei essa expressão ("country first") de propósito, por se tratar do lema da campanha de McCain.

A mulher: "Então você vai votar em McCain. É ele que coloca o país em primeiro lugar". Eu: "Não, vou votar em Obama. McCain disse que colocaria o país em primeiro lugar e, aos 72 anos e com um câncer diagnosticado, escolheu uma vice-presidente catastrófica e isso por razões puramente eleitoreiras, não por interesse do país".

A mulher só acrescentou "meu Deus", levantou e foi embora, saiu para a rua, como se, de fato, sua razão de estar sentada ao meu lado fosse nossa conversa fracassada, e não a espera de alguma formalidade burocrática. Pode ser que ela fosse só uma eleitora atormentada e confusa. Mas pode ser também que ela fosse, digamos assim, uma agitadora. Afinal, mesmo na época da internet, é possível inventar e propagar um boato de maneira tradicional. E talvez seja eficiente: imagine, na véspera da eleição, milhares de senhoras, cada uma das quais, em conversas "casuais", interpelaria 50 ou 100 pessoas, insinuando a dúvida de que Obama poderia ser um "estrangeiro", um africano "infiltrado".

Quis comprovar a teoria. Sentei no Bryant Park, atrás da biblioteca pública da cidade, no espaço a céu aberto chamado Reading Room (sala de leitura). Li o "Financial Times" e o "Washington Post".

Só conversou comigo um sem-teto confuso e já bêbado (ou se fingindo de bêbado, vai saber). Se fosse um agitador, difícil dizer a favor de quem: a única coisa que repetiu com insistência, apontando seu dedo para uma fotografia de Sarah Palin, era: "I tell you, man, he fucks her, he fucks her..." (te digo, cara, ele t... com ela). Acho que "ele" devia ser McCain, mas não garanto.

Há, na cidade (e, imagino, no país), uma tensão: deve ser a sensação (justificada) de que amanhã, terça, acontecerá algo decisivo, junto com o medo de que, no último momento, um desastre qualquer comprometa o valor do processo. Na tarde de segunda-feira, em ruas quase desertas do Brooklyn, descubro que, seja qual for o resultado da eleição, a imagem de Obama se confunde com grafites e pichações. Presidente ou não, ele é um herói pop.
A imagem do Obama aí em cima veio daqui.

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