segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Comentando Wives and Daughters (BBC, 1999)


Assisti esta minissérie da BBC na semana passada, acho que foi a última coisa que fiz em 2010. Quando comecei, não tinha idéia de como era a história, mas sempre via passagens dela em vídeos feitos por fãs no Youtube. Enfim, trata-se de mais uma dramatização baseada em um livro de Elizabeth Gaskell, que é mais famosa entre os amantes de séries da BBC por Norte & Sul e Cranford (*que não conseguiu me prender, mas teve até continuação*). Já Wives and Daughters, a versão que eu vi, pois há outra de 1971, é de 1999, e anterior a essas duas. De Gaskell só li parte de Norte & Sul mesmo, então, não conheço o livro que deu origem à Wives and Daughters, só sabia de antemão que a autora tinha falecido antes de concluí-lo. Preciso ler mais Elizabeth Gaskell, espero conseguir fazer isso em breve. Mas vamos comentar a série.

A história se passa na década de 30 do século XIX, e a protagonista é Molly Gibson, uma moça afetuosa e inteligente, filha de um médico do interior. O pai viúvo criou a filha sozinho com a ajuda das solteironas da vila (*que me lembraram um pouco de Cranford*). Quando Molly tem 17 anos, um dos alunos do pai, que ensinava a profissão em casa, decide lhe mandar uma carta apaixonada. O Dr. Gibson intercepta a carta, dá uma chamada no rapaz, e sem explicar os motivos, envia Molly para uma temporada na casa de uma família nobre que mora perto, os Hamley.

Os Hamley se orgulham, ou pelo menos o chefe da família se sente assim, por serem descendentes da nobreza da época dos saxões, mas suas condições econômicas não são muito boas. Molly rapidamente passa a ser tratada como filha pelo Squire Hamley e sua esposa. A Sr.ª Hamley tem veneração pelo filho mais velho, Osbourne, que é considerado um gênio, e forte candidato a uma bolsa de estudo na Universidade de Cambridge. Já o filho caçula, Roger, é visto como excêntrico por se interessar por história natural e menos inteligente. O pai dos rapazes compartilha da opinião, mas de forma menos entusiasmada. Só que Osbourne fracassa em Cambridge, e Roger tem que trazer as péssimas notícias. Além disso, o filho mais velho está endividado. Roger faz questão de defender o irmão, mas parece haver algum segredo escondido, que ele não pode revelar. O fracasso do filho adorado termina por minar a saúde da Sr.ª Hamley, e azedar ainda mais a relação entre pai e filho.

Enquanto isso, o Dr. Gibson decide que precisa se casar de novo pelo bem de Molly e acaba se interessando por uma viúva bonita de nome Clare. Ela tem uma filha mais ou menos da idade de Molly, e alardeia que ajudou a menina quando ela se perdera em um passeio (*que aparece na abertura da série*). Mas, na verdade, ela tinha tratado Molly com desdém. Clare, ou Hacynthe, seu nome de batismo, está a serviço de Lady Cumnor que é paciente do Dr. Gibson, e a senhora nobre, por conehcr Clare, não vê com muita simpatia o casamento, mas também não o proíbe. Molly fica arrasada quando sabe do casamento do pai, mas Roger a consola e a moça passa a dividir com ele o interesse pelos estudos da História Natural. No dia da cerimônia, Molly conhece Lady Harriet, filha da dama para quem Clare trabalhava, e o Sr. Preston, um self made man desprezado pela dama. A filha de Clare, Cynthia, está estudando na França e só se juntará a família depois. Com o casamento, toda a dinâmica da casa é transformada e Molly tem que se submeter aos desmandos da madrasta que se recusa a liberá-la de imediato, por mero capricho, até para atender a Sr.ª Hamley, que está à morte.


A chegada de Cynthia, elegante, orgulhosa, rebelde, coquete, mas genuinamente afetuosa com Molly, torna a vida da moça mais suportável. Só que Clare tem planos para sua dotada filha, e deseja que ela se case com Osbourne, o herdeiro dos Hamley. Só que é Roger quem parece estar apaixonado pela moça para desespero de Molly. Clare trata Roger muito mal, mas quando ouve o marido e outro médico conversando sobre a saúde de Osbourne, ela decide estimular o relacionamento entre Roger e Cynthia, já que, provavelmente, ele herdará todas as propriedades do pai. Os dois ficam noivos “em segredo” a pedido da moça, e Roger, que conseguiu ganhar a bolsa de estudo em Cambridge, parte para a África em uma missão científica de dois anos. Molly fica com o coração partido, e o sentimento cresce a medida que vê a forma desdenhosa como a irmã trata as cartas de Roger, os relatos sobre seu trabalho e sua saúde, e como ela flerta com outros rapazes. Além disso, há a presença sinistra do Sr. Preston, que aprece incomodar profundamente Cynthia.

Quando o pai de Molly descobre sobre o caráter duvidoso da esposa – que estimula o comportamento caça dotes da filha – e o comportamento leviano de Cynthia, parece começar a se arrepender do casamento, mas não há remédio. Enquanto isso, Molly descobre o segredo de Cynthia e Preston, terminando por comprometer sua reputação para ajudar a irmã. Quando seu bom nome parece perdido, é Lady Harriet quem vem em seu socorro. Na casa dos Hamley, o Squire pressiona o filho mais velho a se casar com uma moça nobre e rica, sem saber que “o segredo” do rapaz é ter se casado com uma moça pobre, francesa (*o pai odeia franceses*), e católica. Para completar, ela acabou de ter um filho. Molly sabe de tudo e, na ausência de Roger, é ela que vai ter que contar os detalhes para o Squire Hamley quando Osborne falece. O velho até aceita o neto, mas quer tomá-lo da mãe. Já Roger recebe duas cartas na África, uma comunicando a morte do irmã e outra o rompimento do noivado com Cynthia.

E, então, chegamos ao desenlace: Cynthia vai se livrar de Preston, a quem prometeu casamento quando tinha somente 15 anos? Preston vai entregar as cartas que a moça escreveu e podem destruir sua reputação? O Squire Hamley vai aceitar a nora e o neto? Roger vai perceber que gosta de Molly?

Wives and Daughters é uma série bem interessante. Molly, interpretada por Justine Waddell, é muito simpática, e eu e torci por ela desde o primeiro momento. E só foi possível não detestar Cynthia exatamente porque ela se torna amiga de Molly e gosta muito dela. A atuação de Justine Waddell também ajudou, pois ela passa muito bem o amadurecimento da jovem, e o conflito de sentimentos da personagem, o riso e o choro, a firmeza de caráter que Molly parece ter. Se em Norte & Sul a protagonista não me chamou a atenção, aqui, ela é encantadora, forte, marcante. Outro que se destacou bastante foi Michael Gambon. E achei que foi em Wives and Daughters que vi a melhor interpretação dele. Ele mostra todas as contradições do velho patriarca que ama os filhos, mas quer dominá-los, que diz exigir somente uma coisa do filho mais velho, que ele se case com a pessoa certa, ainda que não a ame. Que preza a nobreza, mas abriria mão para que um dos filhos se casasse com Molly, a quem ama como filha. E não entende porque ambos insistem em vê-la como irmã. Já Barbara Leigh-Hunt, que faz Lady Cumnor, parece estar repetindo Lady Catherine de Bourgh de Orgulho & Preconceito, com um pouco menos de veneno. A pose autoritária e o desdém pelos “inferiores” são idênticos. Marca de classe? Talvez.


Quando foi apresentada a predileção dos pais, especialmente da mãe, por Osbourne, pensei que se criaria uma trama do tipo “irmão mau/irmão bom” e foi realmente um alívio ver que a coisa não seria construída de forma maniqueísta. O drama de Osbourne, a pressão do pai (*é raro ver um homem sendo pressionado para se casar “bem” nesses livros/séries*), o segredo, a forma como a saúde dele se consome porque sabe que precipitou a morte da mãe, a gentileza dele com Molly tudo isso enriquece a trama. Ainda não tinha visto Tom Hollander em um papel simpático, só me lembrava dele em papéis antipáticos, como John Ruskin e Mr. Collins. Já Anthony Howell, que faz o estudioso Roger, eu não lembro de ter visto em nenhum outro trabalho. Mas é interessante, porque ele parece um sujeito comum, ele não é bonito e é até meio desengonçado se comparado com os atores que geralmente fazem o protagonista dessas minisséries, mas está na medida certa da personagem. Roger é simpático, honrado, dedicado à família, mas um pouco avoado, já que não percebe o amor que Molly tem por ele e o fato de estar apaixonado pela moça. E ficou melhor de barba, mas ele só aparece assim em poucas cenas.

De resto, a série também opera no campo da crítica social, embora não com a mesma profundidade que em Norte & Sul, afinal, estamos vendo boa parte da sociedade a partir dos olhos de Molly e suas limitações. Um dos aspectos importantes é como as hierarquias sociais eram injustas para com as pessoas. Embora nobreza, e, portanto acima de gente comum como Molly e seu pai, os Hamley eram comensais da grande nobreza, que exala arrogância e condescendência, afinal, é o filho de Lord Cumnor que dá a bolsa para Roger. Um dinheiro que é muito bem-vindo para as finanças abaladas do Squire. Lady Harriet considera Molly “amiga”, mas a trata como Emma tratava as pessoas em sua pequena vila. Ela tem poder para exaltar ou destruir, e usa esse poder a favor de Molly. Há a questão, também, da fragilidade da honra das mulheres. Fácil de se manchar, quase impossível de ser emendada. E, claro, a honra de uma mulher agrega valor à honra de um homem, daí o desespero do pai de Molly. Como continuamos tendo crimes de honra ainda hoje, não posso dizer que a questão é datada, ainda que a desgraça não seja tão intensa.

Curiosamente, talvez uma das melhores personagens da série seja Sr. Preston (*com certeza é o ator mais bonito*), ou, pelo menos, eu simpatizei com ele. Ele não é vilão, embora assuma posições que possam passar essa idéia, especialmente sob o ponto de vista da nobreza. Assim como o pai de Molly, ele trabalha, mas por ter vindo de baixo, por não reconhecer “o seu lugar”, é desprezado por todos. Ser um self made man em uma sociedade norteada por valores aristocráticos não pesa a seu favor. Preston não vive de renda, construiu tudo com trabalho e inteligência, mas vale menos que qualquer membro da gentry mais decadente. Quando se suspeita de que ele e Molly estão namorando, todos vêem o caso com horror, não somente, porque (*dizem*) que ele é viciado em jogo, mas por ser um sujeito que veio de baixo e não rasteja diante da nobreza. E, no final, ele se mostra mais honrado que a média, muito melhor do que Cynthia, eu diria, e infinitamente superior à mãe da moça. Até cheguei a torcer por ele (*se bem que casar com Cynthia não é bem um prêmio*), mas como a personagem não era lá tão importante, ele aparece pouco.

É isso, já escrevi demais. Recomendo muito essa série. Além da história excelente e das ótimas atuações, o figurino é muito bonito. Talvez um dos que eu mais gostei de ver nas séries da BBC. Não gosto muito dos penteados da época retratada, mas Molly os usa muito pouco. Há também toda uma discussão sobre os progressos da ciência no século XIX, as discussões que possibilitaram a teoria Darwinista, e uma mocinha realmente interessada por essas questões. Só fiquei querendo esganar o Roger pela lentidão, por demorar tanto a perceber o que estava bem debaixo do seu nariz, mas isso é detalhe. Então, se estiver em busca de uma boa série de época, Wives and Daughters é uma excelente pedida.

6 pessoas comentaram:

Valéria,
maravilhosa resenha da série, me deu vontade de rever novamente.
Ah, dê uma chande para CRANFORD, a série é engraçada, leve, emocionante, tudo de bom!
Bjs

Eu pretendo dar uma nova chance para Cranford, sim. eu adoro as atrizes que fazem as velhinhas, mas achei que a série começou muito centrada nas fofocas da vilazinah do inteior... foi isso que me desanimou.

Valéria , muito obrigada pela resenha , vou assistir com toda certeza [amo a séries da BBC] .

Que post bacana! Gostei mto dessa série também, e concordo em todos os pontos com sua opinião.

Já assistiu "Downton Abbey"? Recomendo fortemente, acho que irá gostar!! :)

oi,adorei.
suas resenhas são as melhores
adoro lÊ-las.
vc pode me disser onde vc assistiu essa série?
se baixou,de onde?

Essa série tem legendas em português?

Ah ... a série Norte & Sul é maravilhosa, estupenda!!!

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