terça-feira, 19 de abril de 2011

Comentando o filme de Ōoku (Japão/2010)


Ontem finalmente assisti o filme de Ōoku (大奥). Todo mundo sabe que estava ansiosa, que esperava muito pela liberação de algum arquivo e assistiria até sem legendas, mas tudo acabou fluindo muito bem. O arquivo saiu e a legenda, em inglês, logo em seguida. Junto com The Borgias (*que não resenhei ainda*), Ōoku fez a alegria do meu fim de semana... E dormi muito pouco de domingo para segunda, porque queria assistir o filme e tendo começado, não consegui parar. Pois bem, o texto terá duas partes, na primeira, falo do filme em si, na segunda, faço algumas ponderações relacionando com o mangá. O resumo da história é o seguinte:

Japão, 1716, mas não estamos na nossa linha de tempo, mas de uma história alternativa. Neste Japão, uma doença chamada varíola vermelha dizimou boa parte da população masculina e o país agora é governado por mulheres. Mizuno (Kazunari Ninomiya) é um rapaz de 19 anos, filho de uma família de samurais empobrecidos. Ele é apaixonado por O-Nobu (Maki Horikita), sua amiga de infância, mas o casamento dos dois é impossível, pois além de pertencerem a classes diferentes, já que ela é filha de mercadores, a família do jovem é muito pobre. Mizuno ajuda mulheres que não tem marido e estão desesperadas para conceber sem cobrar nada em troca, mas sabe que é um peso para a família que, ao contrário de muitas outras na época em situação semelhante, não prostituiu o belo filho. Sem querer se casar por interesse, Mizuno decide entrar para o harém da Shogun, o tal Ōoku, do título, conseguindo assim os recursos para ajudar sua família e permitir que sua irmã se case. A decisão de Mizuno deixa O-Nobu arrasada e o rapaz acaba descobrindo que o Ōoku é um lugar torpe.


O Ōoku por si só é uma demonstração do poder e da riqueza da soberana, afinal, poucas mulheres têm um homem para chamar de seu, já que 75% da população masculina morreu e, reza a lenda, a Shogun teria 3000 ao seu dispôr. A rotina do harém é modificada quando a nova Shogun, chamada Yoshimune (Kou Shibasaki), assume o poder. Austera, desinsteressada dos luxos e vaidades, e preocupada com a situação de seu povo, ela vê a estrutura do Ōoku como uma ofensa em um momento de grave crise econômica. Concomitante à ascensão de Yoshimune, Mizuno sobe na hierarquia do Ōoku e, na primeira visita da Shogun ao harém, ele atrai a sua atenção. Sem saber qual era a tradição de Ōoku, tanto Yoshimune, quanto Mizuno, são pegos em uma armadilha, pois o primeiro homem com quem a Shogun se deitar, deve morrer. Mizuno agora tem certeza de que foi usado como joguete pelos poderosos do Ōoku, que conhecendo os gostos da nova soberana queriam alguém para o sacrifício, e ciente de que só tem poucas horas de vida, lamenta não ter passado a noite com sua amada O-Nobu pelo menos uma vez...

Basicamente, o filme de Ōoku é muito fiel ao mangá e, ainda assim, consegue inovar e ter sua própria força, ou seja, ele consegue ser uma adaptação ideal e quem não leu o mangá pode assisti-lo e curtir a história integralmente. Sem fugir da trama do primeiro volume, afinal, adaptar tudo seria impossível, o roteiro acrescenta detalhes (*como o excelente segundo duelo entre Mizuno e Tsuruoka, uma das melhores cenas do filme*) e deixa de fora questões que conduzirão à trama principal que começa segundo volume, isto é, como as mulheres chegaram ao poder e o mundo é da forma como é nos dias de Yoshimune. Todo esse bom senso, uma obra respeitosa com o original e, ao mesmo tempo, independente, com princípio, meio e fim. Fora isso, cenários, figurino e música – grandiosa, comovente – combinam muito bem, ou seja, se conseguisse esquecer o mangá original totalmente, a minha nota é dez com louvor. Eu comecei a assistir e não consegui parar até o desfecho e estou me esforçando para não sentar para assistir novamente. Acho que farei isso na Semana Santa.


Eu não confiava em Kazunari Ninomiya, pois, em primeiro lugar, ele não se parece com o Mizuno do mangá, mas o rapaz conseguiu defender com extrema competência a personagem que é honrada e luta para manter sua sanidade e dignidade em um ambiente corrompido. Ele crítica o luxo e ao desperdício que era ter homens confinados, quando tantas mulheres não tinham maridos, a começar com a escolha da roupa preta enquanto os outros pareciam borboletas enfeitadíssimas. As cenas dele com O-Nobu são muito comoventes, ainda que o beijo de despedida dos dois tenha sido muito superior no mangá. Aliás, foram três cenas de beijo, um exagero em filme ou dorama japonês. Todos os três estavam no original.

O primeiro, em O-Nobu, foi fraco. Precisava de muito mais emoção e paixão, afinal, eles se amavam e não iriam se ver nunca mais. O segundo foi uma dádiva de Mizuno ao jovem costureiro que fez o seu traje formal e era apaixonado por ele (*sim, aquilo era mais do que "akogare", admiração*). Esta cena foi modificada e ficou muito melhor, pois Sugishita (Sadao Abe), o camareiro de Mizuno, cai em um riso tão rasgado por causa do constrangimento do moço – absolutamente heterossexual – e da alegria do costureiro que foi a cena mais engraçada do filme inteiro. E tem os beijos carregados de paixão e angústia entre Mizuno e Yoshimune, coisa que eu nunca vi em filme ou dorama japonês. Enfim, Ninomiya conseguiu ir do humor ao drama sem parecer artificial ou forçado, combinou mais com Yoshimune do que com O-Nobu, mas acredito que aí pesou o talento e/ou experiência das atrizes. Enfim, pode não parecer o Mizuno do mangá, mas criou o seu próprio e, bem, ficou muito, muito bom.


Um ator que eu achei que trabalharia pouco, afinal, no mangá a personagem é relativamente pequena, era Tamaki Hiroshi, o Chiaki de Nodame Cantabile. Mas a personagem acabou tendo o seu papel ampliado no filme. E não foi um exagero, pois tornou tudo mais interessante. Conspirando sempre, elegante e polido por fora, mas frio e cruel por dentro, seu Matsushima ainda é dono da última frase do filme, onde admite que a Shogun os derrotou. Todas as cenas do Tamaki Hiroshi foram ótimas, aliás, e eu destaco o desprezo sutil e direto que ele demonstra por Tsuruoka, seu jovem amante, quando ele é derrotado em duelo por Mizuno.a primeira vez. Esta cena, de humilhação extrema e elegante, foi criada para o filme, assim como o segundo duelo e o fim trágico do moço. E outra coisa que eu queria destacar é que Tamaki Hiroshi parece muito maduro, envelhecido até, mais do que a personagem pedia, inclusive, pois o Matsushima do mangá parecia bem mais jovem... ou, como muitos no harém, assim queria parecer. E são de Tamaki Hiroshi a maioria das cenas homoeróticas. do filme, pois além de amante de Tsuruoka, ele freqüenta a cama do vice-chanceler. Tudo estava no mangá.

Sadao Abe também está muito bem como Sugishita, uma das minhas personagens favoritas no mangá, mas fisicamente, ele é o que menos se parece com o original. Sugishita era um homem bonito com seus trinta e poucos anos, mas sem perspectiva de subir na hierarquia do Ōoku. E ele não encontra com a Shogun como noimangá. É a única coisa que eu realmente lamento, pois Yoshimune o toma como serviçal e amante. A última cena da personagem é de desalento diante do fim trágico de Mizuno. Uma pena mesmo. Mas quem mostra a maior tristeza é o costureiro que chora copiosamente sobre a roupa do protagonista. É uma cena bem tocante, especialmente se você não leu o mangá...


E chegamos a Yoshimune, a personagem mais forte do filme. Mizuno é o protagonista, isso é indiscutível, mas é Yoshimune que domina todas as cenas onde aparece. E como Kou Shibasaki estava perfeita! Ela se tornou a Shogun, passando a força necessária que a persoangem exigia, e ainda temos cenas externas com ela, montando a cavalo, andando incógnita por Edo, coisa que não está no volume original. Enfim, faltou um pouco da luxúria da Yoshimune do mangá, mas isso estava na parte que foi descartada, o último capítulo. Tiraram um pouco do humor de Yoshimune e da sua paixão por homens feios e pobres, mas sobrou dignidade. Me lembrou um pouco a mudança que fizeram com Oscar, da Rosa de Versalhes, na adaptação do mangá para o anime. No entanto, todas as cenas dela foram perfeitas, começando com a expulsão da cortesã (*que aqui não é sinônimo de prostituta*) amante do luxo, passando pela primeira audiência no Ōoku, e culminando com as cenas com Mizuno. O mangá ganhou vida diante dos meus olhos! Aliás, a sensação era essa mesmo, e foi a melhor adaptação desse tipo de material que eu já vi.

Outra atriz que merece destaque é a que faz a ministra Kano Hisamichi. Ela não parece com as personagens gordinhas de Fumi Yoshinaga, mas estava muito bem como a personagem que fala manso, é toda bom senso, mas sabe exercer o poder que tem. A moça que fez O-Nobu é bonita, comovente na sua dor, mas, enfim, é só isso mesmo. Ela até apareceu mais do que no mangá, já que o aspecto história de amor é enfatizado, mas as cenas dela como Mizuno poderiam ser um pouco melhores... Não sei, eles pareciam um pouco travados juntos. E a atriz que faz a mãe do Mizuno, apesar de ser uma pontinha só, é espetacular.


Enfim, Ōoku ultrapassou todas as minhas expectativas. Eu já tinha amado os trailers, mas o filme em si foi muito, muito, muito melhor. E ainda incluíram várias coisas legais, sem cortar passagens realmente importantes. Claro, que se eu não tivesse lido o mangá, talvez fosse um pouco mais emocionantes, afinal, eu não saberia o destino de Mizuno... Eu imagino que iria me debulhar em lágrimas, porque a tensão e a angústia vão crescendo, crescendo, crescendo, até a cena da execução... Acho que foi uma das primeiras vezes que lamentei ter os spoilers... ^_^ Bem, se você ainda tem dúvida se o filme vale a pena, saiba que vale e muito. Não deixe de baixar o arquivo.



Se você continuar a partir daqui, vai ler algumas considerações que só valem para quem conhece o mangá. Como já escrevi, pouca coisa foi mudada, mas algumas questões foram fundamentais.

Primeiro, logo no início do filme, é O-Nobu que propõe de forma muito séria que Mizuno passe uma noite com ela. No mangá, é o inverso e o rapaz faz a proposta em tom de brincadeira... claro, que para esconder o que sentia, mas, ainda assim, o objetivo era tornar Mizuno mais sério no filme. E conseguiram! Outra questão importante é que o passeio da Shogun pelo exterior, só pode ser explicado se considerarmos que a província governada por Yoshimune ficava no interior, pois ela teve toda a chance de conhecer o país, afinal, viveu no mundo exterior durante toda a sua vida. Essa passagem da Shogun passeando com um guarda-costas vem, se não me engano, do terceiro volume. A Shogun, neste caso, era Iemitsu, que tinha crescido reclusa no Ōoku.


Em Edo, Yoshimune vê vários homens doentes e é dito que a contaminação pela varíola vermelha voltou a crescer. Isso não acontece no primeiro volume, mas o objetivo era mostrar como a doença se espalhava, mostrar a cidade, a população, os costumes. Aliás, o sujeito desfilando pelo bairro do prazer como uma oiran, foi uma das cenas mais impressionantes do filme inteiro, porque inverte as imagens associadas aos papéis de gênero. O último capítulo do mangá foi cortado. Não reclamo, ele era uma introdução para o que viria depois, Yoshimune querendo descobrir o porquê das mulheres usarem títulos masculinos, mas é exatamente neste capítulo que a Shogun é apresentada como uma mulher cheia de luxúria, só que direcionada para homens que não são bonitos ou nobres... ela catava os criados mesmo, “aqueles que não eram dignos do olhar do Shogun” e fugia do protocolo do Ōoku. Pois bem, exatamente por causa disso, a Shogun não encontrou com Sugishita. Queria que Sugisshita tivesse o mesmo final do mangá. É minha única grande reclamação.

A opção de terminar com a dissolução do Ōoku foi boa, afinal, o filme é sobre o harém. No entanto, não fica claro – ou a legenda omitiu – se os sujeitos foram dispensados com dote, como no mangá, para que pudessem se casar. Eu estou ressaltando isso, pois quando Iemitsu, a primeira Shogun, dispensou parte dos homens do harém, eles foram mandados para o distrito do prazer e prostituídos à força. Isso fica claro que Yoshimune não fez, mas não se fala em indenização. Enfim, foi um detalhe que escapou, mas é somente isso mesmo.

11 pessoas comentaram:

confesso que não conhecia a história, agora me deu muita vontade de ver, apesar de saber o final de Mizuno. rs

Um... será que vc sabe mesmo como termina? ^_^

Tô doido pra ver, principalmente por causa da Kou Shibasaki^^

Acho que vou baixar...
Mas filme bom mesmo é Pricesa Mononoke...
O melhor que eu já vi...

Sem entrar no mérito de Mononoke Hime que é excelente, Ōoku não é animação. Eu não gosto de misturar as coisas.

Quero muito assistir esse filme, mas para download da legenda é necessária uma senha e pelo que procurei o site não fornece, tem como me passar Valéria?

Vixe! Esse texto me deixou com tanta curiosidade que vou baixar com legendas em inglês mesmo! Pouco importa meu inglês ruizinho!

acabei de assistir Ôoku, uma otima e respeitosa adaptação a um mangá, sem duvidas :)

Valéria, fiquei super curiosa!!! Acabei de baixar (finalmente, tava travando aqui...)!!
Vou assistir =)

Amor e Miados, eu fiquei surpresa com a qualidade. MUITO MESMO. ^_^

Thaís, a legenda está aqui: http://bit.ly/hnl5MG

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