sábado, 31 de dezembro de 2011

Me Perguntaram no Formspring 9: Por que você não gosta do autor de novelas Manoel Carlos?



Faz tempo que não posto nada da série “Me perguntaram no Formspring” (*Houve 8 anteriores: 1 - 2 - 3 - 4 - 5 - 6 - 78*) e ontem eu respondi duas perguntas que estavam lá na minha caixa faz tempo. Uma delas, como pode aparecer de novo e eu nunca deixei a coisa clara por aqui, merecia ser transferida para o blog. Foi uma pergunta anônima, então não tenho como dizer quem me enviou. Como respondi hoje de madrugada, o texto ficou truncado. O que segue, é uma versão ajeitada e ampliada, a mesma que vai ficar no Tumblr.
Você não gosta do autor de novelas Manoel Carlos? Por quê? Alguma novela em especial fez você tomar (des)gosto por ele?

Eu poderia dizer que meu desgosto com Manoel Carlos vem do trauma de ter que assistir Felicidade com minha mãe, uma novela intragável, de ser atormentada por aquela música insistente de piano e da personagem doentia, interpretada pelo Sebastião Vasconcelos, que gostava mais do instrumento do que de sua família e se joga no mar com ele… E eu torcendo “Morre! Morre logo!”. Enfim, na verdade, detesto o Manoel Carlos, porque ele é o autor da Globo que mais perpetua idéias racistas, machistas e o preconceito de classe. Todos os “criados” dele são tratados como idiotas e/ou infantilizados, pois criados, você sabe, são crianças grandes. Ele perpetua o sexismo e a noção de que as mulheres são inferiores… claro, elas amam mais, são as protagonistas dele, mas são fisicamente mais fracas, intelectualmente menos capazes que os homens (*elas sentem, não pensam*) e por aí vai. E nunca existe um contraponto, que equalizaria a coisa, uma outra voz a ser ouvida. Como quando uma personagem de classe média alta (*claro*) da novela Páginas da Vida, interpretada por Antonio Calloni, disse “Agora finalmente terei um filho!”. A esposa retruca “Mas nós temos a fulana.”, “Ah, menina não conta.”. Em qualquer família, na minha pelo menos, alguém diria alguma coisa para esse canalha, em novela do Manoel Carlos, não, todos se calam ou dão risinhos. Se ninguém diz nada sobre um absurdo desse em 2006, é porque é verdade, não é mesmo?

E pior fica quando o racismo se cruza com o classismo e o sexismo nas novelas dele. Em Laços de Família fomos levados a odiar Clara (Regiane Alves), a “malvada” que desprezava os velhinhos, daí muita gente bater palma quando o patriarca da família (Marcos Caruso) pune com uma surra a filha adulta. No entanto, esse mesmo honrado patriarca sancionou que o filho adolescente onanista “comesse” a empregada negra, porque, como ele mesmo disse para a esposa “sempre foi assim, foi com meu avô, com meu pai” e, claro, com ele. A escravidão não acabou nas novelas de Manoel Carlos, ou, no máximo, continuamos tendo os agregados que os grandes senhores – sempre tem um nas novelas dele, aquele homem rico e bom, admirado por todos – e seus filhos podem prosseguir torturando e abusando sexualmente. E não precisa, neste caso, ser negra, afinal, em Páginas da Vida, o filho do coronel da vez (Tarcísio Meira), que tem seus montes de agregados, tem por prática transar com uma delas, Danielle Winits, mas é com Grazi Massafera que ele casa, porque além de submissa e humilde (*leia-se boa moça*), ela ainda é virgem e rejeita seus assédios. E, bem, isso é atestado de bom caráter, não é? Não era a primeira novela desse homem que tem a donzela pobre que consegue casar com o moço rico por ter uma única e grande virtude, a sua virgindade. O moço rico, Thiago Lacerda (*olha que par lindo ele faz com a Grazi, gente?*), aposta que vale a pena casar com ela… O divórcio, a gente, claro, não vai ver.

Além disso, há a fixação dele pelo José Mayer, que, a meu ver, é uma projeção do velho. Ele queria ser “gostosão” (*pelo jeito muita gente acha o Zé Mayer o maior “pedaço de mau caminho”*) como o ator e mesmo aos sessenta continuar pegando garotinhas que mal saíram das fraldas. Mayer é o objeto do desejo de todas nós, não é mesmo? Das vovós até as netinhas de 13 anos! Essas coisas todas são recicladas novela a novela. Na última, Viver a Vida, tivemos o constrangimento de diálogos pavorosos entre Mayer e Giovanna Antonelli, alguns dos piores e mais machistas que vi em uma novela qualquer. Além disso, houve a tão falada cena da mocinha negra, Thaís Araújo, de joelhos se desculpando com a Sinhá (Lília Cabral), porque não tomou conta da Sinhazinha direito. Para cada ação social em novelas dele que tem impacto positivo, temos um efeito daninho. Quantas moças tetraplégicas e paraplégicas pobres querem engravidar ou engravidaram, porque mulher só é mulher quando procria? Quantas matérias, como esta, com mulheres de classe média alta foram feitas? Só não pararam para pensar que a mocinha da novela, a excelente Alinne Moraes, tinha sabe-se lá quantas babás, uma casa toda adaptada e um marido maravilhoso como o Mateus Solano.

Mas o caso mais aviltante de racismo em novela desse homem foi em Por Amor, quando a personagem da atriz negra Maria Ceiça é casada com um homem branco, Paulo César Grande. Ela quer engravidar, ele não quer filhos com ela. O motivo é o racismo. Ela o enfrenta, termina engravidando, eles se separam. Bateria palmas se terminasse com essa mulher orgulhosa criando sua criança ou arrumando um novo amor que a valorizasse e não fosse racista. Aliás, até aí a história é elogiada em A Negação do Brasil, livro e documentário premiados sobre racismo nas telenovelas. Só que o autor, Joel Zitto Araújo, não comenta como tudo terminou. Sim, como o Coronel Manoel Carlos concluiu essa história "de amor"? O marido volta para casa. E por quê? Será que aceitou o filho negro? Nada! Seu Manoel Carlos faz a criança nascer branca. :) Aí fica fácil, não é? Sinceramente? Manoel Carlos é nojento.

P.S.: Desde Felicidade nunca assisti nenhuma novela completa desse homem, mas leio o jornal e, volta e meia, assisto uma ou outra cena. Como a coisa é repetitiva, fica fácil entender a trama.

10 pessoas comentaram:

Gostei do post. É bom ler textos que nos façam perceber o quanto não somos tão tolerantes ou "descolados" quanto imaginamos.

nunca gostei de novelas por ser sempre esse quadro de esteriótipos, arquétipos coloniais, ninguém merece... nunca na minha vida me identifiquei com nenhum personagem, por si só é muito fútil ver vidas fúteis cheia de gente dando bitoca no assunto dos outros como é e tem que ser uma novela, amei sua crítica, vc é muito sensata!!!

Trama? Que trama? Novela do Manoel Carlos não tem trama! Tente fazer um resumo coerente de qualquer novela dele a partir da linha básica que conduz a história (toda novela tem, menos as dele).

E ele é sem dúvida o pior autor de diálogos da televisão brasileira. Durante o ano em que eu não assisti televisão (foi o hiato entre o ponto em que desisti da tv aberta e o ponto em que a tv por assinatura chegou em casa), as vezes eu ouvia da sala os diálogos das novelas dele, porque meu pai assiste aquela porcaria por inércia.

Acredite, ouvir os diálogos do manoel carlos DÓI. As vezes até eu me torcia ao escutar aquilo.

Concordo plenamente com tudo que você escreveu! Mas faltou dizer que além de tudo isso as novelas dele são chatíssimas! Insuportavelmente chatas! Nada acontece, você só desperta do sono quando algum absurdo machista ou racista acontece! Vovô Maneco, chega de Helenas! INSS já nesse velho!

Na última novela, então, o homem se superou. Nunca vi texto mais machista quanto aquele. O "quadrado amoroso" Helena-José Mayer-Lilia Cabral-Giovanna Antonneli era algo que eu me perguntava em qual caverna Manoel Carlos se enfiou nos últimos 50 anos. E todo mundo aplaudia! Só fui ver coisa que se igualasse na atual novela das 8, quando um cara beija uma mulher à força e depois solta que "entende a alma das mulheres". Sinceramente, dá até medo!

Também detesto as novelas do Manoel Carlos, concordo com todos os pontos levantados e não entendo como os atores (alguns muito bons) dizem adorar trabalhar nas novelas deste homem apesar de tudo.

Excelente o texto, pensava que era só eu que achava que Manoel Carlos repetitivo e andava perdendo a mão na hora de escrever as suas novelas.
Manoel Carlos até tenta dar uma de "moderninho", mas no final tudo termina com casamento, mulheres engravidando e vilões morrendo. O pior que o pensamento do autor reflete o de muita gente, mostrando que de tolerantes e modernos os brasileiros não tem tanta coisa quanto dizem por ai.

gostei muito desse post.eu cresci assistindo novelas vi algumas novelas de Manoel Carlos.Sinceramente,eu nunca gostei,realmente,só via por causa das polêmicas e por que era popular.Depois que li o seu post fiquei chocada de como idéias racistas,machistas e preconceituosas,podem ser perpetuadas de maneiras de tão sutis e a maioria não percebe ou FINGE QUE NÃO PERCEBE.Excelente post,perfeito para aqueles distraídos como eu.obrigada!

Exelente texto!!! Merecia ser publicado!

Valéria sintetizou tudo o que eu sempre pensei sobre as novelas de Manoel Carlos. As novelas, de modo geral, estão looooonge de ser progressistas, mas o teor machista e racista das tramas desse autor salta aos olhos.

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