sábado, 4 de fevereiro de 2012

Comentando Histórias Cruzadas (The Help)



Como comentei ontem, fui ao cinema assistir Histórias Cruzadas, no original, The Help. Achei curioso que, aqui no Brasil, o livro que deu origem ao filme ficasse com o título de A Resposta, que, aliás, aparece no filme. Fui ao dicionário e vi que a 16ª definição de "help" é empregado doméstico ou trabalhador de uma plantação, ou seja, este é o sentido correto. Sei lá, não seria melhor colocarem "Domésticas"? Enfim... Ontem tinha comentado a crítica da Folha de São Paulo que colocava uma série de defeitos em Histórias Cruzadas. Sim, o filme é cheio de defeitos, é inócuo mesmo, no entanto, é aquilo que eu pontuei, listar três filmes protagonizados por mulheres (*E Tomates Verdes Fritos não é inócuo, que fique claro*) como inócuos e deixar de fora filmes igualmente inócuos, mas estrelados por homens, é machismo. De resto, The Help ficou muito aquém das minhas expectativas, muito mesmo. Mas vamos lá...

The Help é um filme que se passa bem no momento da luta pelos direitos civis nos EUA, que colocam fim às leis racistas de segregação racial (Jim Crow) que vigoravam nos Estados do Sul do país. Durante o filme, de longe, ficamos sabendo que a KKK (Ku Klux Klan) matou um negro, que Kennedy foi assassinado, que a casa de alguém foi queimada, enfim, que algo está acontecendo fora do mundinho doméstico da cidade de Jackson. Porque, enfim, é nesse mundo privado que está o foco principal do filme. A história acompanha algumas mulheres brancas e negras, daí o razoável título nacional, Histórias Cruzadas. Elas são Aibileen Clark (Viola Davis), doméstica (The Help) que passou a vida cuidando de crianças brancas e que vive sozinha, porque perdeu seu único filho em um acidente; Minny Jackson (Octavia Spencer), excelente cozinheira, mas uma criada "difícil" e que perdeu vários empregos por falar demais; Eugenia "Skeeter" Phelan (Emma Stone), moça de 23 anos, recém formada na faculdade e que quer ser escritora, ela se recusa a se enquadrar no modelo esperado das mulheres sulistas de sua classe social; e Celia Foote (Jessica Chastain), jovem que é hostilizada pelas mulheres da cidade, porque se casou com um dos solteiros mais cobiçados e por ser vista como "lixo branco" (white trash) pela elite local.

Vou começar dizendo onde The Help funciona, porque, efetivamente, não é um filme ruim. The Help é um excelente filme sobre solidariedade entre as mulheres. Há uma rede de amizade, apoio, acolhimento, que valorizam as interpretações das atrizes, especialmente, Octavia Spencer e Jessica Chastain. Ambas, foram indicadas ao Oscar de Atriz Coadjuvante. Minny, ao ser contratada por Celia, tenta ensinar a sua jovem patroa como tratar uma criada negra, a apóia quando ela passa por suas dificuldades em relação à gravidez, lhe dá o treinamento necessário para que domine as prendas domésticas que ela tanto almeja saber. Celia mostra para Minny que ela não está certa em relação a sua idéia de tratamento entre negras e brancas e sugere que ela largue seu marido abusivo. A relação entre as duas é muito legal de se ver. Mas, claro, quando localizamos histórica e geograficamente as personagens a coisa complica.

Não há relacionamento horizontal possível naquele tipo de sociedade entre negras e brancas, ou entre homens e mulheres. O filme não se preocupa em aprofundar, mas as questões de gênero aparecem de forma muito forte na película. Skeeter quer uma carreira e, por isso, ela é uma aberração, sua mãe a rejeita, as amigas casadas e com filhos sentem pena dela. Prestem atenção na cena do jornal, de como ela é empurrada para fazer a coluna sobre "dicas de limpeza". Só que a jovem nada entende dessa área e precisa da ajuda de uma especialista. Isso a leva a se aproximar de Aibileen Clark, a empregada com talento para cuidar de crianças. Há quem considere The Help um filme para aliviar a consciência dos brancos, mas eu tentei perceber outras questões aqui.

A relação de Aibileen Clark, ao mesmo tempo babá, mãe substituta e primeira professora da menininha Mae Mobley é muito importante. A criança é ignorada tanto pelo pai, quanto pela mãe. Não era (*aqui no Brasil talvez ainda seja em certos círculos*) incomum em lares burgueses que a mãe mal tocasse em seus filhos. Ela os via de vez em quando. Por isso mesmo, Aibileen é a responsável por fazer aquela menina se sentir amada. No trailer isso fica claro quando ela faz a garotinha repetir que é inteligente, bonita, amada. A menina sabe bem que só Aibileen a ama. Agora, a empregada acusa a patroa de ser uma péssima mãe, diz em um certo momento – não sei se em pensamento ou conversando com Minny – que mulheres como ela não deveriam ter filhos. Perceberam isso? Quando a patroa tem um menino, ela não desgruda da criança. Preste atenção. É uma relação totalmente diferente. As cenas estão lá para quem quiser ver.

A rejeição, portanto, não é à idéia de ter filhos, mas à menina, em especial. Um filho homem, afinal, vale mais que uma filha. Quantas mães agem assim? E não é por caso extremo como em A Escolha de Sofia, mas porque foram adestradas a se acharem menos importantes e verem em uma filha uma decepção. Às vezes, o marido as pressiona, mas, em muitos casos, é o machismo introjetado, a baixa auto-estima que muitas mulheres têm por viverem em uma sociedade patriarcal que as obrigam a reproduzir o sistema. A menininha enjeitada, talvez, faça o mesmo com sua filha no futuro, ou hostilize a nora... Veja, não é simplesmente um problema individual, é uma questão muito mais ampla, mas, claro, o indivíduo pode romper o ciclo.

O filme também é bem feliz em mostrar as ironias da sociedade racista burguesa sulista. "Negros tem doenças diferentes", diz em certo momento a vilã Hilly Holbrook (Bryce Dallas Howard). Por isso, não devem usar o mesmo banheiro que os brancos. No entanto, esses mesmos brancos não tem problema em terem sua comida feita por negros, suas crianças cuidadas por eles. Ah, sim! Mas como Minny diz para a filha em uma determinada cena "Nunca bata nas crianças brancas! Os pais gostam de cuidar do espancamento.". Essas ironias, essas pequenas e grandes crueldades expostas aqui e ali, enriquecem o filme. E, como pontuei, é um filme de mulheres. Não que a culpa do racismo seja exclusivamente das mulheres, mas elas são as reprodutoras privilegiadas dessas relações dentro do espaço doméstico.

São as mulheres que demitem, gerenciam as despesas e a execução perfeita dos trabalhos domésticos, contabilizam o papel higiênico e a comida consumida pelos criados, cuidam de sua "moral" e garantem os "bons costumes". Percebam que neste aspecto não há grande diferença entre o que acontece em E o Vento Levou e é analisado em um artigo de Catherine Clinton no livro Passado Imperfeito. A dona da plantação – e as mulheres de classe média alta do filme são suas herdeiras no século XX – tinha atribuições muito pesadas, ela era o braço direito de seu marido, não raro, a mão que açoitava os escravos domésticos. Por isso, é que o marido de Hilly foge de cena quando a criada pede dinheiro emprestado. Negar e/ou conceder é responsabilidade de Hilly, ela nega e humilha a criada, porque é "má", claro, mas não se trata de atribuir um peso desnecessário de maldade à vilã. Simplesmente, é seu dever decidir essas coisas, como é dever, também, promover a carreira do marido, coisa que Hilly busca fazer, ainda que o filme não se importe em dizer o que o livro diz, que aquele babaca competia a uma vaga no Senado Estadual. Aliás, o filme parece deixar de dizer várias coisas que estão no livro.

Só que o filme escorrega e feio em muitos pontos. No fim das contas, as protagonistas do filme não são são as criadas, mas Skeeter. Ela é a moça branca de bom coração e insatisfeita. Ela se lança na cruzada da produção do livro com as experiências das criadas. Mas vejam bem, ela faz isso, por interesse próprio no início, ela quer ser escritora, sair de Jackson, ir para Nova York. De novo, é a moça branca (*pois é um filme de mulheres*) que desperta as mulheres negras, que as guia, de uma certa forma. Será que The Help não seria mais interessante se Skeeter simplesmente desse o apoio para que a própria Aibileen escrevesse? Afinal, ela já era uma escritora, não era? Ela precisava de apoio de alguém... Mas, não. Sabem que a autora do livro, Kathryn Stockett, foi processada por uma criada que a acusa de ter "roubado" suas memórias? The Help é baseado em um romance, mas este livro foi escrito sob uma ótica branca e, talvez, sem se preocupar tanto com as mulheres negras que deram seus depoimentos.

Uma outra coisa que me incomodou muito, muito mesmo, é que nenhuma das criadas têm um relato sobre abuso sexual. Os homens estão ausentes do espaço doméstico boa parte do tempo, mas o filme perpetua (*e o livro recebeu críticas por isso*) aquela falsa idéia de que os brancos sulistas não queriam nada com as negras. Quando uma das criadas começa a falar de quando cortava caminho pela plantação e foi abordada, pensei que teríamos um relato de estupro ali... Silêncio, era outra coisa. Os únicos homens abusadores do filme são negros. Minny apanha do marido e só larga dele por conselho de sua patroa branca... De novo, uma branca precisa apontar o caminho. O marido de Aibileen não é citado. Morreu? Foi embora? O único branco deliberadamente cruel é o capataz que deixou o filho de Aibileen morrer e, mesmo assim, ele é somente uma memória.

Há, também, a piada escatológica repetida à exaustão. Não sei quem teve a idéia de que dá para acreditar de que somente aquela ameaça impediria as patroas, em especial Hilly, de se vingarem das criadas. Mas o filme tenta jogar com isso, no melhor estilo "se colar colou". A Klan não faz nenhuma visitinha noturna para Minny ou Aibileen. Nada! As coisas estão ruins, a própria Aibileen diz isso, mas não há motivo para medo. E Skeeter, a moça de bom coração, conseguiu o que quis, e foi para Nova York. Esse afastamento proposital do momento político pesa muito sobre o filme. Tudo parece distante, longínquo. Faltou um engajamento, algo que colocasse The Help dentro do contexto. Mas isso não era a intenção. Minny, Celia, Skeeter terminam felizes, cada uma a sua maneira. Aibileen, jamais será feliz, é impossível para ela, mas não vai se calar. E, bem, ninguém nem vai queimar uma cruz na porta dela...

Por fim, o filme cumpre a Bechdel Rule? Sem dúvida. É um filme feminista? Não, é um filme feminino, com algumas discussões feministas muito tênues. Aliás, a única personagem que poderia ser deliberadamente feminista, a editora de Skeeter, me passou a idéia de antipatia. Ela parece uma dondoca, elitista, pseudo-preocupada com questões sociais que possam gerar lucro. E, curiosamente, sempre aparece em cena cercada por homens que aprecem subservientes a ela. Prestem atenção... São cenas rápidas. A mudança da mãe de Skeeter também me pareceu forçada. E queria ouvir Constantine, a babá de Skeeter. Mas, claro, o filme só diz que vai deixar a mammy falar. Não sabe quem é mammy? A ama de Scarlett O'Hara em E o Vento Levou e que se tornou uma personagem tipo: mulher negra, gorda ou grande, sem papas na língua, e pronta a fazer suas cargas reproduzirem todas as convenções. Lembram da Minny tentando adestrar Celia? Ela é a mammy do filme.

The Help é um filme ruim? Não. Só se esforça muito para fazer chorar e, em alguns momentos, muito superficial. Só que está fazendo muito sucesso nos Estados Unidos, afinal, é um filme que pega leve e permite que o bem vença o mal... Claro, que o que vem depois... Ele merece o Oscar? Não. Só que foi o grande premiado no SAG (Screen Actors Guild Awards) e levou melhor atriz (Viola Davis), melhor coadjuvante (Octavia Stevens), e melhor elenco. Jessica Chastain estava indicada a coadjuvante, mas não levou. Eu acho que Octavia Spencer levará o Oscar, também. Viola Davis leva melhor atriz? Não sei. O povo acha que Meryl Streep é barbada, mas lembro que ela é campeã de indicações, não de estatuetas. De qualquer forma, achei a interpretação de Rooney Mara em Os Homens que não Amavam as Mulheres, mas marcante do que a de Viola Davis. Mas vamos esperar.

5 pessoas comentaram:

The Help no es una mala película, solo peca de no profundizar en algunos aspectos de la misma. Lo mejor es la escena de Aibileen con la pequeña blanca, se me llenaron los ojos de lágrimas

Eu li uma crítica que falou tão mal desse filme que me desanimou muito para vê-lo. Pela sua resenha, o filme parece ser um bocado moralista ao tratar de um tema tão delicado, como o racismo, fora as relações de gênero. Algo me diz que é melhor esperar pelo dvd.

Melhor crítica que li sobre o filme... É a primeira vez que apareço por aqui, mas voltarei para ler seus textos. Abraço.

Inicialmente achei a mão um pouco pesada; entretanto, fui relembrando o filme e os outros citados, e percebi que as conexões são coerentes. De fato, o filme, feminino, é o olhar da mulher branca sobre o pensar, fazer e as estratégias de sobrevivência e transmutação da mulher negra. A troca houve até o momento que não comprometesse o que trilhado estivesse. Mas é importante conhecer este filme, interpretá-lo sob outras óticas, em especial das mulheres negras, que têm o dom de sua fala, mas que carecem de apoio para que esta se faça ouvir.

Sandra Martins

Histórias cruzadas Eu acho que é um excelente filme, a finalidade este filme com Octavia Spencer, Como todas as histórias existem pontos bons e maus, mas definitivamente, Preto e Branco é um agradável filme (aqui mais detalhes da história: http://www.hbomax.tv/sinopsis.aspx?prog=WHL230590), com um roteiro sólido, uma magnifica interpretação, excelente trilha sonora dirigida por Terence Blanchard, uma encenação benéfica e de grandes atores. Toda uma demonstração que o cinema de entretenimento não é incompatível com a qualidade.

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