quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Comentando um livro Harlequin que li no feriado



Raramente comento os livros Harlequin que leio por três motivos: são poucos os que eu começo a ler; são poucos os que leio por completo; e desses que termino, a maioria não vale o esforço de escrever um texto. Não foi assim com o livro que decidi trazer da banca na segunda-feira e que li em poucas horas sem cair no meu vício comum de zapear pelo livro ou ir para a página final. Bem, o resumo oficial do livro é o seguinte:
Ele vai exigir a noite de núpcias que jamais tiveram! Bram MacKinloch passou sete anos, longos e torturantes, em cativeiro. Durante esse tempo, apenas três pensamentos o faziam resistir: cultivar sua força bruta, alimentar a sede de vingança e manter viva a memória do belo rosto de sua noiva. Ao rever seu marido após tanto tempo, Narnia ficou totalmente paralisada pelo choque de um encontro inesperado. As cicatrizes sobre o corpo de Bram revelavam o quanto sofrera em cativeiro, enquanto a fome em seus olhos provocava chamas de desejo. Porém, muitas coisas mudaram desde seu inocente casamento… Os guerreiros do clã MacKinloch estão sempre prontos para lutarem até o fim pela sua terra… e pelos seus amores!
Primeira coisa, nunca tinha lido um livro sequer de Michelle Willingham (página da autora), mas ela escreve bem e o faz com mais sinceridade e equilíbrio do que muita gente que lança material em livraria (*devo comentar um livro que li em janeiro em breve para ilustrar isso*). Aliás, este "Desejo nas Terras Altas" (Claimed by de Highland Warrior), com um título menos cafona poderia estar em qualquer livraria padrão. Se não estivesse amarrado pelo padrão Harlequin, talvez pudesse ter mais 50 ou 100 páginas que poderiam torná-lo ainda melhor. Como achei o livro bem interessante, se vir nas bancas outros livros "medievais" dela – e eu não leio romance Harlequin contemporâneo ou de sheiks, só os (pseudo)histórico mesmos – devo comprar. Até agora, da série MacKinnon saíram três, mas, pela forma como terminou o livro, ainda podemos ter seguramente mais dois para somar. Aliás, um deles a autora tem obrigação de escrever.

Eu estou mais que acostumada com esse cenário highlander por causa dos livros da Hannah Howell (*que saem pela Nova Cultural*), então não houve grandes surpresas. A localização temporal também é uma das mais populares: o reinado de Eduardo I "longshanks" da Inglaterra, quando os ingleses tentaram a todo custo submeter os escoceses, promovendo um banho de sangue. Como é meio padrão entre as autoras da Harlequin e similares, os heróis são os escoceses. Pegue 100 livros e, com muito custo somente, você achará 1 deles que tenha ingleses como heróis... Talvez a mocinha seja inglesa e só. Fascinação pelos oprimidos? Efeito Coração Valente? Não sei. Particularmente os highlanders não exercem grande atração sobre mim. Só que esse cenário padrão não compromete o livro, tampouco.

O resumo do livro, como não poderia deixar de ser, foca no relacionamento entre Nairna, a mocinha, e Bram, seu amado. Só que uma das coisas que o livro tem de interessante é como a autora – e no seu site ela fala de seus métodos de pesquisa e coisa e tal – colocou na personagem os sintomas de estresse pós-traumático e como desenvolveu o seu relacionamento com Nairna e a sua cura. Bram foi criado para ser um guerreiro, casou aos 16 anos, não teve sua noite de núpcias e partiu para a guerra para defender as terras de seu clã contra o bom julgamento de seu pai. O resultado é que seu pai morreu para aparar um golpe que lhe foi direcionado e ele e seu irmão de 13 anos foram capturados pelos ingleses. Foram sete anos de cativeiro e de torturas. O livro começa com a fuga de Bram, que deixou seu irmão Callum para trás prometendo que voltaria. A culpa pela morte do pai e pelo abandono do irmão o perseguirá ao longo do livro.

Enquanto isso, a mocinha, Nairna, esperou pela volta do marido por três anos, dado como morto, foi empurrada para um casamento-aliança com um homem mais velho. Como é padrão nesse tipo de história, o relacionamento íntimo com o marido foi marcado pela obrigação e, não, pelo prazer. Parece ser imperativo nos romances Harlequin que se a mocinha tiver sido casada, ou não for mais virgem, o relacionamento anterior não possa ter sido feliz. Assim, o herói não tem concorrentes. O diferente nessa equação, ainda que a autora não faça grande drama em relação a isso, é que Bram é virgem. Pegue 1000 romances Harlequin e, talvez, você encontre outro herói na mesma situação. Enfim, ao reencontrar o herói, a mocinha está pronta para tentar voltar aos seus 15 anos e tentar construir um relacionamento satisfatório com Bram. Nairna, entretanto, fora de suas nóias sexuais, é uma mulher inteligente, corajosa e que decide se tornar útil ao clã do marido que não vai lá muito bem das pernas.

Para quem quiser arriscar ler este livro, asseguro que a história é bem interessante. Para além do relacionamento dos protagonistas (e só temos sexo lá pela página 160 das 288), há toda uma boa reconstituição histórica, personagens coadjuvantes interessantes (a mãe e os irmãos de Bram; o pai de Nairna; Laren, a cunhada deslocada de Nairna; Marguerite, a filha do duque francês que era noiva do inimigo dos MacKinloch, etc.), e um roteiro que amarra bem as pontas. Me surpreendi por a autora não ter distribuído finais felizes para todos, mas como é uma saga, fica fácil entender o motivo. Também foi bem interessante, apesar de um dos desejos da mocinha fosse ter filhos (ela foi levada a se acreditar estéril), a autora não ter promovido a explosão de nascimentos típica dos livros da Hanah Howell e da Deborah Simmons. Há a possibilidade de uma gravidez, mas o mais importante é ver o herói curado e o relacionamento dos dois restaurado. E temos, também, uma espetacular batalha final contra os ingleses que, dada as limitações dos MacKinloch, é uma luta pela sobrevivência.

Há inconsistências (não mais que as do citado Coração Valente, por exmeplo), claro. A filha do duque francês – aliado dos escoceses, ao que parece – noiva de um barão inglês e falando gaélico foi bem over. A resolução aparentemente rápida das questões jurídicas do casamento entre Bram e Nairna, também. A culpa da mocinha de que seu segundo casamento fosse inválido, até era compreensível, mas como o primeiro nem foi consumado, qualquer corte eclesiástica do século XIV (o livro se passa em 1306), arbitraria a favor do segundo, acredito. Há também a lenga-lenga de Bram de que se a mocinha soubesse de tudo o que fez não iria querer mais nada com ele... Se a autora insistisse muito nisso poderia comprometer o livro, do jeito que foi, só é um pouco chato. Afinal, Nairna vê o marido como um sobrevivente que precisou arrancar todas as forças que tinha e as que não tinha para não sucumbir. Quebrar os pescoços de alguns guardas ingleses e fugir deixando o irmão para trás não fariam dele um pária. Aliás, fugir e fazer o possível para voltar.

A forma como o relacionamento de Bram e Nairna é desenvolvido é bem interessante, com momentos ternos, cenas de sexo no geral bem escritas e sem atropelar as coisas como outras autoras fazem. Bram, para começo de conversa, tem muitos problemas, que vão do terror que a visão de uma adaga lhe provocam (ele quase foi degolado e tem montes de cicatrizes pelo corpo), a timidez profunda, a dificuldade de dormir, o terror ou o frenesi belicoso que se apossam dele de vez em quando... Tudo isso é um desafio. Ele tem medo de não saber o que fazer e de machucar a mocinha, não somente por sua inexperiência, mas muito mais em virtude da doença. Vai que ele tem um surto e a mata acreditando ser um inimigo? E, claro, há uma ponta de tristeza e ciúme pelo fato dela já ter pertencido a outro. Isso, aliás, é clichê Harlequin. Já Nairna acredita que é estéril, sente culpa por ter casado com outro e, bem, também não tem muita experiência... Ela teme não conseguir arrancar Bram do seu mundo de terror.

Falando em Callum, o irmão. É interessante ver a autora dando à Nairna uma participação ativa em seu resgate e valorizando mais a astúcia e a diplomacia do que o derramamento de sangue. O resgate do rapaz e os danos a sua sanidade foram muito bem representados. Acho mesmo que a autora mergulhou fundo em uma pesquisa sobre o estresse pós-traumático e outros problemas que ex-soldados ou pessoas que passaram por situações limite desenvolvem. Torci muito para que ela arrumasse uma saída rocambolesca para deixar Callum e Marguerite juntos, mas ela manteve os pés no chão, eles não terminam casados no fim... Desculpem o spoiler, mas acredito que tenhamos um livro para os dois, só que ela não poderá de novo se focar na cura do herói... Ou, pelo menos, não da mesma maneira.

Outro aspecto interessante do livro é a forma como trabalha a solidariedade entre as mulheres. Pensando em termos de Bechdel Rule e vejam que em alguns livros, assim como filmes, ela falha em poder ser aplicada. Para alguns, livros de fantasia, ficção científica ou mesmo os ambientados em determinados espaços históricos, são masculinos por excelência. Este livro passa fácil pela Bechdel Rule e as mulheres não fazem feio. Há várias personagens femininas com nomes (Nairna, Jenny, Laren, Marguerite, Grizel, etc.), elas conversam entre si, e não somente sobre homens. Laren, esposa de Alex, irmão de Bram que terminou, por conta da prisão do primogênito tornando-se chefe, é uma mulher triste e que guarda um segredo. Parte do esforço de Nairna está em ajudá-la. O segundo livro da saga é sobre Alex e Laren. Eu preferia Callum e Marguerite, mas a autora decidiu diferente, fazer o quê? Nairna se esforça por trazer as mulheres e crianças de volta para "casa", já que a mãe de Bram – Grizel – levou todos para se abrigar em um castelo de um lorde vizinho. Aliás, a única mulher pintada com cores negativas é Grizel, mas, ainda assim, a autora se esforça em fazer compreender a sua personalidade difícil, em alguns aspectos cruel.

É isso, alguns Harlequins são bem interessantes, mesmo que tenham capas e títulos pouco inspirados. Se quiser começar a ler algum deles – e não for pegar a Saga De Burgh – recomendo esse Desejo nas Terras Altas. Vale a pena, é bem construído, trabalha a questão do estresse pós-traumático de forma bem consistente e tem um casal muito simpático. Li em tempo recorde e, acreditem, se fosse somente um amontoado de cenas de sexo mais ou menos interessantes, eu teria largado e vocês nem teriam notícias dele no Shoujo Café. O importante é não avaliar um livro pela capa, tampouco pela descrição superficial que ele traz, ou, pior, por ser material de banca e "literatura de mulherzinha".
P.S.1: E, se alguém quiser dar uma olhada, escrevi sobre os mangás Harlequin. O texto está
aqui.
P.S.2:Para quem
quiser olhar a única outra resenha que fiz de um livro Harlequin para o Shoujo Café, e que é muito superior a este que comentei hoje, clique aqui.

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