segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Muito Além do Mangá... Comentando Bordados de Marjane Satrapi



A iraniana Marjane Satrapi ficou conhecida por seu quadrinho auto-biográfico, em inglês Graphic Memoirs, Persepólis.  Fora do Japão, esse é o gênero de quadrinho com a maior presença feminina, intimista e reflexivo, escrever suas memórias de vida ou de um acontecimento em forma de HQ tem sido o caminho tralhado por várias autoras.  No caso de Satrapi, Persepólis não é sua única Graphic Memoir, Bordados (Broderies), lançado na França em 2003, é outro excelente exemplo.  Aqui, no Brasil, esse volume foi lançado pelo selo Quadrinhos da Cia.

Em Bordados, Satrapi rememora os encontros que reunião as mulheres da família e amigas.  Era um momento especial no qual, depois do almoço e saboreando o chá feito no Samovar, as mulheres trocavam confidências, contavam casos, riam e choravam.  Em português, o termo tricotar é muitas vezes usado para dar nome à conversa das mulheres: íntima, doméstica, e, por excluir os homens, sem importância.  No Irã, além dessa acepção próxima da nossa, "bordado" é, também, a cirurgia de reconstituição do hímen.  Tal cirurgia é muitas vezes fundamental tanto para as mulheres que cederam ao desejo, quanto para aquelas que sofreram uma violência ou foram enganadas.  Em uma sociedade conservadora, isso pode salvar a vida de uma moça e a honra da família.


Nesse quadrinhos, Satrapi exercita o seu humor e ironia dando voz aos mais diferentes tipos de mulheres.  Temos desde a corajosa e independente menina que casada à força aos 13 anos com um velho general de 69, fugiu pulando o muro da casa na noite de núpcias e nunca mais voltou; passando pela mulher que, mesmo tendo parido quatro meninas, nunca viu um pênis na vida; até a moça que aceita um casamento com um desconhecido estimulada pela família para poder ir morar no Ocidente.


Felizes ou infelizes, frustradas ou satisfeitas, libertárias ou assujeitadas,  em Bordados, temos todo o tipo de mulher. Satrapi ensina (*já que há muita gente que não sabe disso*) muito bem que ao longo da vida uma mulher pode, sim, passar por vários papéis, usufruir de alguns deles ou de um só.  O quadrinho mostra, também, que mesmo em um ambiente repressivo como o do Irã antes ou depois da Revolução Islâmica, as mulheres são plurais.  E não somente isso, elas criam formas próprias de agenciamento do poder de decidir sobre seus próprios corpos e estratégias para enfrentar o mundo e conseguir o melhor dele, apesar de tudo.

Feminista e mais consciente disso que em Persepólis, Bordados apresenta a solidariedade entre mulheres, a amizade e a importância da interação com o grupo para melhor compreender a si mesmas e constituir-se como sujeito autônomo e único.  Bordados daria um excelente filme dada a popularidade de Satrapi, não me surpreenderia se fosse filmado mesmo.


Para concluir, o quadrinho de Satrapi fala de mulheres e dá voz a elas, algo ainda pouco explorado nos quadrinhos ocidentais de grande destaque comercial.  Porque Satrapi é uma bem sucedida quadrinista e ela não escreve para um nicho, não faz um trabalho underground, por assim dizer.  Por isso mesmo, Bordados pode agradar a todos e só exige, talvez, um pouco de maturidade por parte do leitor ou leitora, mas, qualquer um a partir dos 14 anos conseguiria entender, rir, talvez se emocionar, com as experiências dessas mulheres que ao dividirem seus segredos pedem para que "não contemos para ninguém". :) Se interessou por Bordados?  O livro está disponível no Amazon Br.

1 pessoas comentaram:

Oi Valéria, é o Adriano Gazoli,que adora as imagens que você posta no Facebook, adora as matérias do Shoujo Café, adorava o Shoujo House, ADORA os Shoujocasts, e adora ainda mais o nível dos assuntos discutidos em todas essas mídias. Eu tive a oportunidade de crescer em uma família de mulheres fortes (com uma ou outra exceção),começando pela minha mãe, que às vezes parecia até o "homem da relação"com o meu pai...rs...

Isso foi muito bom e ao mesmo tempo, de certa forma, um estigma, porque,imagine você, eu crescí avaliando quase tudo pelo outro lado da moeda,compreendendo até onde podia, e assimilando facilmente,as idéias das mulheres da casa: o que é "lado B" na realidade da grande maioria das famílias, era o meu lado A, por assim dizer: minha mãe, que já é falecida,me confidenciava muita coisa,e ví minhas irmãs - e posteriormente, sobrinha mais velha - casando,tornando-se mãe, separando,se reinventando, estudando lutando, brigando,brilhando, sorrindo, chorando,ensinando e aprendendo.

Eu aprendi, em casa, que elas em geral pensavam de forma mais ampla,tinham mais disposição física,e viam tudo com mais humor (e mais drama também , of course), que eles (ex maridos rules). E em geral, tinham mais caráter também, infelizmente.

Pode-se dizer que, juntando todas,minha casa era a Casa das Sete Mulheres rs (oito, contando com minha sobrinha-neta que já tem 6 anos e muita personalidade). Essa sensibilidade que assusta a maioria não me surpreende,e hoje em dia confesso que faço até um certo esforço para compreender melhor a sensibilidade do outro lado da moeda (minha própria sensibilidade como homem, of course), uma vez que, como se não bastasse todas essas Marias Theresas da Áustria à minha volta (5 gerações, veja você...minha vó também tinha muita personalidade),eu, sendo gay,e adolescente justo lá pelos anos 90,facilmente encontrei mais disposição para o diálogo entre Elas, e não entre Eles, ainda que esse nunca tenha sido o assunto em pauta.

Enfim, adoro esse tipo de material, além do interesse óbvio pela arte, porque me soa muito, muito nostalgico...eu via na minha mãe, e vejo em cada uma delas, a possibilidade de serem qualquer coisa, de freira a "presidenta",e, ainda assim, era tão bom aproveitar a hora de ajudar a lavar a louça no domingo para presenciar - e participar - do bate-papo...:)

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