segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Comentando O Som ao Redor, o indicado brasileiro à corrida do Oscar



Quando vi que O Som ao Redor, de Kleber Mendonça Filho, tinha sido indicado como candidato brasileiro a uma vaga no Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, corri atrás de um torrent para assisti-lo. Infelizmente, não conseguir ver o filme no cinema e foi a alternativa mais rápida e satisfatória.  Foi fácil encontrar um arquivo de alta qualidade e virei de sábado para domingo assistindo a película.  Considero que O Som é um bom filme, mas, sinceramente, não consegui me empolgar com ele.  Claro, que está bem acima de alguns filmes nacionais indicados nos últimos anos por terem o selo “Globo Filmes” ou um elemento supostamente apelativo para a Academia, como velhinhos e crianças.  Este, aliás, foi o caso de O Ano em que meus Pais saíram de Férias, que era muitíssimo inferior o divertido e interessante Ó, Pai, Ó.  Também, é muito melhor que O Quatrilho e O que é isso Companheiro?, dois filmes inócuos e esquecíveis, mas que chegaram até a seleção final... De qualquer forma, vamos falar um pouco de O Som ao Redor.

Em linhas gerais, a história é a seguinte: uma milícia, liderada por Clodoaldo (Irandhir Santos), oferece seus serviços aos moradores de uma rua de classe média média-alta de Recife.  Acompanhamos então o dia-a-dia e a interação entre os moradores e funcionários, assim como as mudanças na rotina e as tensões que se estabelecem por causa da presença dos milicianos na vizinhança.  O filme foca, também, na especulação imobiliária que muda a aparência da capital nordestina, com a substituição das casas aconchegantes por prédios muito mais lucrativos.  Paralelamente, o filme acompanha com maior atenção o “drama” de Bia (Maeve Jinkings), uma dona de casa entediada e atormentada pelo barulhento cachorro do vizinho.



Ouvi falar do Som ao Redor por conta da polêmica estabelecida entre seu diretor e o ex-diretor-executivo da Globo Filmes. Lá no início do ano, Kleber Mendonça Filho disse “Minha tese é a seguinte: se meu vizinho lançar o vídeo do churrasco dele no esquema da Globo Filmes, ele fará 200 mil espectadores no primeiro final de semana”.  O alvo eram as comédias produzidas pela Globo Filmes e que vêm atraindo milhares de espectadores ao cinema e ocupando salas por vários meses com produtos idênticos aos que podemos ver na TV.  Cadu Rodrigues, o ex-homem forte da Globo Filmes, desafiou o diretor a produzir e dirigir um filme e fazer 200 mil espectadores com todo o apoio da Globo Filmes, diminuindo suas capacidades para tanto.  A coisa rendeu, é claro, e a maioria das pessoas ficou do lado de Mendonça Filho, que afirmou que a qualidade de um filme não deveria ser medido pela quantidade de público que atrai.  Concordo com esta linha de argumento, mas acredito que o cinema nacional também precisa e tem espaço para comediotas que não são piores do que a média dos similares importados que são despejados em nossos cinemas.  Aliás, já falei sobre isso em outras resenhas que fiz para o blog.  Enfim, parece que Cadu Rodrigues terminou demitido e O Som ao Redor, um filme pequeno e independente, conseguiu atrair 80 mil pessoas ao cinema em seu primeiro fim de semana.  Além disso, o New York Times incluiu o filme entre os dez melhores do ano... 

Olha, eu realmente não consegui ver esse brilhantismo todo.  Já assisti filmes nacionais, mesmo da época em que o refinamento técnico de nosso cinema não tinha atingido o ponto que temos hoje, como Terra Estrangeira, que superam em muito O Som ao Redor, mas, enfim, ser credenciado por um poderoso jornal americano deve ter pesado na sua escolha.  De qualquer forma, os concorrentes eram: Colegas (*que eu pretendo pegar na locadora aqui perto de casa*), Faroeste Caboclo (*que não consegui assistir no cinema*), Gonzaga - De Pai Para Filho (*que eu gostei, mas é produto feito no formato TV mesmo*), a animação Uma História de Amor e Fúria (*que vem ganhando tudo o que é prêmio por aí*) e Meu Pé de Laranja Lima (*que eu não tenho vontade de ir atrás*).  Não sei, mas acho que Uma História de Amor e Fúria foi discriminado por ser animação... 



Voltando a O Som ao Redor, como sou do Rio, conheço bem o modus operandi das milícias que se travestem de serviços de segurança.  O fato é que muitas ruas no Rio – capital e Baixada Fluminense – tem cancelas com guaritas e tudo mais, controlando entrada e saída de pessoas, isso sem falar em comunidades sitiadas por esses bandidos, tema muito bem abordado em Tropa de Elite 2.  Não é bem isso que aparece no filme, em que três, quatro sujeitos ficam debaixo de uma tendinha tomando conta da vizinhança durante a noite.  É evidente que todos são bandidos, só que como o filme está mais preocupado em ser crônica da vidinha da classe média local, os milicianos, chamados de cães de guarda, ficam meio à margem.  

Algumas cenas relacionadas a eles, como a invasão que acontece ao quintal da casa de Bia, e a uma casa luxuosa, cujo dono viajou e onde Clodoaldo está transando com a empregada do coronel que é praticamente o dono da rua, parecem fragmentadas, inacabadas.  Fora, claro, que se eles deixassem bandidos invadirem e saquearem casas na rua, teriam sido demitidos.  Afinal, eles não estavam lá para dar segurança?  Pois é... 



O que se caracteriza bem no filme é a permanência de velhas e novas estruturas.  Apesar do crescimento econômico do Nordeste, da urbanização acelerada, o modo de vida dos coronéis continua presente, assim como o apartheid social e a luta de classes.  Seu Francisco (W.J. Solha) é o dono da rua, por assim dizer, já que monopoliza boa parte dos imóveis e, ao mesmo tempo, é dono de um velho engenho.  Sem sua aprovação, a milícia não seria contratada.  Além disso, ele adverte os cabras que seu neto, o moleque que não trabalha e arromba carros da vizinhança para manter seu vício em drogas, é intocável, ou seja, pode continuar roubando e a milícia deve reprimir os pequenos traficantes e ladrões pé de chinelo, todos negros, como a maioria dos criados que trabalham para os moradores da rua.  O próprio neto do coronel faz questão de confrontar a milícia, quando Clodoaldo tenta intimidá-lo.  Essas relações são mais que conhecidas no Brasil, é o “você sabe com quem está falando?”.  E, pior, o filme termina e ele não toma um corretivo sequer...  

No filme inteiro há uma só cena que considerei engraçada, e que tinha sido citada em alguns textos que li sobre o filme.  Reunião de condomínio para decidir o destino do porteiro idoso do turno da noite.  A maioria quer sua demissão, porque ele dorme em serviço e não é tão produtivo quanto costumava ser.  O neto de Seu Francisco, Claudio (Sebastião Formiga), que tem apartamento no prédio e atua como uma espécie de corretor de imóveis do avô, é contra, acha desumano demitir o velho.  Há algo de complacente e paternalista no seu comportamento, sua relação com os criados é meio marcada pela idéia de que eles e elas são agregados, de novo, evocando a forma de ver o mundo das velhas elites em contraste com a nova classe média, talvez.  Os outros moradores querem eficiência, tratam os criados com desprezo, e aí brota a reclamação de uma mulher “porque alguém está tirando minha Veja do plástico e lendo antes de mim”.  Nada mais classe média elitista e alienada do que assinar e/ou ler a Veja.  Esta é a mensagem.


No geral, as personagens do filme não me pareceram simpáticas, nem pobres, nem classe média, nem ricos.  Agora, Bia, a dona de casa entediada, fumante compulsiva, compradora de drogas, é, talvez, a pior de todos.  Ela quer matar o cachorro do vizinho, porque, bem, ele não a deixa dormir.  Na verdade, é sua falta do que fazer, já que sua vida orbita em torno dos dois filhos e a desatenção do marido que alimentam sua neurose.  Ela também é extremamente agressiva com a empregada negra que estragou um aparelho eletrônico comprado para atormentar o cachorro do vizinho. A cena tem como objetivo enfatizar a arrogância da nova (*imagino eu*) classe média, já que Bia faz questão de enfatizar que o aparelho é caro, importado, e a incompetência da empregada em seguir comandos simples (*a voltagem é 110, tinha que usar o transformador*), ou seja, toda a cena enfatiza a distância entre ela e a criada.  Mas morre aí, não há cena que dê continuidade ao conflito, como também não houve continuidade ou explicação para a cena em que Bia é agredida pela vizinha.  Ambas tinham comprado uma televisão nova do mesmo modelo, e, ao que parece, estavam disputando para ver quem era mais chique.  Sei lá, o caráter fragmentado do filme em alguns momentos não me parece algo planejado, fruto do estilo, mas inexperiência mesmo, afinal, é o primeiro filme de ficção do diretor.

De resto, temos o saudosismo de alguns em relação aos velhos modos de vida, com a viagem de Cláudio e sua namorada, Sofia (Irma Brown) ao engenho do avô do moço, ou a visita que fazem a uma casa antiga que será demolida para dar lugar a um prédio de 21 andares.  Assim como no engenho, eles imaginam os sons do cinema abandonado há anos, na casa, eles imaginam quem morava ali e seus hábitos.  Outro ponto de toque entre o antigo e o novo aparece no clímax do filme, quando questões referentes a velhas lutas de terra no interior e assassinatos, vêm à tona de forma surpreendente... Mas nada de spoilers, pois estragaria o prazer de quem deseja ver o filme.  


Antes de terminar, digo que O Som ao Redor cumpre a Bechdel Rule sem problemas.  Há várias personagens femininas com nomes e que conversam entre si sobre assuntos diversos, de tarefas domésticas até o cachorro do vizinho.  Afilha de Bia é uma das personagens mais críticas e observadoras, questionando inclusive o absurdo que é a necessidade d epagar segurança privada quando já se paga tanto imposto. Só que, no geral, não vi nada demais em O Som ao Redor, o considero até tecnicamente inferior a vários filmes nacionais dos últimos tempos.  E não estou pensando em grana investida, mas em narrativa mesmo.  Falta dinamismo em alguns momentos e, como enfatizei no parágrafo sobre a milícia, há cenas fragmentadas, sem continuidade.  Vejo como positivo que um filme da Globo Filmes não tenha sido o escolhido, ou um filme com clichês tolos, mas acredito que O Som ao Redor se beneficiou da polêmica e, também, do parecer do New York Times.  Sinceramente?  Acho que ainda não será este ano que chegaremos até a seleção final.  Para quem quiser olhar, aqui está a página oficial do filme.

7 pessoas comentaram:

Oi Valéria! Posso tirar uma dúvida? Você disse que "Uma História de Amor e Fúria" pode ter sido preterido por ser animação... Mas ele não poderia concorrer na categoria animação do Oscar? Quer dizer, levando em conta que o Miyazaki já ganhou o Oscar com "A Viagem de Chihiro", eu imaginei que, na categoria animação, poderiam concorrer tanto películas americanas quanto estrangeiras. Ou existe algo como uma categoria "animação estrangeira"? Desculpe pela pergunta besta, mas é que eu não acompanho praticamente nada sobre o Oscar ou prêmios afins, então não sei mesmo, ^^'.

Olá, Valéria. Uma coisa de sua resenha me chamou atenção: você chama os seguranças da rua de milícia. Bem, eu sou do Nordeste (de Natal, mais precisamente) e conheço algumas capitais. Lá, há esses grupos de pessoas pagas para vigiar as ruas. Não sei se há aí em Brasília ou no Rio, moro em Belo Horizonte há dois meses e nunca vi. Mas é bem comum mesmo, não no sentido de milícia, mas de grupos - alguns sujeitos armados, outros não - que fazem a vigilância da rua; costumamos chamá-los de vigias, lá em Natal.

No mais, acho que o filme ganhou destaque ao trazer de volta essa dicotomia entre o velho e o novo (que reforça uma certa ideia de Nordeste, um espaço onde o tempo não passa, que é meio estanque) na região, onde os dois se sobrepõe e se misturam. Eu achei o filme um pouco óbvio, a abertura já entrega isso de bandeja. O vigia cego de um olho faz referência (direta, dita sem titubear no filme) à Lampião e sua ideia dupla na região: de ser apadrinhado de alguns coronéis, e de ser instrumento de vingança dos pobres.

Bem, é um filme até comum, com um final bem interessante. Mas esse experimentalismo, essa ideia de deixar as coisas todas por cima, parecendo meio jogadas a metade também me causou estranheza. Outros filmes do Recife já trouxeram essa ideia, creio. Baixio das Bestas me parece trazer esses temas também, só em locação diferente. E bem mais pesado. enfim, vamos ver o que Hollywood acha.

Arthur, chamei de milícia, porque toda resenha e resumo deste filme chama assim. No Rio, efetivamente são milícias, mas eu, que sou do Rio, não consigo ver aqueles sujeitos como tal... Enfim...

"Algumas cenas relacionadas a eles, como a invasão que acontece ao quintal da casa de Bia.(...)"

Está falando da cena que é um sonho da personagem?

Se foi sonho, não ficou claro. Fora a cena do Clodoaldo com a empregada que, também, era uma invasão.

Acho que você não prestou muita atenção em alguns pontos do filme, como a cena da invasão da casa da Bia, como já foi dito, que foi um sonho da filha dela, e também a da "vizinha" que agrediu a Bia, que na verdade era a irmã dela.
Eu sinceramente gosto do fato do filme não explicar todos os acontecimentos, é o mesmo que acontece quando se observa a vida de alguém, você só enxerga alguns aspectos, não tem como entender tudo, é o verdadeiro a vida como ela é, gosto disso no cinema Pernambucano, que é exatamente o que gosto no cinema Francês.

Desculpe, Milla, eu prestei atenção, sim. E estou acostumada com cinemas de outros países, basta pesquisar as resenhas aqui do blog. Ainda que possa ter sido um sonho da menina, houve a invasão a outra casa que ficou por isso mesmo.

O filme tem muitas deficiências e como eu coloquei, se este é o novo cinema crítico ou político brasileiro, prefiro o "velho" com películas como Prá Frente Brasil.

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