quinta-feira, 10 de abril de 2014

#SomosTodasAdelir: 11 de Abril, vamos protestar contra a violência obstétrica!


Eu não comentei antes, porque, bem, o caso da gestante Adelir Carmen Lemos de Goes, arrancada de casa pela polícia para ser conduzida à maternidade, o dia 31 de março de 2014, para uma cesárea compulsória por ordem judicial me deixou profundamente chocada e deprimida.  Sim, há quem vá dizer a vida do feto vinha em primeiro lugar e Adelir foi leviana ao recusar a orientação da médica, isso, claro, sem saber ou querer saber que não existia risco algum para a mãe e o feto.  Todo o caso, que eu acreditei por algumas horas que fosse um primeiro de abril, afinal, quem abriria a barriga de uma grávida contra sua vontade? Foi, na verdade, um exemplo extremo de violência obstétrica e violação dos direitos de uma mulher sobre o seu próprio corpo.   E se a coisa sair barata, o abuso – já que com o movimento de humanização do parto, muitas mulheres já não caem nas mentiras – irá se repetir com outras grávidas. Por isso mesmo, pela dor sofrida pela vítima, pelo absurdo do ocorrido, pelo risco corrido por todas nós, precisamos repetir que #somostodasAdelir.  


O promotor, o que enviou a solicitação para a juíza, até apareceu em matéria na TV Bandeirantes dizendo que não pediu uma cesariana, mas que a mulher, que tinha com duas cesarianas prévias e se recusara a uma terceira compulsória, deveria ser conduzida ao hospital para uma nova avaliação ao clínica, já que a médica que queria interná-la alegava que havia risco de vida para o bebê e para a gestante.  A mulher, seu esposo e sua doula, todos bem preparados e empoderados, sabiam ser possível (*sim, porque poderia acabar em cesariana*) um parto normal no caso de Adelir, que era baixíssima a possibilidade de ruptura de útero, menor, bem menor, do que os que envolviam uma terceira cesariana, e desconfiavam, também, que o bebê aparecesse pélvico (*sentado*) – na verdade, podálico (*em pé*) – em uma última ultra.  Ainda assim, seria possível o parto pélvico, mais difícil, sem dúvida, se a equipe do hospital fosse tecnicamente capacitada e/ou disposta a tentar. Agora, se nem parto normal é ensinado direito em algumas faculdades de medicina no Brasil, imagina um com grau de dificuldade?  Cesariana, claro!  São muitos riscos!

Adelir assinou um termo de responsabilidade e retornou para casa, para que o trabalho de parto progredisse, e não pudessem alegar, como na sua primeira cesariana, que não houve dilatação. Se você não sabe, essa é uma desculpinha muito usada para abrir barrigas no Brasil, falta paciência, o clima na sala de pré-parto é péssimo, a mulher é impedida de se alimentar e tudo termina em faca. Olha eu aqui, nascida com essa desculpa em 1976!  Em nenhum momento, Adelir e o marido disseram que pretendiam parto domiciliar desassistido, já que sua doula Stephany Hendz não era enfermeira obstétrica. Eu acredito neles, não tenho motivos para desconfiar, afinal, estou mais do que ciente das múltiplas desculpas usadas no Brasil para fazerem cesarianas, da incompetência de muitos médicos e sua insensibilidade em relação à vontade da gestante.  E eu falo de coisicas bobas, querem ver?  A esposa de um primo, devidamente convencida pelo médico do plano da necessidade de sua cesariana, queria agendar para dia 7 de novembro, data de aniversário da outra filha, o nascimento da nova criança. O médico foi categórico: Não era possível.  Daí, inventou-se uma série de empecilhos (*bolsa que poderia romper e ele não chegar a tempo, cordão assassino, bebê sentado, e por aí vai*) facilmente desmontáveis, claro, mas é seu médico de confiança, vai que alguma coisa acontece com o bebê?  A menina nasceu no dia 5 de novembro, provavelmente, para não escangalhar a agenda do obstetra.  


Enfim, a última ultra de Adelir dizia que tudo estava bem com a bebê, apontava, também, que ao contrário do que a médica alegou em documento ao Ministério Público, a gestação era de 40 semanas, não de 42, o que seria um suposto limite de segurança estabelecido por muitos profissionais no Brasil. A OMS estabelece que uma gestação pode durar 42 semanas, mas, se tudo estiver bem com mãe e bebê, o recomendado é se esperar o trabalho de parto, que é benéfico para ambos.  Há mulheres que, mesmo optando ou precisando da cesariana, esperam entrar em trabalho de parto, pois é o sinal de que o bebê está pronto.  Aqui, no Brasil, muitos médicos se acham pacientes quando esperam 40 semaninhas, alguns agendam a cesariana com 38 semanas sob múltiplas alegações.  Não raro, as contas estão erradas, o bebê não está pronto para sair do útero, e a criança, este ser que os profissionais dizem querer proteger e que foi desculpa para violentar Adelir, termina na UTI neonatal. Um... Aqui, em Brasília, há até investigação policial sobre os índices de quase 100% de internação em UTI neo em alguns hospitais particulares.  Deve ser excesso de preocupação com os bebezinhos, não é?

Bem, bem, o promotor do MP, quem enviou o pedido assinado pela juíza, apareceu na Band dizendo que não pediu uma cesariana compulsória, mas que a gestante fosse levada para nova avaliação médica.  Obviamente, essa nova avaliação só aconteceria se profissional de fora da unidade fosse requisitado, especialmente, alguém do movimento da humanização do parto ou que respeitasse minimamente as mulheres.  No entanto, todos os relatos são unânimes, a polícia buscou Adelir e a cesariana foi feita em cerca de 20 minutos depois de sua entrada no hospital, sem direito a acompanhante, algo garantido por lei.  Vejam a rapidez com a qual a justiça agiu nesse caso, queria a mesma rapidez quando há a necessidade de um leito de UTI urgente em hospital particular, pois a rede pública não o garante, ou quando bebê ou mãe morre em hospital por imperícia médica.  Claro, que houve quem tentasse isentar o judiciário – MP e juíza – de qualquer responsabilidade.  A justiça parece sempre acatar pareceres técnicos, e que seria o mesmo caso da transfusão de sangue compulsória em filhos de Testemunhas de Jeová.  Primeiro, teriam que me convencer que juízes e juízas são meros assinadores de papel, que não lhes cabe interpretar a lei, que eles e elas se dobram a qualquer autoridade profissional por aí.  Segundo, que uma criança já nascida é igual a um feto.  Se eu fosse pró-vida, até poderia, mas não sou, então, esqueça.  Terceiro, de que a dignidade da mãe, termo usado por uma das médicas, é irrelevante frente ao (*suposto*) bem estar do feto e que abrir sua barriga não implica em violação de nenhum direito.  Enfim, ou houve descaso, ou cumplicidade da justiça nessa violência, ou o pedido protocolado apresentava muitas mentiras.  


No início da semana passada, depois da notícia, estabeleceu-se a guerra: salvaram-se duas vidas ou os direitos fundamentais de uma mulher (*e seu marido*) foram violados.  Meu texto é evidentemente pró-Adelir, não vou mentir dizendo que sou isenta, porque não sou, não posso ser como mulher, como feminista, como possível vítima de uma ação arbitrária desse tipo.  Os defensores da médica – na verdade, duas médicas, seus nomes estão aqui – vão dizer que a mãe era uma irresponsável e que o bebê nasceu bem. A mãe foi xingada de tudo quanto é nome por comentaristas aflitíssimos com o bem estar do nascituro, defensores da medicina, e gente preocupadíssima com possíveis processos por imperícia médica.  Perguntaram para as ativistas: “Luto?  Mas ninguém morreu!”  (*a maioria acrescentava: o bebê está vivo!  Sim, a mãe é mero receptáculo, casca vazia, colaborou em coisa alguma*)  Sim, parte dos direitos humanos fundamentais das mulheres no Brasil morreram naquele dia.  “Ah!  Ela queria ter um parto normal por vaidade!”.  E tomem matérias na TV – via as da Band e da Record – ressaltando os riscos do parto normal, como se toda gestação não envolvesse dose de risco, ou cesariana – cirurgia de médio porte – não oferecesse risco algum.  Foi vergonhoso.

Queridos, querem começar a desmontar essa farsa absurda? Peguem a última ultrassom, o bebê nasceu bem, porque estava bem.  Tanto que mãe e filha saíram do hospital em tempo regular e a criança nem foi para a UTI neonatal.  Assim, nem mentiram como no caso da minha Júlia, que a pediatra disse ter nascido com Apgar 3, deram Apgar alto para a bebezinha desde o início.  Se a bebê estava em sofrimento, com mecônio espesso, blá-blá-blá, como ela nasceu boazinha?  Emergência que esperou 14 horas desde a saída do hospital até a internação com força policial?  Outra coisa, houve um médico bam-bam-bam na TV que disse que fazer cesariana de bebê pélvico é tão difícil quanto acompanhar um parto normal.  Se é mesmo, se tanto faz, por que a opção pela cesariana nesses casos é quase unanimidade no Brasil?  Estranho, não?


Vou dar minha opinião abertamente, é o que eu, Valéria, acho que rolou: a médica ficou furiosa ao ter sua opinião questionada por dois caipiras (*havia comentários em grandes portais que se referiam assim ao casal*), não teve jogo de cintura (*e provavelmente informação fundamentada em evidências*) para convencê-los a aceitarem a cesariana compulsória, e usou da força.  E alguém acha que a maioria dos médicos não iria apoiar a opinião da colega?  E o corporativismo?  Se até em caso de assassinato de criança para tráfico de órgãos os médicos evolvidos conseguem apoio, imagina uma bobagenzinha dessa?  Mulheres são cesariadas todos os dias nesse Brasil com hora marcada.  No fim das contas, tudo é pelo bem do nascituro.  Se houvesse consulta de outra opinião médica, teriam que buscar fora do hospital...  Ah sim!  Mas aí a bebê iria morrer... Verdade, ela estava em perigo extremo, como a ultra bem assinala.

Durante toda a minha gestação fui alertada por várias pessoas – doula, enfermeira obstétrica, médicos até – do quanto as ultras mais tardias são imprecisas para assinalar peso e tamanho do bebê e idade gestacional.  As minhas últimas sempre davam uma ou duas semanas a menos para a Júlia, mas eu sabia exatamente quando tinha engravidado.  “Ah, então você está dizendo que ela estava mesmo com 42 semanas?”.  Sim, de novo, confio na contagem da mãe.  No entanto, ela e o bebê estavam bem.  Só que é quase regra usar as ultras para empurrar uma mulher para uma cesariana, por que não usá-la para esperar um trabalho de parto?  Aliás, ao que consta, a mulher já estava em trabalho de parto ao chegar ao hospital, mas essas coisas demoram (*eu mesma fiquei umas 26 horas com as contrações*), então, o mais indicado era esperar em casa mesmo ou aceitar uma nova cesariana desnecessariamente.  Duvida que mulheres possam parir depois de uma, duas ou três cesáreas e sobrevivam e tenham bebês saudáveis?  Acompanhe a série de fotos que está sendo postada pelo perfil do documentário O Renascimento do Parto no Facebook.


Sim, estou muito furiosa, muito mesmo.  Considero tudo o que aconteceu uma violência enorme em nível micro e macro.  Micro, porque violentaram uma mulher, Adelir, a acuaram, arrastaram de casa à força, transformaram um momento que deveria ser bonito e mágico, em um trauma.  Espero que Adelir não adoeça por causa de tudo o que lhe aconteceu.  Lamento, também, pela bebê, que deve ter sido submetida a um estresse enorme.  Macro, porque este caso abre espaço para  que outros profissionais, ou mesmo outras pessoas, se imponham sobre  uma gestante argumentando que “é para o bem do nascituro”.  Ou seja, como disse uma das médicas, a vida do feto (*que, repito, não estava em perigo*) se impõe a da mãe.  Eu mesma, se engravidar novamente e puder tentar um parto normal, posso passar por isso aí.  Afinal, seria um VBAC (Vaginal Birth after C-Section), algo que a maioria dos médicos nesse país considera impossível (Há!). 

Quando comentei em Facebook e e-mail que às mulheres no Brasil é negado o direito de aborto; seu direito de não querer ter filhos é motivo de duras críticas; e, agora, se expôs que o seu direito de desejar parir em paz é negado, houve gente dizendo que eram questões diferentes.  Não, não são.  Tudo gira em torno da tutela sobre o corpo das mulheres.  O fato de três mulheres – duas médicas e uma juíza – terem sido as agentes da violência não deve fazer perder de vista que é uma sociedade patriarcal que permite isso.  O corpo das mulheres, o meu corpo, é tutelado pelo Estado e por outras autoridades ancoradas em discursos e saberes falogocêntricos.  Há ainda a preguiça de pensar, de sair do quadrado, de estudar mesmo, daí, qualquer um que questione gera terror, medo.  É preciso fazer calar as outras vozes.  O caso Adelir não fosse a internet, poderia ficar em Torres, escondidinho.  Mas não é mais possível fazer isso, não em nosso tempo, não com o movimento de humanização do parto avançando.


Agora, para quem não sabe, essas cesarianas à força, sob o argumento de que a mãe estava colocando em risco a vida do feto, não me eram estranhas.  Susan Faludi fala delas em seu livro Backlash (*Não leu? Corre atrás, tem até em português.*).  Segundo a autora, a onda de retrocesso dos direitos das mulheres nos anos 1980 abriu espaço para que mulheres fossem confinadas em hospitais, às vezes por semanas, e submetidas a cesarianas salvadoras para o bebê. Depois disso, não raro, era pé na bunda e “pariu Mateus que embale”.  O importante é o nascituro e o massacre da cidadania e autonomia das mulheres.  Hoje, quase três décadas depois, a extrema-direita religiosa trabalha com afinco para limitar o direito de aborto, já que, dificilmente, poderá extingui-lo nos Estados Unidos.  

Há em alguns Estados americanos – e aqui, também – a tentativa de considerar o feto uma pessoa plena, coisa que nem a Bíblia faz (“Se alguns homens pelejarem, e um ferir uma mulher grávida, e for causa de que aborte, porém não havendo outro dano, certamente será multado, conforme o que lhe impuser o marido da mulher, e julgarem os juízes. Mas se houver morte, então darás vida por vida” Êxodo 21:22-23), que esse povo adora citar, em caso de tentativa de ou homicídio.  Enfim, eu seria a favor, vide, por exemplo, o caso da grávida morta esta semana no Rio, se não tivesse certeza que o objetivo seria criminalizar a mãe, transformar qualquer ação sua desaprovada por algum poder patriarcal (*que pode, como bem mostra o caso de Adelir, ser exercido por outra mulher*) em um atentado à vida do feto.


Enfim, é isso.  Não pensem que escrevi este texto hoje, ainda mais no turbilhão em que estou.  Comecei no Rio, na semana passada e não consegui terminar.  Consertei alguma coisa, acrescentei outras e ele será publicado hoje.  Espero que não tenha sido cansativo, mas ele expressa a minha revolta, o meu nojo, em relação a um caso que eu acreditava ter sido um “1º de Abril” posto para circular em comunidades sobre a humanização do parto.  Amanhã – 11 de abril – haverá protestos em todo o país.  Eu queria ir, mas acredito que, na minha atual situação, não poderei.  Se você é mulher ou mesmo homem, se compreende o nível de violência cometida, o risco para todas nós, por favor, não deixe de participar.  Você não precisa desejar ser mãe, você nem precisa ser contra a cesariana agendada (*eu posso ser contra, mas é direito da mulher escolher e ponto final*), mas precisa compreender o quão aviltante para todas nós mulheres é este caso.  Toda a minha solidariedade para Adelir, para seu marido, para a doula que os acompanhava, e, talvez, para tantas outras que não tiveram seu caso veiculado.  Não podemos esquecer!  Não podemos permitir que coisas assim se tornem corriqueiras nesse país!  E há o abaixo-assinado.  Ele está aqui.  

1 pessoas comentaram:

Sabe,cada dia que passa me dá mais vontade de "investigar" sobre o meu nascimento. Minha mãe fez cesárea, e a história que ela sempre me conta é que aos nove meses de gestação ela foi ao médico (particular) para fazer uma simples consulta, e chegando lá o doutor disse que ela me teria naquele dia, pois "não dá pra esperar mais, pode prejudicar o bb bla,bla,bla".
Tipo assim, de imediato ela foi encaminhada a faca...pegou toda a família de surpresa. Bom, minha mãe não se sentiu violentada, nem agredida, nem nada, afinal era o parecer médico e supremo,e ele só poderia estar certo. E ainda bem que ela foi bem atendida durante o processo.
Sempre achei essa história normal, e tals, mas depois que passei a me informar mais sobre esses assuntos tenho certeza de que eu não estava tempo demais na barriga dela,e sim, foi safadeza médica.Pretendo conversar com ela sobre isso para refletir mais,me deixou intrigada isso.
Alias quando eu nasci,tipo poucas horas depois, mandaram meu pai me levar para uma fila. Ele achava que era pra fazer algum exame, e quando foi a vez dele, descobriu que mandaram ele pra furarem minha orelha! Meu pai surtou, xingou muito e fugiu de lá comigo hahaha

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